Nós sabemos hoje que os especialistas não são tão bons em fazer previsões. Na verdade, as pesquisas estão mostrando que algumas pessoas não especialistas são capazes de fazer previsões melhor do que os especialistas. Mas imagine que você esteja analisando uma demonstração contábil de uma empresa e exista uma linha explicando uma previsão feita na contabilidade.
Abrindo um parêntese aqui, há diversas situações onde isso pode ocorrer. Vou listar quatro casos: a vida útil futura de um ativo, o percentual de clientes que não irá pagar suas contas, a chance de sucesso ou insucesso nos processos judiciais e a projeção do fluxo de caixa futuro usada para calcular o valor em uso.
Suponha agora que você leia que a empresa utilizou, na sua previsão, a opinião de um especialista da área. Você já sabe que ter a opinião deste especialista não significa uma verdade absoluta, pois a ciência já mostrou que seu nível de erro é elevado. Imagine agora outro caso onde a empresa informa que fez sua previsão usando não especialistas. Com qual informação você, usuário da informação, ficaria mais tranquilo? Provavelmente com a do especialista, apesar das pesquisas indicarem o contrário.
Conforme a ciência tem mostrado, as melhores pessoas em fazer previsões são aquelas hábeis em fazer previsões em outras áreas, mesmo com pouco conhecimento. Mas vamos recuar um pouco. Se queremos fazer uma previsão sobre o futuro, temos as seguintes possibilidades: especialistas, modelos estatísticos, uso de pessoas (especialistas ou não) que emitem sua opinião e mercados de previsão.
Em situações descritas anteriormente, os mercados de previsão talvez sejam a opção pior. Não pela qualidade do resultado ou pela ausência de defensores. Desde o livro “Sabedoria das multidões” sabemos que os mercados de previsão são alternativas adequadas. Tanto é assim que tem sido usado pelo Banco Central (Focus) ou pelo Ministério da Fazenda (previsão dos itens das contas públicas), além de ter gerado sites como Metaculus ou PredicIt. Mas para que o instrumento funcione, é necessário que o mercado seja grande, líquido e acessível para as pessoas apostarem, o que fatalmente não seria o caso de um mercado para prever a vida útil do ativo de uma empresa, por exemplo.
Os modelos estatísticos se desenvolveram muito nos últimos anos. E isso ocorreu graças ao desenvolvimento não de técnicas tradicionais, como regressão, mas da expansão da análise bayesiana. Entretanto, talvez ainda seja um sonho falar em análise bayesiana em contabilidade, mesmo existindo já um grande volume de pesquisa na área, uma vez que não ensinamos esta ferramenta e usamos de maneira adequada na área. De qualquer forma, os modelos estatísticos podem ser uma alternativa para as previsões, uma vez que legitimam o número apresentado e aparentemente seriam mais isentos do que o uso de pessoas para emitirem opinião.
Contar com especialistas pode ter dois problemas sérios. O primeiro é o fato de ser uma opinião cara para a empresa. Imagine contratar um especialista em vida útil de um ativo para emitir sua opinião na grande quantidade de itens que compõem o patrimônio de uma empresa. O segundo problema é a qualidade do resultado, pois, conforme já foi demonstrado, o resultado geralmente é inferior às opiniões de pessoas. A grande vantagem é o fato de que um especialista dá credibilidade ao resultado. Na contabilidade, as empresas contratam empresas especializadas para dizer que suas informações estão adequadas e este profissional recebe o nome de auditor.
A opção de usar um julgamento de alguém pode ser feita e provavelmente é feita em muitos casos. Imagine que no final do exercício é necessário fazer uma estimativa do percentual de valores a receber que seria incobrável no futuro. As pessoas dentro da empresa possuem uma estimativa do valor. Talvez seja justamente este valor que irá prevalecer no final. Para o usuário da informação, isto talvez não fique claro ou fique subentendido. Caso seja necessário, pode-se usar o chavão técnico usual para dizer que o método usado foi a abordagem heurística. Por sinal, se a empresa escrevesse que usou a abordagem heurística, provavelmente a maioria das pessoas não entenderia bem o que isso significa.
Se a contabilidade depende da previsão, como tem ocorrido cada vez mais, talvez seja importante que fique bem claro qual o método iremos adotar. Mas a sinceridade de revelar que a previsão foi realizada com base na abordagem heurística seja crua demais para os leitores das demonstrações, que preferem ser enganados acreditando que modelos complexos, estatísticos ou não, foram empregados na estimativa realizada.
Acredite quem quiser.
Nota: O texto foi inspirado em um artigo publicado no IFP. Este texto é bem mais completo do que as linhas acima e possui uma grande quantidade de links interessantes.