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08 abril 2024

7 regras para sua vida financeira

Boa parte do texto a seguir é do site The Blunt Bean Counter. Mas, seguindo a orientação de Gigerenzer (Preparados para o Risco) e Ockham, regras simples podem ajudar muito mais do que modelos complexos. Algumas das regras são efetivamente corretas, enquanto outras são sugestões para uma boa gestão financeira.

1 – Regra dos 72 – Essa mostra em quanto tempo você dobrará seu investimento. Se você aplicar 100 unidades monetárias hoje, em quanto tempo, dada uma taxa de juros, você terá juros somados de 100, o que corresponde a uma riqueza somada de 200. Para isso, basta dividir 72 pela taxa de juros da aplicação. Se a taxa de juros estiver em base anual, o resultado será em anos. Caso a taxa esteja em base mensal, o resultado será em meses. Suponha que o investimento de 100 seja aplicado a 6% ao ano. Dividindo 72 por 6, temos 12. Ou seja, em 12 anos o valor inicial investido terá duplicado. É uma regra intuitiva, pois quanto maior a taxa do investimento, mais rápido será o retorno. Atenção, pois há a suposição de que a taxa será constante no tempo, o que muitas vezes não ocorre.

2 – Regra dos 4% - Essa regra financeira é mais questionável que a anterior, mas pode ser usada para calcular quanto você deveria ter de ativos ao se aposentar. O cálculo é feito da seguinte forma: é necessário saber com quanto dinheiro seria razoável viver na aposentadoria. Suponha que você precise de 10 mil reais por mês para suas despesas, incluindo diversão e despesas médicas, totalizando 120 mil reais por ano. Divida 120 mil reais por 0,04, resultando em 3 milhões de reais. Mas o que representa esse 4%? Suponha que você se aposente aos 65 anos. Retirando 120 mil reais por ano, seu patrimônio de 3 milhões esgotará em 25 anos. A fórmula pode ser adaptada para cada situação. Imagine agora que você acredite que viverá até os 100 anos. Portanto, o tempo como aposentado aumentará de 25 para 35 anos. Nesse caso, o valor pode diminuir de 4% para 2,9%. Essa regra também pode ajudar a fazer uma estimativa da economia necessária.

3 – Regra 50/30/20 – Novamente, uma regra baseada em suposições e, portanto, deve ser vista com cuidado. Da sua renda, metade será gasta em necessidades básicas, como alimentação, aluguel, saúde, entre outros. Trinta por cento seriam destinados a gastos não básicos, como restaurante, Netflix e celular novo. E o restante deveria ser reservado para aposentadoria e segurança. Claro que muitos não poderão destinar 1 real de cada 5 que recebem, mas é sempre bom lembrar que o valor descontado para a previdência social poderia entrar nessa conta. Essa é uma regra motivadora, que incentiva cada pessoa a reservar parte de sua renda para a segurança pessoal de uma boa aposentadoria.

4 – 6 meses – Toda pessoa deve ter um fundo de emergência. O valor do fundo pode variar conforme a idade e o risco envolvido. Sua principal função é ter dinheiro caso fique sem emprego. Com um fundo de emergência de 6 meses, cada pessoa deveria ter uma reserva equivalente a seis meses de salário. Em caso de demissão, esse fundo permitiria manter o padrão de vida enquanto se busca uma nova oportunidade no mercado de trabalho. Na verdade, a reserva de seis meses pode ajudar a sobreviver por mais tempo, já que ajustes na vida financeira são possíveis.

5 – Regra do reparo de aparelhos – Eu conhecia a regra dos sete anos. Geralmente, sete anos após a compra de um aparelho, a chance de ele quebrar aumenta substancialmente. Há, inclusive, a conhecida crise dos casais dos sete anos de vida conjunta, quando TV, geladeira, máquina de lavar e outros aparelhos começam a dar problema. É necessário decidir entre comprar um novo ou fazer o conserto. A regra do reparo diz o seguinte: compre um novo se o aparelho com problema tiver mais de oito anos ou o reparo custar mais da metade do custo de reposição. Pode ser uma regra singela, mas evita perder tempo com objetos velhos demais.


6 – Regra dos 10 – Essa regra evita a decisão de compra por impulso. Quando decidir comprar algo, espere dez dias entre o primeiro impulso e a efetivação da compra. Essa é a fórmula mais simples da regra, mas ela pode variar conforme o valor da compra. Se o valor da compra for muito pequeno, espere pelo menos 10 horas. À medida que o valor aumenta, divida pelo tamanho da sua renda. Imagine que você queira comprar um carro que custa 100 mil. Sua renda mensal é de 10 mil. Divida esse número e espere dez meses após começar a pensar na compra. Obviamente, essa regra exige muito autocontrole financeiro.

7 – Regra dos dois zeros – Essa é de minha autoria. Ao analisar seu orçamento, você poderá perceber que algumas despesas podem ser cortadas. Um exemplo é o pacote de streaming que você não assiste; ou a assinatura do Spotify que pouco escuta; ou a despesa com uma academia pouco frequentada. Qualquer pessoa pode ter algo assim. Se não agir, com o passar do tempo, a pequena despesa torna-se um rombo enorme. A regra dos dois zeros mostra como calcular rapidamente o valor total de manter uma despesa desnecessária. Para isso, adicione dois zeros ao valor mensal da despesa e veja o que isso representará ao longo da vida. Os cem reais dos pacotes de streaming significarão dez mil reais. Os 200 reais da academia correspondem a 20 mil reais. Duas pequenas despesas mensais já totalizam 30 mil reais devido à nossa inação. A explicação para a regra é a seguinte: quando um fluxo de caixa é constante e tende ao infinito, o valor presente do mesmo pode ser obtido dividindo pela taxa de juros do período. Aqui, estou assumindo que a taxa de juros é de 1% ao mês, um valor elevado, mas que incentiva as pessoas a agirem.

Boa sorte com as regras simplificadas para suas finanças pessoais.

07 abril 2024

Mito das Dez Mil horas

Gladwell popularizou a ideia de que seriam necessárias dez mil horas para produzir um especialista em qualquer área. O autor utilizou um artigo de 1993, de Anders Ericsson, que estudou músicos que alcançavam ou não fama mundial. A simplificação de Gladwell era bastante atraente, assim como todos os temas do autor. No entanto, era uma enorme simplificação.

Na verdade, Anders falava no número de horas, mas insistia na prática deliberada. O pesquisador esclarece isso de forma bem consistente no livro "Direto ao Ponto", que faz uma boa leitura. Mas encontrei um artigo de Scott Young onde se questiona o fato de Anders ter subestimado a habilidade ou o talento. Naturalmente, isso varia conforme o campo de conhecimento. Mas Young chama a atenção para o fato de que o processo é comparativo. Um cantor de elevada qualidade significa uma comparação com milhões de outros cantores. Aqui, a exigência de um grande número de horas dedicadas à prática deliberada pode ser necessária. Mas pessoas que tocam Glass Armonica, um instrumento que usa uma série de tigelas de vidro de tamanhos graduados onde o músico toca as bordas umedecidas com os dedos para produzir sons, são raras e exigirão menos devoção para ser um artista de elite.


A discussão é importante e afeta o campo do ensino. Considere um programa de doutorado. Uma das habilidades importantes para a futura doutora é a capacidade de fazer pesquisa e escrever relatórios. Assim, a prática focada na pesquisa pode ser uma exigência interessante para a aluna de pós-graduação, mais do que fazer provas sem consulta ou decorar deduções matemáticas.

Leia: Young, Scott. The 10,000-Hour Rule is a Myth. 23 de jan 2024.  Imagem criada pelo ChatGPT

05 abril 2024

Faleceu Michael Jensen


Michael Jensen, um dos mais influentes economistas dos últimos anos, faleceu no dia 3 de abril. Ele ficou muito conhecido por suas contribuições para a teoria das finanças corporativas. Talvez sua principal obra seja um artigo escrito em conjunto com William Meckling, denominado "Theory of the Firm: Managerial Behavior, Agency Costs and Ownership Structure" em 1976. 

No texto, os pesquisadores exploram os conflitos de agência. A base é que os interesses do principal podem não ser o mesmo do agente. Em uma empresa, um exemplo seria o interesse do gestor - o agente aqui - que não coincide com o interesse do acionista, o principal nessa relação. Há diversas maneiras de resolver o problema de agência, como a remuneração. 

Jensen era americano e fez mestrado e doutorado na Universidade de Chicago, tendo por orientador Merton Miller. Ele foi fundados do Social Science Research Network ou SSRN. Particularmente, nunca consegui entender as razões do não reconhecido do Nobel de Economia. 

04 abril 2024

Vegano e honestidade no julgamento de SBF

De Marc Mukasey — advogado de Sam Bankman-Fried — sobre seu cliente:

"Ele é um nerd estranho da matemática. Ele é vegano. Ele tem um intelecto fora das tabelas. Ele é um enigma belo. Ele pode analisar palavras melhor do que um estudioso do Talmude. Ele era um bilionário desinteressado por posses materiais."

A defesa de SBF apelar para o fato de ser um vegano é estranho, pois parece não existir uma relação comprovada entre este fato e a honestidade de uma pessoa. O juiz Lewis A. Kaplan também achou estranho, e o pedido de uma sentença de 6,5 anos não passou. SBF pegou 25 anos. 

Abaixo, a comparação com outros criminosos famosos. 



Clima e as múltiplas regras

De um relatório da EY:


A SEC (Comissão de Valores Mobiliários dos EUA) adotou recentemente regras finais que exigem que os registrantes façam divulgações relacionadas ao clima tanto dentro quanto fora dos demonstrativos financeiros auditados. O primeiro conjunto de Padrões Europeus de Relatórios de Sustentabilidade da Comissão Europeia exige que as entidades façam divulgações de sustentabilidade, incluindo certas divulgações relacionadas ao clima. Os padrões gerais de divulgação de sustentabilidade e relacionados ao clima do ISSB (International Sustainability Standards Board) precisam ser adotados pelas autoridades em uma jurisdição específica para serem obrigatórios.

Entidades com operações significativas em múltiplas jurisdições precisam entender as principais diferenças entre as regras da SEC, os padrões ESRS (European Sustainability Reporting Standards) e os padrões do ISSB porque podem estar sujeitas a mais de um conjunto de requisitos.

No documento há um quadro comparativo das diferenças das normas. 

02 abril 2024

IA e Bayes-Laplace

Muito interessante isso. Em 1968 Edwards propôs um problema de probabilidade bastante simples. A questão era a seguinte: 

Suponha duas caixas, Caixa A = contendo 700 fichas azuis e 300 fichas brancas. Caixa B = contendo 300 fichas azuis e 700 fichas brancas. Sem saber o conteúdo das caixas, você escolheu uma delas, mas não retirou nenhuma ficha. Na sua opinião, qual a probabilidade que seja a caixa A?

O resultado é básico, já que a chance seria de 50%. A grande maioria das pessoas acerta a resposta. Mas Edwards complicou um pouco mais e fez uma nova pergunta: 

Suponha duas caixas, Caixa A = contendo 700 fichas azuis e 300 fichas brancas. Caixa B = contendo 300 fichas azuis e 700 fichas brancas. Sem saber o conteúdo das caixas, você escolheu uma delas e retirou, sem olhar, 6 fichas, sendo 4 azuis e 2 brancas. Na sua opinião, qual a probabilidade que seja a caixa A?

Agora já fica um pouco mais complicado. Mas já temos uma informação de que parece existir mais fichas azuis do que brancas. Então a chance deveria ser maior do que 50% de que a caixa seria A. Ou seja, o resultado correto estaria entre 50,1% e até 99,9%. Em meados do século XVIII apareceu uma solução para este problema. Nós conhecemos como sendo Teorema de Bayes, muito embora tenha sido Laplace o principal responsável por sua formalização. Laplace criou a famosa fórmula, que Edwards aproveitou para criar o problema da caixa. 

É bom lembrar que em 1968 prevalecia a estatística oriunda de Fisher, Pearson (pai e filho) e Neyman. Mas Edwards estava interessado em saber se as pessoas eram ou não conservadoras. Apesar do Teorema de Bayes-Laplace dar uma resposta para o problema, a maioria das pessoas arriscava um valor que era bem menor que a resposta correta. 

Isso tudo é para chegar a questão da inteligência artificial. Coloquei este problema no ChatGPT e no Gemini e eis o resultado. Em um primeiro momento, o resultado foi: 


Em uma segunda tentativa, o Gemini cravou: 


No GPT também tivemos o mesmo problema. A primeira tentativa com resposta (em dois momentos ele indicou o cálculo, mas não o resultado) teve:
E depois 


Fiz uma terceira vez: 

É interessante que é o mesmo problema. Mas o resultado. 

(Quem quiser ler sobre a história do teorema, recomendo: MCGRAYNE, Sharon. A teoria que não morreria. São Paulo: Perspectiva, 2015. Uma explicação bem simples você acha em SILVER, Nate. O Sinal e o ruído. Intríseca, 2012. Se você acha que isso não tem nenhuma relação com a contabilidade recomendo JOHNSTONE, David. Accounting Theory as a Bayesian Discipline. Foundations and Trends in Accounting: Vol. 13, No. 1-2, 2018. O problema das caixas está em: EDWARDS, Ward. Conservatism in human information processing. Judgment Under Uncertainty, 359–369, 1968.) 

01 abril 2024

Boeing e regulador

Os problemas da Boeing persistiram nos últimos dias e, na semana passada, tanto o CEO quanto o presidente do conselho anunciaram que estariam saindo da empresa. Talvez o principal problema esteja relacionado com o avião 737 Max, que sofreu dois grandes acidentes aéreos (Indonésia, em 2018, e Etiópia, em 2019), com 346 pessoas. Os problemas com o jato não surgiram por acaso, mas estão vinculados à cultura organizacional, focada na eficiência, redução de custos e metas financeiras de curto prazo.

Mas há um problema que tem sido destacado pela imprensa: a relação estranha entre os reguladores e a empresa. Conforme Cory Doctorow:

Em um mundo ideal, eu nem precisaria pensar nisso. Eu poderia confiar que reguladores publicamente responsáveis estavam fazendo seu trabalho, garantindo que os aviões estivessem em condições de voo. "Caveat emptor" (comprador, esteja atento) não é forma de administrar um sistema de aviação civil. (...)

Existem dezenas – centenas! – de questões técnicas de vida ou morte que você precisa resolver todos os dias apenas para sobreviver. Deve-se confiar no firmware de freios ABS do seu carro? E sobre as regras de higiene alimentar nas fábricas que produziram os alimentos no seu carrinho de compras? Ou na cozinha que preparou a pizza que acabou de ser entregue? A escola do seu filho está ensinando bem, ou eles crescerão ignorantes e, assim, serão atropelados economicamente?

Mas para que nossa vida seja possível, precisamos de reguladores que façam seu trabalho corretamente. Os problemas com a Boeing trouxeram uma análise sobre o papel do regulador; nos Estados Unidos, seria uma agência com a sigla FAA, que delegou à Boeing – você não leu errado – a certificação de que seus aviões são seguros. Não é preciso ser um especialista em aviação para saber que isso não é uma medida adequada.

Agora, olhe para o processo regulador da contabilidade. Há muitas entidades, como IASB, sistema CPC/CFC, CVM e outras. Você estaria satisfeito com a qualidade do produto que a contabilidade está entregando à sociedade? Há muitas pessoas que responderiam não, como Renato Chaves do Blog de Governança. Acredito que podemos aprender com o que está ocorrendo com a Boeing, olhando de maneira crítica, o que pode melhorar o processo.


Uma medida simples que podemos adotar é proibir a porta giratória nas entidades reguladoras contábeis. Outra, é aumentar a diversidade dessas entidades, não somente de gênero, mas também geográfica e origem. A vantagem da nossa área é que existe muita pessoa competente para ajudar.