As lâminas da tesoura e da indústria
08/07/2012
AFFONSO CELSO PASTORE -ECONOMISTA, EX-PRESIDENTE DO BC, ESCREVE MENSALMENTE PARA O ESTADO - O Estado de S.Paulo
Para sentir os efeitos da gravidade não é preciso saber se ela vem de uma força, como explicou Newton, ou da curvatura do espaço, como explicou Einstein. Quando a economia mundial se desacelera, o Brasil é atingido, entre outros canais, através: da piora das exportações; da redução dos fluxos de capitais; ou do crescimento da aversão ao risco, derrubando os investimentos e as decisões de consumo.
Há anos que os dados mostram uma correlação positiva elevada entre os ciclos da produção industrial mundial e brasileira em torno das respectivas tendências, e essa correlação se elevou depois da crise mundial de 2008. O contágio da crise mundial explica em parte a estagnação da indústria brasileira desde o início de 2010, mas ele é apenas uma parte da explicação.
Quando cai a atividade econômica, fatores de produção ficam ociosos e por isso ocorrem simultaneamente: a queda na utilização de capacidade instalada; e o aumento da taxa de desemprego. Desde o início de 2010, o nível de utilização de capacidade na indústria brasileira vem oscilando abaixo dos níveis máximos atingidos no passado, indicando ociosidade, mas a taxa de desemprego continua caindo mês a mês. Ao longo da trajetória de queda do desemprego, os salários reais vêm se elevando, e recentemente ocorreu o aumento da taxa de participação - a proporção entre a população economicamente ativa e a população em idade ativa. Provavelmente estimuladas por salários mais altos, pessoas que haviam decidido sair da força de trabalho, voltando a estudar ou dedicando-se a outras atividades, retornaram ao mercado de trabalho. Se a taxa de participação não tivesse se elevado, a taxa de desemprego ajustada pela sazonalidade atualmente não estaria um pouco acima de 5%, como mostram os dados do IBGE, mas sim em apenas 4% da força de trabalho. Esses dados indicam que no mercado de trabalho estamos em pleno emprego, ou até acima dele.
Como é possível simultaneamente ocorrerem: capacidade ociosa na indústria; e pleno emprego no mercado de trabalho? Da mesma forma como são necessárias duas lâminas para que uma tesoura possa cortar, a explicação para o que vem se passando na indústria requer duas condições. A primeira vem do fato de que a indústria é um setor muito aberto ao comércio internacional, sendo a sua capacidade de reajustar preços limitada pela competição das importações. O baixo crescimento da Europa e dos Estados Unidos deprime os preços de produtos manufaturados no mercado internacional, o que somado à valorização cambial, fixa os preços internacionais em reais em níveis baixos, impedindo que se eles ajustem em resposta a empurrões de custos.
A segunda condição vem da elevação do custo unitário do trabalho medido em reais. O crescimento dos salários reais e do pessoal empregado é uma boa notícia para as vendas reais do comércio. A intuição, confirmada pela econometria, mostra que o crescimento da população ocupada e dos salários reais (junto com juros reais baixos) eleva as vendas reais do comércio e o consumo das famílias. É isso que está por trás da expansão contínua das vendas reais, que se mantiveram em firme crescimento mesmo depois que a indústria entrou em estagnação.
Custo do trabalho. Mas será que a elevação de salários é uma boa notícia para a produção industrial? Os dados da PIMES mostram que entre 2004 e 2007 os salários reais da indústria cresciam à mesma taxa de aumento da produtividade média do trabalho. Mas do início de 2010 até o presente, os salários reais continuaram crescendo ao lado da queda da produtividade média do trabalho na indústria. Com isso, o custo unitário do trabalho vem aumentando, tendo se elevado em torno de 12% em termos reais do início de 2009 até agora.
Em trabalho em coautoria com Marcelo Gazzano e Maria Cristina Pinotti (Por que a produção industrial não cresce desde 2010, disponível em www.acpastore.com), foi estimado o comportamento do índice de utilização de capacidade instalada na indústria em função da taxa real de juros e do custo unitário do trabalho, controlando para o hiato da produção industrial mundial. O hiato da produção mundial melhora significativamente as estimativas, mas não explica, sozinho, a queda na utilização de capacidade a partir do início de 2010. A queda se deve ao aumento do custo unitário do trabalho, que reduziu a utilização de capacidade instalada na indústria mesmo diante da queda das taxas reais de juros.
Obviamente, uma elevação de 12% no custo unitário do trabalho não teria levado a uma contração da produção e da utilização de capacidade caso a indústria conseguisse repassar esse aumento de custos para os preços. Porém, a competição internacional e o câmbio valorizado impedem esse repasse, estreitando as margens da indústria, levando à contração da produção e ao aumento da capacidade ociosa. E para onde vai a demanda não atendida pela produção industrial? Ela vaza para o exterior na forma de importações líquidas. Todos estes fatos vêm ocorrendo desde o início de 2010.
Os industriais costumam afirmar que "quem paga os bons salários" é a indústria. Não é verdade. O IBGE publica os salários médios por setores, e eles mostram que o setor de serviços, que empregava 60 milhões de pessoas em 2009, paga em média salários próximos aos da indústria, que empregava em 2009 em torno de 20 milhões de trabalhadores. Note-se que essa proporção de 1 para 3 no emprego dos dois setores vem se mantendo ao longo do tempo. Não esperaríamos uma equalização perfeita dos salários médios entre estes setores, porque há diferentes composições de treinamento, educação, sexo, idade, etc. Mas os dados mostram que no agregado essas diferenças se diluem, e há uma mobilidade de mão de obra suficientemente grande para que os salários se aproximem.
Dada a sua participação menor no mercado de mão de obra, não é necessário que o nível de emprego na indústria cresça para que seus salários médios se elevem. Basta que ocorra um aumento da demanda de mão de obra no setor de serviços, que é o "grande empregador". Quando o governo usa políticas macroeconômicas para ampliar a demanda agregada estimula os dois setores, com o setor de serviços demandando um grande acréscimo de mão de obra, elevando os salários. A elevação do custo unitário do trabalho na indústria não decorre necessariamente do crescimento da demanda de mão de obra no setor, que recentemente vem caindo, e sim do que se passa no setor de serviços. Chegamos, assim, ao paradoxo de uma economia caracterizada pela expansão do consumo, mas que não consegue elevar a produção industrial, que vaza para o exterior na forma de importações líquidas.
Depreciar o real poderia ser uma "solução", mas não tão simples quanto parece à primeira vista. Para ter o efeito desejado, a relação câmbio/salário deveria ser alterada a favor do câmbio, e para que a indústria conseguisse reconquistar um pedaço da "competitividade perdida" teria que repassar totalmente essa depreciação para os preços, jogando por terra o argumento de que o "repasse" da depreciação para os preços é baixo. Por isso, talvez, o Banco Central venha intervindo no mercado de câmbio para evitar que o real se aproxime de R$ 2,10/US$. Por outro lado, neste quadro de estagnação da indústria a queda da taxa real de juros não consegue libertar o "espírito animal" que levaria ao aumento do investimento.
Recentemente o Caged publicou dados que apontam para uma direção um pouco diferente no mercado de mão de obra. Mostram uma queda no fluxo mensal de contratações de trabalhadores formais. Esta pode ser uma indicação de que a desaceleração mundial, afinal, já estaria afetando o setor de serviços, reduzindo o seu crescimento, e que em breve a taxa de desemprego começaria a se elevar. Se este for o caso, a economia brasileira precisará de muito mais estímulos de demanda, porque estaríamos caminhando para um crescimento medíocre do PIB, abaixo da atual projeção de consenso, de uma expansão de 2% em 2012. Mas se o Caged estiver emitindo um sinal falso, e a taxa de desemprego se mantiver baixa, quanto mais estímulos de demanda forem colocados na economia, maior será a elevação dos salários reais. As vendas reais do comércio e o consumo continuarão crescendo sem que a produção industrial reaja, o excesso de demanda continuará vazando para o exterior na forma de importações líquidas, e todos continuarão reclamando contra a desindustrialização.
Cabe ao governo formular um diagnóstico melhor dos problemas atuais da economia brasileira, buscando políticas macroeconômicas que os resolvam.
22 julho 2012
21 julho 2012
Fato da Semana
Fato da Semana – Posição da SEC sobre a convergência das normas internacionais do IASB.
Qual a importância disto? –
Existia uma expectativa em que a SEC iria determinar quando os Estados Unidos
fariam a convergência. O relatório divulgado na sexta-feira, dia 13, não afirmava
nada sobre prazos para convergência. Além disto, o relatório criticava
pesadamente as normas internacionais, o processo de governança do Iasb, a forma
de financiamento da entidade, a falta de contribuição de outros países, a
adoção parcial das normas pelos membros, os problemas da comparabilidade etc. Mas
o relatório não foi o único aspecto. Na quarta-feira, dia 18, o FASB recua na
discussão sobre baixa contábil em instituições financeiras. O projeto tinha
sido longamente discutido entre Fasb e Iasb durante meses e havia um acordo com
respeito a uma alternativa. O recuo do Fasb irritou o presidente do Iasb.
Positivo ou negativo? –
Para aqueles que defendem uma norma internacional única é negativo. Já aqueles
que acham que é necessário existir concorrência nas normas, pois isto induz a
melhoria nos padrões contábeis, é positivo. Acredito os que gostam de uma polêmica
é bastante salutar o que ocorreu esta semana. As empresas de auditoria
perderam; as empresas locais ganharam.
Desdobramentos –
O recuo dos Estados Unidos poderá abrir uma discussão sobre a quantidade de
membros que este país possui no Iasb. Entretanto, os Estados Unidos são os
principais doadores do Iasb. Isto talvez evite um confronto entre a direção do
Iasb e este país. O recuo dos EUA pode tornar mais difícil a convergência de
países como Índia, Japão e China. Além disto enfraquece o atual presidente do
Iasb. Alguns analistas consideram que a decisão dependerá das eleições de
novembro (Obama x Rommey) e que a decisão da convergência é política.
Para
ler mais: Veja as seguintes postagens do blog: Ducha
de Água Fria na Convergência, Normas
internacionais 3, Ducha,
Ainda
Ducha, Reação
da Europa, Favorável,
Mais
Ducha e Mais
Ducha 2
Mestrado e Doutorado UnB/UFPB/UFRN
Já está disponível o edital de mestrado acadêmico (UnB/UFPB/UFRN) e doutorado do Programa Multi-institucional e Inter-regional de Pós Graduação em Ciências Contábeis da UnB, UFPB e UFRN.
Inscrições: 20/8/2012 a 21/9/2012.
Teste ANPAD: 16/9/2012
Prova escrita: 4/10/2012
Prova oral: 22 à 26/10/2012
Avaliação do pré-projeto: 5/11/2012
Avaliação de histótico e currículo: 9/11/2012
Data provável para a divulgação do resultado final: 19/11/2012
Deverá ser entregue, ainda, um comprovante de que realizou o Teste ANPAD a partir de 1 de janeiro de 2011 ou de que está inscrito para realizar o Teste na edição de setembro de 2012.
Informações sobre o Programa e(ou) Curso(s) podem ser obtidas na página eletrônica http://www.cca.unb.br ou na Secretaria do Programa.
Base no Polo Sul
Sobre o incêndio na base brasileira no polo sul:
Mantida em sigilo tanto pela Marinha quanto pelo grupo de 31 cientistas que estavam na base Comandante Ferraz, a realização da festa, com bebidas como cerveja e vinho, foi apurada pelo inquérito policial militar (IPM) aberto no dia do desastre, para apurar causas e responsáveis.
Como o alarme não disparou quando o incêndio começou, os encarregados pelo inquérito suspeitavam que o sistema pode ter sido desligado por ordem do comando da base. O objetivo seria não atrapalhar a festa. Na pista de dança há um mecanismo que espalha fumaça de gelo seco, como em uma boate. Os sensores são sensíveis e poderiam disparar, anunciando um falso incêndio.
Mantida em sigilo tanto pela Marinha quanto pelo grupo de 31 cientistas que estavam na base Comandante Ferraz, a realização da festa, com bebidas como cerveja e vinho, foi apurada pelo inquérito policial militar (IPM) aberto no dia do desastre, para apurar causas e responsáveis.
Como o alarme não disparou quando o incêndio começou, os encarregados pelo inquérito suspeitavam que o sistema pode ter sido desligado por ordem do comando da base. O objetivo seria não atrapalhar a festa. Na pista de dança há um mecanismo que espalha fumaça de gelo seco, como em uma boate. Os sensores são sensíveis e poderiam disparar, anunciando um falso incêndio.
Entrevista com Edmar Bacha
Correio Braziliense
POR ROSANA HESSEL
Primeiro brasileiro a concluir o doutorado em economia na prestigiosa Universidade Yale, o economista Edmar Bacha é considerado um dos pais do Plano Real, lançado em 1994, no governo Itamar Franco. Bacha coordenou o Departamento de Economia da Pontifícia Universidade Católica do Rio (PUC-Rio), de onde saiu a equipe que desenvolveu o programa. “Desde 1982, discutíamos alternativas para a estabilização. Em 1993, estávamos prontos para colocar as ideias em prática”, conta.
Bacha ganhou notoriedade ao escrever, nos anos 1970, a fábula da “Belíndia”, em que dizia que o regime militar estava criando um país dividido entre os que moravam em condições similares às da Bélgica e aqueles que tinham padrão de vida da Índia. Nos anos 1980, no governo José Sarney (1985-1990), participou do Plano Cruzado e presidiu o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Com Fernando Henrique Cardoso, comandou o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) por cerca de um ano.
Para Bacha, um dos erros na execução do Plano Real foi o país não ter dado continuidade às reformas necessárias. Entre os acertos, destaca o fato de o país ter se livrado do estigma de que nada aqui dava certo. Ele recorda a histórica frase “Le Brésil n’est pas un pays sérieux”, atribuída ao ex-presidente francês Charles de Gaulle (1959-1969): “Nenhum candidato a De Gaulle pode hoje dizer que o Brasil não é um país sério”, afirma. A seguir, os principais trechos da entrevista.
O Plano Real chega à maioridade. Mas, apesar dos os avanços dos últimos 18 anos, o Brasil ainda não consegue crescer de modo sustentável sem enfrentar o fantasma da inflação. Onde o país falhou?
É uma falha relativa. Comparado com nosso próprio passado, não há falha alguma. Comparado com o resto do mundo depois de 2008, também não há qualquer falha. Falhamos ao não realizar plenamente o potencial de crescimento do país. Depois do mensalão, em 2005, faltou determinação de continuar as reformas econômicas. Sem reformas, a produtividade estancou e o investimento não cresceu.
É possível pensar em um Plano Real II, agora com o intuito de fazer as reformas abandonadas e ampliar a infraestrutura? O que é preciso para obter a unidade que levou ao Real em julho de 1994?
Pensar é possível e desejável. O que falta é a decisão política. Em 1994, havia a consciência de que, ou estabilizávamos a economia ou cairíamos num buraco sem fim. Agora falta o consenso de que é preciso reformar o setor público para termos crescimento sustentável. Mas já há um começo, tanto na comissão comandada por Gerdau (Jorge Gerdau Johannpeter, presidente do Comitê de Gestão e Competitividade da Presidência), quanto na recente comissão parlamentar para a reforma do setor público.
A que o senhor atribui o sucesso do real? Por que o país fracassou tantas vezes até conseguir derrotar a hiperinflação?
Foi um aprendizado penoso. Os militares resolveram conviver com a inflação e aperfeiçoaram a indexação. Aí houve a crise da dívida externa. Depois os percalços da redemocratização, culminando com o trauma do Plano Collor. Naquela altura, ninguém aguentava mais a superinflação. Na PUC-Rio, vínhamos desde 1982 discutindo alternativas para a estabilização. Em 1993, estávamos prontos para colocar as ideias em prática. Então, Itamar Franco nomeou Fernando Henrique como ministro plenipotenciário e o resto foi história.
Se o Plano Real fosse elaborado hoje, o que teria de diferente? Haveria um processo total de desindexação da economia? Em vez do câmbio fixo já se adotaria logo o sistema de taxas flutuantes?
O projeto original previa a desindexação total. Mas a negociação no Congresso exigiu a manutenção de alguma indexação residual. Além disso, o ajuste fiscal foi menos forte do que o necessário, pois não foi possível aprovar as reformas constitucionais. Tudo o que se conseguiu foi o Fundo Social de Emergência (hoje chamado de Desvinculação das Receitas da União). Com isso, o câmbio teve que fazer o papel de âncora, com as altas taxas de juros. Se fôssemos começar de novo, seria preciso mudar a história, fazendo a revisão constitucional em 1995 e não em 1993. Com um reforma constitucional, seria possível adotar mais cedo o regime de câmbio flutuante e baixar as taxas de juros.
Nos últimos anos, o crescimento do Brasil foi baseado no consumo das famílias. Esse modelo está esgotado? Por que ainda resistimos tanto a adotar um choque de investimentos? As taxas de juros estão no menor patamar da história, mas as empresas se recusam a ampliar a produção.
Não sei se é inteiramente verdadeira essa afirmação. A taxa de investimento em preços constantes aumentou continuamente de 2005 até 2011 (exceto em 2009, por causa da crise externa). O Brasil ainda investe pouco, mas muito mais do que investia em 2005. Agora, há uma crise séria na economia mundial que desalenta o setor privado. Por outro lado, o investimento público está paralisado. E há uma enorme resistência no governo a fazer o óbvio: transferir para o setor privado a responsabilidade por investimentos que não consegue fazer na infraestrutura — em portos, aeroportos, estradas, energia, etc. É preciso é superar essa paralisia e oferecer alternativas de investimento para o setor privado.
O Brasil enfrentou muitas crises internacionais ao longo de quase duas décadas. Caiu de joelhos na maioria das vezes por causa da fragilidade das contas externas. Com o mundo em recessão, os preços das commodities tendem a desabar. Há riscos de uma nova tempestade no balanço de pagamentos?
O volume de reservas internacionais é suficiente para enfrentar problemas que possam se manifestar na área externa. Também não há perspectiva de o preço das commodities desabar. Afinal, a limitação dos recursos naturais é o problema central do planeta quando se olha o futuro.
Como o senhor avalia a política macroeconômica do governo Dilma? Ela está sendo bem conduzida? Quais são os principais pontos positivos e negativos?
De positivo, estar aproveitando a crise mundial para reduzir os juros. De negativo, não conseguir superar a paralisia de investimentos em infraestrutura.
Primeiro brasileiro a concluir o doutorado em economia na prestigiosa Universidade Yale, o economista Edmar Bacha é considerado um dos pais do Plano Real, lançado em 1994, no governo Itamar Franco. Bacha coordenou o Departamento de Economia da Pontifícia Universidade Católica do Rio (PUC-Rio), de onde saiu a equipe que desenvolveu o programa. “Desde 1982, discutíamos alternativas para a estabilização. Em 1993, estávamos prontos para colocar as ideias em prática”, conta.
Bacha ganhou notoriedade ao escrever, nos anos 1970, a fábula da “Belíndia”, em que dizia que o regime militar estava criando um país dividido entre os que moravam em condições similares às da Bélgica e aqueles que tinham padrão de vida da Índia. Nos anos 1980, no governo José Sarney (1985-1990), participou do Plano Cruzado e presidiu o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Com Fernando Henrique Cardoso, comandou o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) por cerca de um ano.
Para Bacha, um dos erros na execução do Plano Real foi o país não ter dado continuidade às reformas necessárias. Entre os acertos, destaca o fato de o país ter se livrado do estigma de que nada aqui dava certo. Ele recorda a histórica frase “Le Brésil n’est pas un pays sérieux”, atribuída ao ex-presidente francês Charles de Gaulle (1959-1969): “Nenhum candidato a De Gaulle pode hoje dizer que o Brasil não é um país sério”, afirma. A seguir, os principais trechos da entrevista.
O Plano Real chega à maioridade. Mas, apesar dos os avanços dos últimos 18 anos, o Brasil ainda não consegue crescer de modo sustentável sem enfrentar o fantasma da inflação. Onde o país falhou?
É uma falha relativa. Comparado com nosso próprio passado, não há falha alguma. Comparado com o resto do mundo depois de 2008, também não há qualquer falha. Falhamos ao não realizar plenamente o potencial de crescimento do país. Depois do mensalão, em 2005, faltou determinação de continuar as reformas econômicas. Sem reformas, a produtividade estancou e o investimento não cresceu.
É possível pensar em um Plano Real II, agora com o intuito de fazer as reformas abandonadas e ampliar a infraestrutura? O que é preciso para obter a unidade que levou ao Real em julho de 1994?
Pensar é possível e desejável. O que falta é a decisão política. Em 1994, havia a consciência de que, ou estabilizávamos a economia ou cairíamos num buraco sem fim. Agora falta o consenso de que é preciso reformar o setor público para termos crescimento sustentável. Mas já há um começo, tanto na comissão comandada por Gerdau (Jorge Gerdau Johannpeter, presidente do Comitê de Gestão e Competitividade da Presidência), quanto na recente comissão parlamentar para a reforma do setor público.
A que o senhor atribui o sucesso do real? Por que o país fracassou tantas vezes até conseguir derrotar a hiperinflação?
Foi um aprendizado penoso. Os militares resolveram conviver com a inflação e aperfeiçoaram a indexação. Aí houve a crise da dívida externa. Depois os percalços da redemocratização, culminando com o trauma do Plano Collor. Naquela altura, ninguém aguentava mais a superinflação. Na PUC-Rio, vínhamos desde 1982 discutindo alternativas para a estabilização. Em 1993, estávamos prontos para colocar as ideias em prática. Então, Itamar Franco nomeou Fernando Henrique como ministro plenipotenciário e o resto foi história.
Se o Plano Real fosse elaborado hoje, o que teria de diferente? Haveria um processo total de desindexação da economia? Em vez do câmbio fixo já se adotaria logo o sistema de taxas flutuantes?
O projeto original previa a desindexação total. Mas a negociação no Congresso exigiu a manutenção de alguma indexação residual. Além disso, o ajuste fiscal foi menos forte do que o necessário, pois não foi possível aprovar as reformas constitucionais. Tudo o que se conseguiu foi o Fundo Social de Emergência (hoje chamado de Desvinculação das Receitas da União). Com isso, o câmbio teve que fazer o papel de âncora, com as altas taxas de juros. Se fôssemos começar de novo, seria preciso mudar a história, fazendo a revisão constitucional em 1995 e não em 1993. Com um reforma constitucional, seria possível adotar mais cedo o regime de câmbio flutuante e baixar as taxas de juros.
Nos últimos anos, o crescimento do Brasil foi baseado no consumo das famílias. Esse modelo está esgotado? Por que ainda resistimos tanto a adotar um choque de investimentos? As taxas de juros estão no menor patamar da história, mas as empresas se recusam a ampliar a produção.
Não sei se é inteiramente verdadeira essa afirmação. A taxa de investimento em preços constantes aumentou continuamente de 2005 até 2011 (exceto em 2009, por causa da crise externa). O Brasil ainda investe pouco, mas muito mais do que investia em 2005. Agora, há uma crise séria na economia mundial que desalenta o setor privado. Por outro lado, o investimento público está paralisado. E há uma enorme resistência no governo a fazer o óbvio: transferir para o setor privado a responsabilidade por investimentos que não consegue fazer na infraestrutura — em portos, aeroportos, estradas, energia, etc. É preciso é superar essa paralisia e oferecer alternativas de investimento para o setor privado.
O Brasil enfrentou muitas crises internacionais ao longo de quase duas décadas. Caiu de joelhos na maioria das vezes por causa da fragilidade das contas externas. Com o mundo em recessão, os preços das commodities tendem a desabar. Há riscos de uma nova tempestade no balanço de pagamentos?
O volume de reservas internacionais é suficiente para enfrentar problemas que possam se manifestar na área externa. Também não há perspectiva de o preço das commodities desabar. Afinal, a limitação dos recursos naturais é o problema central do planeta quando se olha o futuro.
Como o senhor avalia a política macroeconômica do governo Dilma? Ela está sendo bem conduzida? Quais são os principais pontos positivos e negativos?
De positivo, estar aproveitando a crise mundial para reduzir os juros. De negativo, não conseguir superar a paralisia de investimentos em infraestrutura.
O governo adotou um viés intervencionista na economia. Essa presença maior do Estado no setor produtivo pode pôr a perder conquistas do Real?
Tão ruim como o intervencionismo é o protecionismo. Com isso estão tentando evitar o processo schumpeteriano de criação destrutiva, que é a base da prosperidade no capitalismo. Com essa política absurda de conteúdo nacional, continuaremos a produzir carroças e não vamos chegar ao pré-sal.
Tão ruim como o intervencionismo é o protecionismo. Com isso estão tentando evitar o processo schumpeteriano de criação destrutiva, que é a base da prosperidade no capitalismo. Com essa política absurda de conteúdo nacional, continuaremos a produzir carroças e não vamos chegar ao pré-sal.
O Brasil ganhou voz no mundo e hoje é ator influente na política global. Em que a estabilidade econômica contribuiu para isso? Essa relevância veio para ficar?
O Plano Real só tem 18 anos. Daqui a 32 anos poderemos fazer essa avaliação, se a estabilidade interna, que é a base da relevância externa, veio para ficar. Mas nenhum candidato a De Gaulle vai poder hoje dizer que o Brasil não é um país sério, como disse o general francês na década de 1960. Mérito da redemocratização, do real e da continuidade de políticas econômicas e sociais desde então.
Qual é maior legado do Plano Real e o que ainda precisa ser feito para aperfeiçoá-lo?
O maior mérito é ter mudado a cara do Brasil. Antes, éramos uma nau sem rumo, hoje somos uma economia emergente. Para aperfeiçoar, é preciso voltar às reformas.
O Plano Real só tem 18 anos. Daqui a 32 anos poderemos fazer essa avaliação, se a estabilidade interna, que é a base da relevância externa, veio para ficar. Mas nenhum candidato a De Gaulle vai poder hoje dizer que o Brasil não é um país sério, como disse o general francês na década de 1960. Mérito da redemocratização, do real e da continuidade de políticas econômicas e sociais desde então.
Qual é maior legado do Plano Real e o que ainda precisa ser feito para aperfeiçoá-lo?
O maior mérito é ter mudado a cara do Brasil. Antes, éramos uma nau sem rumo, hoje somos uma economia emergente. Para aperfeiçoar, é preciso voltar às reformas.
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