Na história da evidenciação contábil brasileira a Companhia Beberibe ocupa um lugar de grande destaque. Esta empresa pernambucana talvez tenha realizada a primeira evidenciação do setor privado, sem levar em consideração a publicação das entidades do terceiro setor. E o volume de evidenciação que a empresa apresentava era realmente substancial para a época.
Em 10 de novembro de 1843 a empresa publica o seguinte num jornal (1):
A primeira parte – que numerei com (1) – é a introdução da contabilidade da empresa, indicando que a mesma estava apresentando as operações que ocorreram até o último dia de outro de 1843. No item (2) da minha numeração tem-se o valor lançado acumulado até a data de 31 de julho. O número (3) mostra a numeração dos documentos, enquanto o número (4) se tem o valor. Em cada evento se tem a sua descrição, o documento e o valor. Por exemplo no item (5) ocorreu no dia 1º. De agosto e refere-se a despesa com o apontador J. T. Peixoto, provavelmente um funcionário da empresa; o documento é o de número 179, com valor de 50 mil reis. No evento seguinte, do dia 4 de agosto, duas despesas de pagamento do administrador (documento 180) e do mestre (181). E assim prossegue até o documento 212. Como um diário da empresa.Ao final a empresa faz uma “recapitulação” ou seja, um grande resumo dos itens:
Em resumo, as despesas com administração, eventuais e gerais foram de 11:130,707, enquanto que as despesas com caixa d’água e açude do Prata somaram 15:293,452 e assim por diante, totalizando 62:792,915. Na segunda parte, as receitas, que na publicação são denominadas de “acções”, que apresentam um total de 65:100,000. A diferença representa o valorem caixa, que é subtração do último valor por 62:792,915 ou 2:307,085.
O fato de o resultado corresponder ao “balanço em caixa” indica a utilização do regime de caixa na contabilidade da empresa. Finalmente, a empresa evidenciou também a conta caixa sob a forma de razonete (2):
Trata-se de uma conta que apresenta do lado esquerdo os valores de saída do caixa da empresa, exceto a última linha, que mostra o saldo existente no caixa. Do lado direito, os valores recebidos pela empresa, totalizando 17:500:000. Os valores das colunas são iguais. É interessante notar que isto mostraria o equilíbrio da conta caixa, provado pelo valor existente em dinheiro na empresa ao final de outubro de 1843.
A divulgação da Beberibe é importante pelo detalhamento das informações. Ademais, a empresa, recém-fundada, era uma sociedade por ações, com a finalidade de fornecer água para a cidade de Recife e redondezas (3). A empresa tinha assembleia dos acionistas, realizada duas vezes ao ano, em maio e novembro (4). A assembleia, além de eleger os gestores, “examinava” os balanços e discutia e deliberava sobre o orçamento de receitas e despesas. Nas competências do Caixa (artigo 29 do estatuto) constava “
apresentar a Administração, de tres em tres mezes, hum balancete de receita, e despesa, e estado do cofre; e depois de approvado pela Administração publicado pela imprensa”. (5)
Ao longo dos anos seguintes, a Beberibe apresentava regularmente as informações contábeis. A empresa tinha uma participação de Francisco Antonio de Oliveira, condecorado como Barão de Beberibe, um famoso negociante que enriqueceu com o comércio de escravos (6)
(1) Publicado no Diário de Pernambuco, 10 de novembro de 1843, ano XIX, n. 243, p. 2.
(2) O interessante desta informação é que a mesma foi publicada “virada”, num ângulo de noventa graus. O responsável pela publicação do jornal estava aproveitando o espaço.
(3) Conforme estatuto da empresa publicado em Diário de Pernambuco, 17 de maio de 1843, ano XIX, n. 108, p. 1.
(4) Isto explica a publicação das informações em 10 de novembro. As informações são do estatuto da empresa, publicado Diário de Pernambuco, 17 de maio de 1843, ano XIX, n. 108, p. 1 e seguintes.
(5) Grafia da época.
(6) Conforme GOMES, Amanda.
O Barão Traficante e as Redes Socias do Tráfico, 2015