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09 agosto 2023

Não se esqueça da matriz de confusão

Uma das formas mais usuais de ser enganado é quando uma pessoa chama a atenção apenas para um lado de uma situação. Vamos trabalhar com um exemplo simples. Alguém diz para você que no passado ele comprou ação de uma empresa quando ninguém acreditava nela. Por esse motivo, agora ele está sugerindo que você compre a ação de uma nova empresa que apareceu no mercado, a XYZ. Afinal, seu passado de sucesso é algo que sustenta essa indicação.

Provavelmente, o leitor já deve ter visto essa situação antes. E isso ocorreu não somente em indicações de investimento, mas também em casos relatados em grupos de mídia social ou por pessoas que tentam argumentar com você usando frases como "eu conheço uma pessoa..."

Para esses casos, pense sempre na grade de possibilidades ou na matriz de confusão. O primeiro nome foi proposto por Daniel Simons e Christopher Chabris, em "Nobody’s Fool". Mas na estatística, o nome é matriz de confusão, e é esse que iremos usar. De forma irônica, a matriz de confusão é capaz de evitar confusões nos argumentos manipulados, como no parágrafo inicial deste texto.

A matriz de confusão é um retângulo com quatro áreas. De um lado, temos o que aconteceu; do outro lado, o que foi sugerido ou previsto. A seguir temos o desenho desta matriz:



Quando alguém afirma que acertou na escolha de um investimento no passado, está falando da caixinha branca da figura acima. A pessoa optou por investir e acertou, pois o retorno foi bom. Veja que a informação que foi passada - "acertei no passado" - não é imparcial, pois não diz nada sobre as outras três áreas da figura.

Vamos começar com a caixinha amarela. Nessa situação, a pessoa decidiu não investir e foi uma decisão adequada, já que o retorno foi ruim. Tanto a caixinha amarela quanto a área branca são as regiões dos acertos. Como as oportunidades de investimento são inúmeras, geralmente não lembramos dos investimentos ruins que não fizemos (área amarela) e valorizamos muito os investimentos acertados.

Agora considere a área laranja e vermelha. A soma das duas representa nossos erros. Veja o caso da caixinha vermelha. A pessoa decidiu não investir em uma aplicação e a decisão não foi boa, já que o retorno foi adequado. São as oportunidades de investimento adequadas que perdemos na vida. Poderíamos ter comprado ações daquela startup logo no seu começo e não fizemos. Mas o pior é a área laranja, já que investimos e o retorno foi ruim.

Se quisermos saber se um investidor é bom ou não, devemos olhar as quatro situações. Talvez isso seja difícil, mas pelo menos observar a área laranja e a área branca. Se alguém acertou no passado (área branca), talvez tenha errado também (laranja) e somente assim poderemos saber se a bola de cristal dessa pessoa está quebrada ou não.

Assim, se alguém afirmar que fez um ótimo negócio no passado e isso é sinal de que ele sabe o que está falando, pense na matriz de confusão. Essa pessoa está confundindo você ao não entregar todas as informações possíveis.

Veja uma situação similar a esta: uma pessoa alardeou que apostou em um placar no futebol e ganhou quinhentos reais. E concluiu dizendo que quando ele apostava sempre conseguia um trocadinho para pagar as contas. Essa pessoa está revelando a área branca da figura, o sucesso. Mas não a área laranja, do insucesso quando faz aposta.

E outra situação: um amigo mandou no grupo que pessoas morreram logo após receber uma vacina. Com isso, alardeia sobre o perigo da vacina e sua decisão de não vacinar, esquecendo de contar o número de pessoas que não morreram exatamente por tomarem a medicação indicada pela ciência.

Mais uma: a empresa de auditoria fracassou após passar por problemas nas Americanas. A auditoria deveria ter percebido o que estava ocorrendo e não o fez. Mas e as vezes em que a auditoria pegou o início de uma fraude e isso não foi relatado por uma questão de sigilo? Dizer que as auditorias são ruins baseado em um caso é esquecer da matriz de confusão." 

07 agosto 2023

Feedback na Contabilidade: Em Busca de Uma Avaliação Significativa

O feedback é uma ferramenta que pode ser poderosa para um profissional ou uma empresa. Dar um feedback é visto como algo importante e, por isso, somos lembrados constantemente de fazê-lo. Mas onde está o feedback na contabilidade?

Uma coisa é afirmar que a contabilidade é um instrumento de feedback da gestão de uma entidade. Neste caso, estamos considerando a contabilidade como uma descrição do que já ocorreu, uma narrativa, sob forma de números, do desempenho da entidade. Na famosa estrutura conceitual do FASB, posteriormente apropriada pelo IASB e traduzida para o português pelo CPC, esta função é denominada de qualidade confirmatória. Temos uma expectativa sobre o que está ocorrendo com a entidade e a contabilidade aparece para dizer se estamos corretos ou não. A contabilidade aqui seria, na linguagem do esporte, uma espécie de VAR para a entidade.

No entanto, não é este o foco do texto. Queremos saber se a função contábil em uma entidade tem um feedback positivo ou negativo. Quando compramos um produto ou serviço, após usá-lo, podemos dar uma nota, que pode ser estrelas, positivo ou negativo, ou outro sistema onde expressamos nossa satisfação ou insatisfação com o produto ou serviço. Poderia existir este tipo de avaliação com a contabilidade?

Inicialmente, vamos considerar um serviço contábil específico, contratado para fazer uma tarefa para uma entidade. Neste caso, a avaliação poderia ser feita por quem fez a contratação do serviço. Ele poderia dizer se o serviço prestado está de acordo ou não com as expectativas. Poderia dar estrelas ou notas. Na realidade, este serviço já existe, muito embora não funcione de forma adequada. Ao entrar no Google Maps e digitar “escritório de contabilidade”, irão aparecer alguns escritórios perto de onde você está, com a nota respectiva. O problema é que não podemos confiar neste resultado, já que, pelo menos na minha região, a maioria dos escritórios tem nota máxima ou não são avaliados. E o número de avaliações é bem reduzido, o que torna difícil acreditar no resultado.

Se você procurar pelos escritórios que receberam alguma advertência relacionada com a ética profissional também não irá resolver. Ou não irá localizar esta informação de maneira acessível. Não temos uma listagem, por exemplo, dos melhores escritórios de uma região ou algo do gênero. Além disso, há controvérsias sobre o que seria a qualidade do serviço prestado.

Outra forma de pensar no feedback do serviço na contabilidade é pedir para as pessoas analisarem o serviço que é entregue. Imediatamente pensamos nas demonstrações contábeis, mas isto seria reduzir a contabilidade à situação de vomitadora de tabelas e quadros. Para um usuário típico da contabilidade, que contrata uma empresa para prestar serviço, o seu grande desejo é que o escritório faça seu serviço e ele possa trabalhar, fazendo aquilo que ele sabe fazer de melhor. Isto pode ser cínico, mas pergunte a um empresário sobre o que ele deseja do seu contador e você irá confirmar que a maioria deles entende que a contabilidade é um mal necessário. Infelizmente isto é verdadeiro e o texto não tem a pretensão de discutir este assunto.

O pensamento de que a contabilidade é um mal necessário conduz a uma avaliação do tipo: se a contabilidade fez o seu papel e não atrapalhou, o feedback do serviço seria positivo. Há exceções aqui, certamente. Em alguns casos, a contabilidade pode assumir um papel estratégico para uma entidade, ajudando nas boas escolhas. Mas tudo leva a crer que isto não é a verdadeira situação na maioria dos casos.

Podemos agora voltar para o caso da contabilidade produzida internamente, dentro de uma entidade. Geralmente, neste caso, a entidade tem um porte maior e há funcionários que terão a tarefa de fazer o serviço contábil. O feedback aqui poderia ser proveniente da chefia imediata, que poderia indicar a qualidade daquilo que é produzido internamente.

Isso parece não ser suficiente para alguns profissionais internos de uma entidade. Receber um tapinha nas costas do chefe ou um sorriso de alguém de outro setor pode funcionar para alguns, mas não para todos. A participação em premiações que avaliam a qualidade do serviço pode ser um reconhecimento. No passado, era comum ver o nome de um profissional no jornal local, seguido de elogios. Estes elogios eram conquistados por uma amizade antiga ou pelo pagamento de uma gratificação e não seriam efetivamente um feedback ao trabalho contábil.


Uma opção é adotar uma visão mais abrangente. Em lugar de uma avaliação pessoal, poderíamos medir qual o feedback da sociedade para com a contabilidade. Isso também é muito difícil e seria necessário uma medida bem objetiva para ter um feedback do nosso trabalho para a sociedade como um todo. Confesso que não saberia dizer que medida seria esta.

No passado, eu sugeri a uma docente que está à procura de um tema para seu trabalho final de curso que perguntasse, via questionário, qual a profissão que uma pessoa desejaria para sua prole. Isso poderia ser uma aproximação da avaliação que a sociedade faz do nosso trabalho, mas também seria uma análise materialista sobre a profissão que seria mais promissora, leia-se “rentável”. Não deixaria de ser um feedback do sentimento da sociedade. Outra possibilidade é procurar verificar como o profissional é representado nos filmes, novelas e jornais. O resultado é enviesado, pois estamos olhando somente uma pequena parcela da visão da sociedade.

Estamos chegando ao final sem ter uma solução para o problema. Afinal, como ter um feedback da contabilidade? Acho que o tema merece mais reflexão. É interessante que é algo que não discutimos; seria um medo não confessado de receber um feedback negativo?

(As reflexões apresentadas aqui começaram após a leitura de um texto sobre Feedback no BehavioralScientist). Foto: Unsplash+

Rir é o melhor remédio


 Indicação de compra

06 agosto 2023

O Infinito ao Junco

O livro "O Infinito em um Junco" é, antes de tudo, uma declaração de amor ao livro e à leitura. Se a história narrada por Irene Vallejo fica restrita, basicamente, aos gregos e romanos, o amor está presente em cada página. Quem gosta de leitura, de livros, de ideias e de história deve ler este livro. Com cerca de 440 páginas, a obra divide-se nos gregos, em sua primeira parte e na maioria das páginas, e nos romanos, logo a seguir. Irene Vallejo consegue contar casos que ocorreram há milhares de anos, como a construção da Biblioteca de Alexandria, a invenção do pergaminho e a cópia dos manuscritos.


É delicioso saber que na antiguidade a leitura era feita em voz alta, que muitas obras só chegaram aos nossos dias graças à tradição de transmitir as histórias entre as pessoas, que sempre existiram pessoas que detestam livros, mas outras que os amam de forma apaixonada. Sua narrativa consegue unir o antigo com fatos mais recentes, como a queima de livros pelos nazistas e o sofrimento amenizado dos prisioneiros dos campos de concentração que conseguiam obras para sua leitura. Saber que Sócrates não era adepto da palavra escrita; que o mel era usado na sociedade judaica para o aluno lamber, de modo que a palavra divina penetrasse em seu corpo; que o plágio já existia entre os gregos, nos concursos de oratória; que o primeiro historiador, Heródoto, contou a versão do inimigo, do outro, algo revolucionário ainda hoje, são coisas surpreendentes.

O livro conta muito mais do que isso. Regularmente, a autora espanhola lança algumas preciosidades, seja sob a forma de fatos curiosos, seja por levantar questões polêmicas, como a tendência moderna de reescrever os clássicos por ter neles palavras inadequadas para a realidade atual. Já no final, nas últimas páginas, há uma discussão sobre a escolha do título das obras – na época dos papiros, os livros geralmente não tinham títulos; quando muito, eram indicados pelas primeiras palavras do texto.

Este livro é muito indicado para aqueles que amam ler. Quem o ler fatalmente o considerará um livro cinco estrelas.

Escrita e a Contabilidade

 Do livro O Infinito em um Junco (p. 121):


Segundo as teorias mais recentes, a arte de escrever tem uma origem prática: as listas de propriedades. Essas teorias afirmam que nossos antepassados aprenderam o cálculo antes das letras. A escrita veio para resolver o problema de proprietários ricos e administradores palacianos, que precisavam lançar mão de anotações porque era difícil fazer a contabilidade de forma oral. A etapa de transcrever lendas e relatos viria depois. Nós somos seres econômicos e simbólicos: começamos escrevendo inventários e, mais tarde, invenções (primeiro as contas, depois os contos)

Foto: Sayla Brown

04 agosto 2023

Perda de produtos culturais devido ao direito autoral

Eis uma discussão importante: a presença de direitos autorais esta fazendo com que muito patrimônio cultural esteja desaparecendo (via aqui). Filmes e outras obras de arte estão sendo perdidas em razão da mudança tecnológica. As velhas fitas VHS não são convertidas aos novos formatos, assim como os DVDs e os catálogos deixam de fazer a transição para uma nova era tecnológica. Sem esta transição, a produção se perde, já que as pessoas ficam com medo de infringir a lei de direito autoral. 

Um site como o Karagarga, onde alguns poucos arquivam filmes cults raros e sucessos são proibidos, seria uma possível solução. 


Ao ler este texto tinha recentemente lido uma passagem sobre a biblioteca de Alexandria no excelente Infinito em um Junco. Irene Vallejo descreve que a memória coletiva permitiu que criação de obras literárias da antiguidade fossem preservadas. Na verdade, parcialmente, pois muito se perdeu.