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04 abril 2024

Vegano e honestidade no julgamento de SBF

De Marc Mukasey — advogado de Sam Bankman-Fried — sobre seu cliente:

"Ele é um nerd estranho da matemática. Ele é vegano. Ele tem um intelecto fora das tabelas. Ele é um enigma belo. Ele pode analisar palavras melhor do que um estudioso do Talmude. Ele era um bilionário desinteressado por posses materiais."

A defesa de SBF apelar para o fato de ser um vegano é estranho, pois parece não existir uma relação comprovada entre este fato e a honestidade de uma pessoa. O juiz Lewis A. Kaplan também achou estranho, e o pedido de uma sentença de 6,5 anos não passou. SBF pegou 25 anos. 

Abaixo, a comparação com outros criminosos famosos. 



Clima e as múltiplas regras

De um relatório da EY:


A SEC (Comissão de Valores Mobiliários dos EUA) adotou recentemente regras finais que exigem que os registrantes façam divulgações relacionadas ao clima tanto dentro quanto fora dos demonstrativos financeiros auditados. O primeiro conjunto de Padrões Europeus de Relatórios de Sustentabilidade da Comissão Europeia exige que as entidades façam divulgações de sustentabilidade, incluindo certas divulgações relacionadas ao clima. Os padrões gerais de divulgação de sustentabilidade e relacionados ao clima do ISSB (International Sustainability Standards Board) precisam ser adotados pelas autoridades em uma jurisdição específica para serem obrigatórios.

Entidades com operações significativas em múltiplas jurisdições precisam entender as principais diferenças entre as regras da SEC, os padrões ESRS (European Sustainability Reporting Standards) e os padrões do ISSB porque podem estar sujeitas a mais de um conjunto de requisitos.

No documento há um quadro comparativo das diferenças das normas. 

02 abril 2024

IA e Bayes-Laplace

Muito interessante isso. Em 1968 Edwards propôs um problema de probabilidade bastante simples. A questão era a seguinte: 

Suponha duas caixas, Caixa A = contendo 700 fichas azuis e 300 fichas brancas. Caixa B = contendo 300 fichas azuis e 700 fichas brancas. Sem saber o conteúdo das caixas, você escolheu uma delas, mas não retirou nenhuma ficha. Na sua opinião, qual a probabilidade que seja a caixa A?

O resultado é básico, já que a chance seria de 50%. A grande maioria das pessoas acerta a resposta. Mas Edwards complicou um pouco mais e fez uma nova pergunta: 

Suponha duas caixas, Caixa A = contendo 700 fichas azuis e 300 fichas brancas. Caixa B = contendo 300 fichas azuis e 700 fichas brancas. Sem saber o conteúdo das caixas, você escolheu uma delas e retirou, sem olhar, 6 fichas, sendo 4 azuis e 2 brancas. Na sua opinião, qual a probabilidade que seja a caixa A?

Agora já fica um pouco mais complicado. Mas já temos uma informação de que parece existir mais fichas azuis do que brancas. Então a chance deveria ser maior do que 50% de que a caixa seria A. Ou seja, o resultado correto estaria entre 50,1% e até 99,9%. Em meados do século XVIII apareceu uma solução para este problema. Nós conhecemos como sendo Teorema de Bayes, muito embora tenha sido Laplace o principal responsável por sua formalização. Laplace criou a famosa fórmula, que Edwards aproveitou para criar o problema da caixa. 

É bom lembrar que em 1968 prevalecia a estatística oriunda de Fisher, Pearson (pai e filho) e Neyman. Mas Edwards estava interessado em saber se as pessoas eram ou não conservadoras. Apesar do Teorema de Bayes-Laplace dar uma resposta para o problema, a maioria das pessoas arriscava um valor que era bem menor que a resposta correta. 

Isso tudo é para chegar a questão da inteligência artificial. Coloquei este problema no ChatGPT e no Gemini e eis o resultado. Em um primeiro momento, o resultado foi: 


Em uma segunda tentativa, o Gemini cravou: 


No GPT também tivemos o mesmo problema. A primeira tentativa com resposta (em dois momentos ele indicou o cálculo, mas não o resultado) teve:
E depois 


Fiz uma terceira vez: 

É interessante que é o mesmo problema. Mas o resultado. 

(Quem quiser ler sobre a história do teorema, recomendo: MCGRAYNE, Sharon. A teoria que não morreria. São Paulo: Perspectiva, 2015. Uma explicação bem simples você acha em SILVER, Nate. O Sinal e o ruído. Intríseca, 2012. Se você acha que isso não tem nenhuma relação com a contabilidade recomendo JOHNSTONE, David. Accounting Theory as a Bayesian Discipline. Foundations and Trends in Accounting: Vol. 13, No. 1-2, 2018. O problema das caixas está em: EDWARDS, Ward. Conservatism in human information processing. Judgment Under Uncertainty, 359–369, 1968.) 

01 abril 2024

Boeing e regulador

Os problemas da Boeing persistiram nos últimos dias e, na semana passada, tanto o CEO quanto o presidente do conselho anunciaram que estariam saindo da empresa. Talvez o principal problema esteja relacionado com o avião 737 Max, que sofreu dois grandes acidentes aéreos (Indonésia, em 2018, e Etiópia, em 2019), com 346 pessoas. Os problemas com o jato não surgiram por acaso, mas estão vinculados à cultura organizacional, focada na eficiência, redução de custos e metas financeiras de curto prazo.

Mas há um problema que tem sido destacado pela imprensa: a relação estranha entre os reguladores e a empresa. Conforme Cory Doctorow:

Em um mundo ideal, eu nem precisaria pensar nisso. Eu poderia confiar que reguladores publicamente responsáveis estavam fazendo seu trabalho, garantindo que os aviões estivessem em condições de voo. "Caveat emptor" (comprador, esteja atento) não é forma de administrar um sistema de aviação civil. (...)

Existem dezenas – centenas! – de questões técnicas de vida ou morte que você precisa resolver todos os dias apenas para sobreviver. Deve-se confiar no firmware de freios ABS do seu carro? E sobre as regras de higiene alimentar nas fábricas que produziram os alimentos no seu carrinho de compras? Ou na cozinha que preparou a pizza que acabou de ser entregue? A escola do seu filho está ensinando bem, ou eles crescerão ignorantes e, assim, serão atropelados economicamente?

Mas para que nossa vida seja possível, precisamos de reguladores que façam seu trabalho corretamente. Os problemas com a Boeing trouxeram uma análise sobre o papel do regulador; nos Estados Unidos, seria uma agência com a sigla FAA, que delegou à Boeing – você não leu errado – a certificação de que seus aviões são seguros. Não é preciso ser um especialista em aviação para saber que isso não é uma medida adequada.

Agora, olhe para o processo regulador da contabilidade. Há muitas entidades, como IASB, sistema CPC/CFC, CVM e outras. Você estaria satisfeito com a qualidade do produto que a contabilidade está entregando à sociedade? Há muitas pessoas que responderiam não, como Renato Chaves do Blog de Governança. Acredito que podemos aprender com o que está ocorrendo com a Boeing, olhando de maneira crítica, o que pode melhorar o processo.


Uma medida simples que podemos adotar é proibir a porta giratória nas entidades reguladoras contábeis. Outra, é aumentar a diversidade dessas entidades, não somente de gênero, mas também geográfica e origem. A vantagem da nossa área é que existe muita pessoa competente para ajudar. 

31 março 2024

Linguagem obscura, não saber o que diz ou não acreditar no que diz

Um texto de Gellman pontua sobre a escrita nebulosa. Ele lembra George Orwell, autor de Revolução dos Bichos, que afirmava que se você não sabe o que está dizendo - ou está dizendo algo que não quer dizer - um estratégia é escrever de forma pouco clara. Gellman usa o argumento para a linguagem científica e o uso da estatística. 

Pode ser isso: Você está tentando escrever algo que não entende completamente, está tentando preencher uma lacuna entre o que você quer dizer e o que é realmente justificado pelos seus dados e análise... e o resultado é "Orwelliano", no sentido de que você está desesperadamente usando palavras para tentar cobrir esse abismo enorme no seu raciocínio.

Vamos agora para uma informação contábil. Parte da informação pode ser transmitida por palavras, gráficos e discurso do executivo. Para o contador, os números das demonstrações deveriam ser um campo de fácil comunicação. Assim, não seriam um problema. Mas a comunicação escrita, gráfica e verbal pode ser um problema.

Vamos nos ater aqui somente à linguagem textual. Junto com os números contábeis, há a necessidade de escrever as notas explicativas, o relatório do auditor e outros textos. E o contador precisa dizer coisas que ou não sabe ou não acredita.

Há técnicas para resolver os problemas da escrita, mas o uso de uma linguagem não clara pode ser uma saída para a situação. Outra possibilidade é usar a linguagem que já existe nos pronunciamentos, reproduzindo o texto, sem comprometer-se com a realidade que ele percebe.

Essa é uma razão interessante pela qual o estudo da linguagem opaca, com termos complicados, frases longas e sem sentido, pode ser útil para o usuário da informação. Saber se o contador entende o que está escrevendo ou acredita naquilo que informa pode ser realmente valioso.

(Imagem ChatGPT)

28 março 2024

Comentário sobre os periódicos nacionais

A expansão dos programas de pós-graduação em nossa área, ocorrida no início do milênio, também trouxe uma consequência importante: o aumento dos periódicos nacionais. Como cada programa “tinha” seu periódico, com algumas exceções, o número de veículos para publicação das pesquisas cresceu substancialmente. Outro fator importante foi o fato de que a grande maioria era em formato digital, o que significava um custo próximo de zero. Tudo parecia funcionar perfeitamente: o aumento no número de alunos e docentes na pós-graduação levava ao crescimento da produção científica, que, por sua vez, impulsionava os periódicos.


Há outro fato que não podemos desprezar que ocorreu no Brasil. Algumas áreas da pós-graduação decidiram deixar de lado as métricas tradicionais de publicação, usadas globalmente, e passaram a contar com uma métrica específica para o nosso país, o Qualis. Assim, um periódico não precisava estar em uma grande base mundial de pesquisa para entrar no Qualis. Também não era relevante a publicação de pesquisa em inglês, a linguagem universal da ciência atual.

Mas, nos últimos anos, os editores de periódicos perceberam três pontos relevantes. O primeiro deles é que a quantidade de artigos de qualidade submetidos parece ter diminuído. Houve também uma redução na demanda por pós-graduação que pode justificar parcialmente essa redução. E a redução no número de alunos da pós – ou talvez seja no número de candidatos dispostos a fazer a pós – ocorreu dado que a expansão da pós atendeu à demanda reprimida que existia, representada por professores mais experientes que precisavam da titulação, e por uma visão de que estudar em uma instituição formal talvez não seja tão vantajoso assim. Este último ponto é polêmico e merece, eu sei, maior aprofundamento.


Mas a menor quantidade de artigos submetidos certamente não foi justificada somente pelo menor número de alunos da pós. Os autores de pesquisa perceberam que publicar em periódicos internacionais tinha algumas vantagens interessantes. Na maioria dos casos, essa publicação é paga, mas o fato de a pesquisa ser indexada em uma base de publicação reconhecida permite que a pesquisa seja citada no exterior. Um dos grandes motores da publicação é o orgulho, e ter um artigo publicado em língua inglesa, citado por um autor de outro país e até reconhecido, compensa o desafio de publicar em periódico internacional.

O segundo ponto relevante que os editores perceberam é que o custo de manter um periódico não é zero. Você precisa ter um apoio administrativo para lidar com a quantidade de artigos que chegam, o registro do periódico em algumas bases, para torná-lo mais atrativo, tem um custo, e o tempo que o editor se dedica à tarefa é muito grande. E a brincadeira cansa. Há pressão para soltar o periódico no prazo, manter-se atualizado em termos de novas tendências, encontrar pareceristas que façam um bom trabalho e lidar com a concorrência. Tornou-se comum os periódicos demorarem mais de 500 dias para recusar um artigo depois de seis rodadas com um parecerista (aconteceu comigo). Outros simplesmente não fazem seu artigo progredir. Ou publicam seu artigo atrasado, afetando seu planejamento de publicação. E muitas pessoas perceberam que ser editor de um periódico significa trabalho, mas muito pouco status.

A percepção chegou de forma forte para alguns periódicos, onde os editores foram fazer outra coisa e ninguém apareceu para se dedicar com empenho à tarefa. Vários deles sumiram. Publiquei, por exemplo, um artigo em um deles e não guardei a versão final em PDF. O resultado é que, quando alguém pede a pesquisa, não tenho como encaminhar. O custo oculto do periódico não foi devidamente calculado no passado e cobra seu preço.

A terceira questão é que o processo de publicar um artigo em um periódico é mais complexo do que parece. Não irei falar aqui da fase de formatação ou da fase de captação dos pareceristas, mas sim do momento após o artigo estar disponível para os leitores. Alguns periódicos internacionais enviam um e-mail bastante atraente com um resumo menos técnico para que a pesquisa cause impacto. Isso envolve podcasts e infográficos que são realmente atraentes. A presença nas redes sociais também é notada, o que inclui postagens específicas em blogs, Instagram ou TikTok. Durante quase vinte anos de blog, confesso que não me lembro de um editor solicitando a divulgação das pesquisas dos periódicos. Fazemos isso por opção, mas a falta de interesse mostra que o caminho da divulgação das pesquisas por parte dos periódicos brasileiros precisa melhorar bastante.

É verdade que alguns poucos periódicos perceberam que precisam estar em bases de dados indexadas para serem vistos. Ou que os artigos só serão lidos se estiverem em língua inglesa. Ou que poderiam lançar um serviço de apoio ao autor para ajudá-lo no processo de submissão e publicação. Ou que o e-mail enviado aos cadastrados não seja apenas algo como "foi publicada uma nova edição". No mundo onde a atenção é importante, atrair o leitor significa ter pessoas que não só irão ler, mas também citar os trabalhos.

Diante desse contexto, o processo de extinção de periódicos continuará acontecendo. Alguns poucos até serão vendidos para editoras internacionais, que passarão a cobrar pela publicação e acesso ao artigo. Outros continuarão com uma qualidade de atendimento ao pesquisador tão ruim que serão extintos ou definharão. 

(Imagem criada pelo GPT a partir do texto acima)

27 março 2024

Ovos na mesma cesta


Apesar de toda a conversa sobre os "Magníficos 7", o mercado de ações dos EUA é um dos menos concentrados do mundo. Suas 10 maiores empresas por valor de mercado - que incluem essas gigantes da tecnologia, além da Berkshire Hathaway e um elenco rotativo de outras - representam 19% do total, muito menos do que no Reino Unido (28%), Alemanha (45%) e Taiwan, onde a gigante de chips TSMC responde por 40% de todo o mercado, de acordo com o novo anuário de investimentos do UBS. Se a Samsung (Coréia do Sul), BHP (Austrália) ou AstraZeneca (Reino Unido) entrassem em colapso, esses países perderiam não apenas campeãs nacionais, mas pilares de seus mercados de capitais. (Do newsletter da Semafor)

Do relatório citado achei interessante:

Eight of the 12 markets in the middle panel have long-established stock exchanges dating back well over a century: Argentina (1854), Brazil (1890), Chile (1893), Greece (1876), Hong Kong SAR (1890), India (1875), Mexico (1894) and Singapore (1911)

A figura a seguir mostra que o mercado hoje é bem mais concentrado do que antes: