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01 dezembro 2023

O Lado bom da Fraude

A fraude pode ter um efeito positivo. Eis o resumo:  


A fraude nas demonstrações financeiras gera muitos efeitos negativos, incluindo a redução da disposição das pessoas em participar no mercado de ações. Se também estigmatiza a contabilidade, pode afetar adversamente a quantidade e qualidade de profissionais dispostos a se tornarem contadores, potencialmente criando efeitos negativos por anos. Examinamos o impacto da fraude na força de trabalho que ingressa na profissão contábil, que é um componente chave na produção de informações contábeis (ou seja, o resultado). Usando dados que descrevem milhões de estudantes universitários nos Estados Unidos, descobrimos que os estudantes que ingressam na faculdade têm uma probabilidade maior de escolher contabilidade quando ocorrem fraudes locais durante seus anos formativos. Esses estudantes também têm mais probabilidade de possuir atributos desejados pela profissão contábil (por exemplo, alta aptidão acadêmica) e são mais propensos a posteriormente atuar na public accounting e se tornar Contadores Públicos Certificados. No contexto de outras áreas (ou seja, todas as especializações universitárias), descobrimos que a fraude estimula o interesse em outras disciplinas de negócios, mas não em especializações fora das escolas de negócios. No entanto, aqueles atraídos por outras disciplinas de negócios geralmente possuem características diferentes. Especificamente, os estudantes que ingressam na contabilidade têm uma probabilidade distintamente maior de apresentar valores defendidos pela profissão contábil, incluindo uma predisposição para o serviço público e uma orientação menos comercial. Assim, motivações não pecuniárias parecem impulsionar de maneira única a matrícula de estudantes de contabilidade após a ocorrência de fraudes. Coletivamente, nossas descobertas sugerem que, embora a fraude seja inegavelmente prejudicial, ela parece ter a consequência não intencional positiva de atrair mão de obra para disciplinas de negócios e, na contabilidade, aumentar a prevalência de características desejáveis entre os ingressantes.

Externalities of Financial Statement Fraud on the Incoming Accounting Labor Force - Robert Carnes, Dane Christensen & Paul Madsen - Journal of Accounting Research, December 2023, Pages 1531-1589 

foto: Bermix Studio

30 novembro 2023

Sobre conflito de interesse


Quando Sam Altman perdeu o emprego no OpenAI, a startup avaliada em mais de US $ 50 bilhões, houve muitos pecados que me pareciam particularmente graves. A primeira foi que ele estava procurando levantar bilhões para iniciar sua própria empresa de chips, que poderia vender para a OpenAI (lucrando com a venda) e a segunda foi que ele estava levantando bilhões para construir um dispositivo de hardware onde os modelos OpenAI seriam alojados (lucrando novamente). Para turvar ainda mais as águas, o principal parceiro da OpenAI, a Microsoft, compra energia de uma empresa em que Altman é um dos principais acionistas. O fundo interno de VC [Venture Capital] da OpenAI liderou um aporte em uma empresa na qual Altman também é principal acionista. Altman possui ações de algumas das empresas de tecnologia mais movimentadas do mundo, incluindo Stripe, Instacart e Humane. Muitas, se não todas, essas empresas estão usando a tecnologia que a OpenAI está vendendo. 

Isso é conflito de interesses suficiente para fazer o cérebro de um advogado corporativo se espalhar como um sol moribundo. É uma quantidade ridícula de incentivos desalinhados.

(...) É importante mencionar que o conselho não disse nada publicamente. As únicas coisas que sabemos sobre o quê levou à decisão deles parece frágil, na melhor das hipóteses. Minha reação e a do público seriam diferentes se o conselho tivesse realmente dado uma razão substantiva. 

Para seu crédito, Altman fez um trabalho incrível na construção de uma equipe que o adora, e uma persona pública que a mídia e o público em geral também idolatram. Ele construiu uma das empresas de tecnologia do consumidor que mais cresce e mais bem-sucedida de todos os tempos, aparentemente por pura força de vontade. (...)

A postagem acima foi escrita antes da volta de Altman, mas há aspectos interessantes nela. 


História da Riqueza do Brasil e a Contabilidade

É possível encontrar em algumas obras alguma notícia sobre a história da contabilidade no Brasil a partir do início da colonização do país por parte dos portugueses. Se de um lado isto significa deixar de lado contagem de patrimônio rudimentar dos povos que viviam no Brasil, por outro lado valoriza demais um período de marasmo no país. É sempre bom lembrar que em Portugal não tinha adotado as partidas dobradas, algo que só ocorreu em meados dos anos de 1700. O país prefere excluir o progresso e ignora a principal inovação ocorrida na Europa e já de conhecimento de comerciantes desde 1300. 

Ao tentar buscar tirar a diferença entre a economia de Portugal e outros países da Europa, o Marquês de Pombal cria uma escola de negócios e com ela a necessidade de ensinar as partidas dobradas. Isso 450 anos depois do aparecimento das partidas dobradas. E é importante notar que o Brasil, apesar de ser a principal fonte de receita do reino, não tinha imprensa e nem universidade, ao contrário da América Espanhola. Ou seja, estamos no atraso total.

Sobre o fato do Brasil ser a fonte de riqueza de Portugal, veja o que diz Caldeira, Historia da Riqueza, p. 103:

No final do século XVII, o Brasil fornecia cerca de 60% da receita tributária de Portugal, enquanto as demais partes do império ultramarino (possessões africanas, com destaque para Angola, onde traficantes brasileiros pagavam impostos, além de uns poucos domínios asiáticos restantes) forneciam 20%. No total, 80% das receitas tributárias do império vinham das possessões e apenas 20% dos moradores metropolitanos. Naquilo que se refere às despesas, 75% delas eram realizadas no Reino e 25% no ultramar. 

Outro dado interessante, do mesmo livro (p. 159)

Entre 1796 e 1807, as exportações brasileiras corresponderam a nada menos que 83,7% do total de todas as exportações coloniais para a metrópole. 

Uma das condições necessárias para a adoção das partidas dobradas era a existência de pessoas alfabetizadas. O Brasil não tinha nenhuma tipografia autorizada - era na verdada proibido ter máquinas de impressão inventada por Gutemberg trezentos anos antes, e eram negados todos os pedidos de criação de faculdades no país. Livros, só impressos em Lisboa, com autorização dos censores. Apesar do crescimento econômico do país entre a descoberta e os anos de 1800,  o que incluía um grande mercado interno, o atraso da metrópole teve influencia sobre o nosso país. 

Parte da diferença é reduzida com a chegada de Dom João ao país. Ele trouxe a escola de negócios, chamada de Academia de Comércio, a imprensa, agora permitida, e profissionais contábeis. Com isso, podemos dizer que pela primeira vez o país tem uma contabilidade por partidas dobradas, mas talvez restrita a alguns poucos negócios, mas não ao governo. É preciso uma maior investigação aqui para saber o real grau de desenvolvimento da contabilidade da época. 

Entre o governo de Dom João e de Dom Pedro I, a bagunça das finanças públicas brasileiras, decorrente da má gestão dos dois reis citados, impede um maior progresso dos negócios. O acordo que Pedro fez para acertar a independência do país incluía um empréstimo secreto, usado pelo próprio Pedro, para investir nos seus interesses políticos em Portugal. Pagamos caro para ficar livre dos portugueses e muito mais ainda para livrar de Pedro I. O imperador brasileiro fez um empréstimo de 3 milhões de libras esterlinas da época, que correspondia a dois terços das exportações do país ou 10% da economia, sendo que 600 mil ficou no Banco do Brasil e o restante foi usado no exército e missões diplomáticas na Europa. 

A regência trouxe a primeira eleição do país, mas eram necessários acertos na estrutura que não foi obtido nem com os regentes, nem com o sucessor Pedro II. Merece destaque aqui o governo de Feijó, o primeiro governante eleito do nosso país. Feijó tinha boas qualidades e uma delas era o respeito ao legislativo, algo que não aconteceu com Pedro I e nem com Pedro II. Outra qualidade de Feijó foi sua gestão fiscal. Ele reduziu substancialmente o exército, dispensando 30 mil soldades, o que representava uma redução de gasto de 36% neste item. Cortou a emissão de moeda e vários gastos. Ele conseguiu a aprovação do código criminal e do código de processo, um avanço na justiça brasileira. Sua herança foi o equilíbrio das finanças públicas.  


Apesar do Código Comercial, de leis decorrentes e alguns avanços nos negócios, o período do Império representou um tempo que deveríamos esquecer. Veja o caso da Lei 2711. Segundo Caldeira: 

introduzia restrições para a formação de empresas - restrições tão severas que acabou sendo conhecida como "Lei dos Entraves"

De certa forma, este blog já dedicou bastante espaço para esse período, que teve a primeira obra publicada de contabilidade, a primeira associação de profissionais e normas bancárias. Mas a economia realmente não avançou, teve a invasão do Paraguai e a falência do Banco Souto. 

Minha leitura atual, História da Riqueza, de Jorge Caldeira, e anterior, Adeus Senhor Portugal, revelam esse pano de fundo. Minha lembrança da história da contabilidade é tradicional, ensinada na escola. Minhas descobertas recentes mostram que o país merecia um destino melhor do que o julgo português. E que a vida o Império foi, antes de tudo, um atraso na vida econômica do Brasil. A derrubada de Pedro I, pelo legislativo, e de Pedro II, pelos militares, demorou demais. 

No período do segundo império ocorreu um aumento na alfabetização da população, de 2% para 17%. Isso era pouco no comparativo com o mundo moderno, onde vários países já estavam próximos de alcançar a alfabetização da população adulta. A população saiu de 4,4 milhões de habitantes em 1819 para 14,3 milhões em 1890. A renda per capita saiu de 670 dólares, em 1820, para ridículos 704 dólares, em 1890. Compare isso com os Estados Unidos, que saiu de 1300, em 1820, para 4 mil, em 1900. Foi o século perdido:

o século XIX como um todo e o período imperial em particular, foi um período de estagnação da economia brasileira e, por outro lado, de aceleração da economia mundial. Foi, portanto, um período de acentuado atraso para o país na comparação com o mundo (Caldeira, p. 297)

27 novembro 2023

Museu da Internet

 Se temos museu de várias coisas, surge agora o museu da internet. Sites antigos são curiosos de ver. Eis uma amostra:


em 2005

em 2004

2004

em 2001

em 2002

23 novembro 2023

Armadilha da Mídia Social

 Eis o resumo


Individuals might experience negative utility from not consuming a popular product. For example, being inactive on social media can lead to social exclusion or not owning luxury brands can be associated with having a low social status. We show that, in the presence of such spillovers to non-users, standard measures that take aggregate consumption as given fail to appropriately capture welfare. We propose a new methodology to measure welfare that accounts for these consumption spillovers, which we apply to estimate the consumer surplus of two popular social media platforms, TikTok and Instagram. In large-scale, incentivized experiments with college students, we show that, while the standard welfare measure suggests a large and positive surplus, our measure accounting for consumption spillovers indicates a negative surplus, with a large share of active users deriving negative utility. We also shed light on the drivers of consumption spillovers to non-users in the case of social media and show that, in this setting, the “fear of missing out” plays an important role. Our framework and estimates highlight the possibility of product market traps, where large shares of consumers are trapped in an inefficient equilibrium and would prefer the product not to exist.

Ou seja, o medo de perder tem um papel importante e há uma armadilha na mídia social. 

When Product Markets Become Collective Traps: The Case of Social Media - Leonardo Bursztyn, Benjamin R. Handel, Rafael Jimenez & Christopher Roth - WORKING PAPER 31771 - DOI 10.3386/w31771


Filmes e finanças: gráficos

Primeiro o custo médio de um filme por gênero:

O retorno do investimento irá depender da qualidade do filme:


A seguir, o retorno médio por gênero, com destaque para os filmes de horror:


Alguns dos filmes com maior retorno, com destaque para Bruxa de Blair

O problema é que o filme de horror geralmente não tem um bom rating:




GAAP e o futuro de Trump

Em um texto do mês passado,  o site Business Insider procurou dois comediantes contadores (existe essa figura) para esclarecer sobre o GAAP e o julgamento do Trump. Como o leitor bem informado sobre notícias contábeis deve saber, o ex-presidente está sendo julgado por fraude de 250 milhões de dólares por não ter obedecido aos princípios contábeis geralmente aceitos ou GAAP. 

O texto pode ser encontrado no link anterior e gostaria de destacar aqui alguns trechos. Nós, do blog, já tínhamos postado que o filho do ex-presidente, quando perguntado sobre o que sabia do assunto, disse, com a profundidade encontrado nos piores alunos de uma universidade, que GAAP era "geralmente aceito". 

O problema é que Trump prometeu, aos bancos onde pegou empréstimos, que estava obedecendo ao GAAP. 

"O GAAP é como um GPS para contadores", explica Tammara Buckey, uma contadora baseada em Huntsville, Alabama, coach de carreira e comediante.

"Ele nos diz para onde ir e como chegar lá. Embora algumas pessoas ainda acabem em um campo de milho", ela acrescenta. "Ou na prisão." (...)

Enquanto isso, Steve Gianturco, contador e comediante baseado em Long Island, Nova York, auto-intitulado fã de longa data de Trump, pergunta: "Por que alguém está surpreso que ele exagera?"

"Ele é o mesmo cara de sempre", observa Gianturco. "Ele é consistentemente Trump."

Ou seja, pode não ser fidedigno, mas é consistente. 

"O GAAP trata de seguir as mesmas regras contábeis repetidamente. E você pensaria que Trump entende, já que ele diz as mesmas coisas repetidamente."

Quem decide o que é um GAAP? 

Os princípios contábeis geralmente aceitos são estabelecidos pelos sete membros do Conselho Federal de Normas Contábeis, ou FASB.

"O FASB existe desde os anos 70, então são como seus pais, e o GAAP são as regras que eles criaram", diz Buckey, CEO da empresa de consultoria Raise Your Own Bar, uma empresa de coaching executivo.

E o que os pais dizem?

"Tire o lixo. Não minta, não trapaceie, não roube", explica Buckey. "Arrume seu quarto. Esteja em casa até às 11. Não cometa fraude."

Esse 'Conselho Federal de Normas Contábeis' parece ser um grupo muito animado.

"Eu não os convidaria para uma festa", diz Gianturco.

"Mas se você fizesse, eles provavelmente seriam os únicos participantes que NÃO colocariam algo na ponche." (...)


O GAAP tem 10 princípios-chave, diz Buckey, todas variações, ela concorda, de "não cozinhe os livros". Eles exigem que as demonstrações financeiras oficiais de uma empresa atendam a padrões rigorosos de consistência, precisão e transparência. (...)

Finalmente, o GAAP permite margem de manobra na valoração de ativos, como Trump insiste?

Sim, algum ajuste é permitido. Apenas não um ajuste descuidado.

James [a procuradora que está acusando Trump], por exemplo, diz que Trump triplicou a metragem quadrada de seu apartamento triplex na Trump Tower em demonstrações financeiras de 2015, alegando que valia US$ 327 milhões, três vezes mais do que qualquer apartamento na cidade já havia sido vendido.

Ele também avaliou Mar-a-Lago em até US$ 739 milhões. Na realidade, o clube gerava receitas anuais de menos de US$ 25 milhões e deveria ter sido avaliado em cerca de US$ 75 milhões, alega James.

Sob o GAAP, "espera-se que você seja conservador em suas estimativas", diz Buckey.

"Em situações em que há margem de manobra, espera-se que você erre do lado da cautela, ou seja, do lado que é menos vantajoso para o negócio, não mais vantajoso."