A briga faz uma vítima: a paz (detalhe da pomba)
02 setembro 2022
01 setembro 2022
Trabalho contábil é miserável
Um artigo analisou o trabalho contábil tem sido popularizado como miserável. Anteriormente, neste blog, lembramos de uma cena do Monty Phyton que reflete este estereótipo.
Na prática, realmente o trabalho contábil é sedentário, repetitivo, centrado em regras e rígido. Ou seja, isto corresponde a ideia popular da contabilidade. Mas tudo leva a crer que o trabalho não é "miserável", mas dentro da média de outros trabalhos. Pessoas mais preparadas para tolerar trabalhos com estas características - como o fato de ser repetitivo - pode sair melhor, afirma uma pesquisa.
Eis o resumo:
Popular culture portrays accounting as a miserable job. Accounting research evaluating the boring “beancounter stereotype” argues that it is wrong and costly because it reduces the appeal of accounting to high quality students and exacts a psychological toll on accountants who are thus stereotyped. In this study, we empirically test the basic question: is accounting a miserable job? We use data from a variety of sources that enable us to measure workplace misery and model it as a function of work tasks and personal characteristics of workers across occupations. We find that accounting work is particularly sedentary, rigid, repetitive, constrained, and rules-centric; characteristics that are consistent with the accounting stereotype and that prior work outside of accounting has shown are associated with workplace misery. However, we find that accounting is not a miserable job. In univariate and multivariate tests, we find that accounting has misery values that are either near the average or are better than average for comparison jobs. This apparent paradox could be a positive consequence of accounting stereotypes, which may facilitate the matching of potentially miserable work with people who are most prepared to tolerate it. Indeed, we present longitudinal evidence suggesting that accounting attracts people with personalities suited to repetitive and rules-centric work and who have psychosocial histories that make them robust to stress. Workplace misery is costly to workers, employers, and society and accounting stereotypes have value if they facilitate informed career selection.
(Fato interessante: a citação inicial é de John Cleese, do Monthy Phyton:)
Mais um vice nomeado para o ISSB, com ausência de equilíbrio geográfico
O ISSB, entidade criada pela Fundação IFRS, nomeou um segundo vice-chairman. Trata-se de Jingdong Hua, cujo currículo inclui uma passagem pelo Banco Mundial. Hua deve atuar em Montreal, onde o ISSB tem um escritório, muito embora a sede esteja em Frankfurt, Alemanha. Segundo alguns sites, Hua serviria de vínculo para as economias emergentes e em desenvolvimento (não são iguais?) e com as empresas de menor porte. A outra vice-presidente, Sue Lloyd, faria a supervisão dos trabalhos e a conexão entre o ISSB e o Iasb.
Um ponto interessante referente a Jingdong Hua é que em nenhum dos sites divulgou sua nacionalidade. O comunicado para imprensa é omisso. Mesmo o site da IFRS, com as fotografias, permite abrir com a descrição, não sendo possível saber sua origem. Mas a Wikipedia tem esta informação: chinês, com estudos nos Estados Unidos. E sua ocupação é ... banqueiro. (vide aqui para uma visão diferente sobre o ISSB)
Isto é bem interessante, pois há um vínculo cada vez mais forte da China com os emergentes. Além disto, agrada aos banqueiros. Mas será suficiente para termos bons padrões?
Outro aspecto importante é que o ISSB preencheu todas as cadeiras. Sem a presença brasileira. E vamos unir alguns pontos. Também no último dia agosto os três principais nomes da Fundação IFRS, o presidente dos curadores, do Iasb e do ISSB, estiveram na Comissão de Assuntos Econômicos e Monetários (ECON) do Parlamento Europeu.
As perguntas do encontro estavam voltadas para o ISSB e sua relação com a Comunidade Européia. A relação entre as normas já existentes na Comunidade e as normas que estão em processo de produção no ISSB foram discutidas. Foi afirmado que o ISSB irá respeitar a soberania da Comunidade e isto não é uma novidade, já que o ISSB é uma entidade do terceiro setor, sem autoridade de impor regras. Mas o ISSB entende que o alinhamento global é algo que vale a pena, mesmo existindo jurisdições com desenvolvimento mais avançado que o atual.
Ainda sobre este encontro, o ISSB afirma que é "quase" equilibrado em termos de gênero (6 mulheres versus 8) e o IASB está no caminho. E o histórico das pessoas seria diverso. Gostei deste trecho:
Um aspecto adicional que a IFRS Foundation deve considerar é o equilíbrio geográfico. Nesse contexto, foi apontada a nomeação de hoje do segundo vice-presidente do ISSB, que terá uma responsabilidade especial pelas economias emergentes e pelo sul global.
Traduzindo: para obter o equilíbrio geográfico vamos nomear uma pessoa que irá fazer a ligação com os excluídos.
Um engano em Criptomoeda
Da revista época:
A empresa de câmbio de criptomoedas Crypto.com transferiu acidentalmente quase US$ 10,5 milhões (cerca de R$ 54 milhões) para uma mulher australiana. O valor correto seria de US$ 100, mas no momento da transferência a empresa inseriu o número da conta de Thevamanogari Manivel no campo de valor do pagamento. Com isso, a Crypto.com transferiu um total de US$ 10.474.143,00 à cliente.
De acordo com o Business Insider, o julgamento realizado na Suprema Corte de Victoria (Austrália) revelou que a empresa demorou sete meses para perceber o erro, que aconteceu em maio de 2021. O pagamento só foi identificado no final dezembro, quando a empresa passou por uma auditoria.
Ao perceber o acidente, a Crypto.com lançou uma ação legal contra Manivel, já que ela não sinalizou o erro e chegou a gastar parte dos US$ 10,5 milhões.
Em suas movimentações, Manivel enviou US$ 430 mil para a filha em janeiro. Um mês depois, comprou uma casa de US$ 1,35 milhão em Melbourne e transferiu a propriedade para o nome da irmã, Gangadory, que mora na Malásia, conforme foi relatado no julgamento.
A Crypto.com tentou congelar as contas bancárias das irmãs em março, mas não teve sucesso. O julgamento do caso aconteceu na semana passada, com a Corte exigindo que Gangadory pague à Crypto.com US$ 1,35 milhão, venda a casa comprada e pague juros de US$ 27.369,64.
Dois pontos. Primeiro, a relevância da auditoria (e a necessidade de um sistema de controle de boa qualidade). Segundo, o que ocorreu na contabilidade da empresa, que não percebeu a diferença entre o valor nos registros e a quantidade de moedas existentes? Não existiu a reconciliação?
Caso o erro não tenha ocorrido, como poderia ser considerado, na contabilidade da Manivel, o valor em excesso? Há um aumento no ativo e o outro lado seria uma receita (ou ganho). Mas seria um ativo.
E depois, quando o tribunal decide a favor da Crypto?
Foto: Elisa Ventura
PIX e a arrecadação
Da coluna de Reginaldo de Oliveira(...) Depois que o Pix foi criado, meio mundo de gente ingressou no sistema bancário e meio mundo de gente está agora fazendo transações financeiras e assim criando uma base de informações preciosas para a Receita Federal. Noutras palavras, milhões de pessoas antes ocultas, agora estão colocando sua vida financeira nas mãos do Fisco. Não demora muito, virá o bote fatal. E novamente, o Fisco vai direcionar todas as suas forças para a população pobre, enquanto o legislador cooptado vai criar infinidades de mecanismos legais para livrar o rico dessa nova taxação.
O entranhamento por completo do Fisco na vida financeira da sociedade vai levar à criação de um tributo nos moldes da CPMF que vai gerar somas astronômicas de arrecadação. Com isso, será possível reduzir a escandalosa tributação do consumo e ao mesmo tempo continuar não tributando o rico. Na verdade, toda essa engenharia confiscatória está sendo desenhada exatamente pela elite aristocrática, através de influenciadores e pseudointelectuais e suas teses mirabolantes que manobram o poder público e a sociedade como um todo.
Isto é bem controverso e acho que faltou considerar a relação custo-benefício. Mas pode fazer sentido, considerando que um dos candidatos para presidente tem como vice o defensor da figura do imposto único.
Acrescento que o Pix, pela facilidade de uso, tende aumentar o consumo, em relação ao dinheiro vivo. Vale uma olhada nas sociedades que possuem uma resistência as modernidades bancárias, como a Alemanha.
Foto: Giorgio Trovato
31 agosto 2022
Sigilo de cem anos
Sobre o sigilo de cem anos, prática adotada pelo atual presidente da república, para impedir a divulgação de certas informações:
O cartão de vacinação de Bolsonaro foi colocado em sigilo, em meio à pandemia de covid-19 e no contexto de que o presidente questionava eficácia e segurança dos imunizantes;
O governo determinou sigilo de cem anos sobre informações dos crachás de acesso ao Palácio do Planalto emitidos em nome dos filhos Carlos Bolsonaro e Eduardo Bolsonaro;
A Receita Federal impôs sigilo de cem anos no processo que descreve a ação do órgão para tentar confirmar uma tese da defesa do senador Flávio Bolsonaro, filho do presidente, sobre a origem do caso das "rachadinhas";
O Exército impôs sigilo de cem anos no processo que apurou a ida do general da ativa e ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello a um ato no Rio de Janeiro com o presidente Jair Bolsonaro e apoiadores do governo.
Também há caso em que o governo tentou manter a informação secreta e depois mudou de ideia — como os dados sobre visitas ao Palácio do Planalto de pastores suspeitos de favorecer a liberação de verbas do Ministério da Educação para prefeitos aliados.
Reportagem do Estadão publicada em maio de 2022 mostrou que, de janeiro de 2019 a dezembro de 2021, durante o governo Bolsonaro, um a cada quatro pedidos de informação rejeitados tiveram como justificativa o sigilo da informação — a taxa é duas vezes a registrada na gestão da petista Dilma Rousseff e quatro pontos porcentuais maior do que a do governo Michel Temer (MDB), segundo a reportagem.
O que diz a lei sobre 'sigilo de cem anos' - O sigilo de no máximo cem anos está previsto na lei que acabou com o sigilo eterno de documentos oficiais — a Lei de Acesso à Informação (LAI). Ela foi sancionada em 2011 pela então presidente Dilma Rousseff — e foi assinada junto com a lei que criou a Comissão da Verdade.
No artigo 31, a lei prevê que informações pessoais relativas à intimidade, vida privada, honra e imagem tenham acesso restrito pelo prazo de até cem anos.
Também está lá um trecho que busca conter o uso dessa medida: o texto diz que a restrição de acesso de "informação relativa à vida privada, honra e imagem de pessoa não poderá ser invocada com o intuito de prejudicar processo de apuração de irregularidades em que o titular das informações estiver envolvido, bem como em ações voltadas para a recuperação de fatos históricos de maior relevância".
A advogada Patrícia Sampaio, professora de Direito Administrativo da FGV Direito Rio, explica que essa previsão do sigilo de cem anos na LAI busca proteção à intimidade e à vida privada dos indivíduos, visto que o Estado tem acesso a muitos dados que são pessoais. Por exemplo: alguma doença que você prefere que seus familiares e empregadores não saibam que você tem.
"Agora nós também temos que entender que, quando um indivíduo resolve se lançar na arena pública — concorre a um cargo eletivo, toma posse no cargo eletivo —, até mesmo essa privacidade, essa intimidade, ela é, de certa forma, relativizada", diz. "Não é que ela deixe de existir — o indivíduo continua tendo direito à sua intimidade, vida privada. Mas na relação dele com as coisas públicas, com os recursos públicos, essa intimidade tem que ser relativizada em nome do controle social da atuação dos agentes públicos."
Sampaio resume: "Em um Estado de direito, a publicidade dos atos administrativos e dos representantes do povo são, em regra, públicos. A publicidade é a regra e o sigilo é a exceção", diz.
A professora e advogada lembra que a lei tem dez anos. "Precisamos cuidar para que ela não seja esquecida ou interpretada contrariamente ao seu objetivo".
A professora da Universidade de Brasília (UnB) Andréa Gonçalves — que é especialista em prestação de contas pelo setor público, com foco na área de saúde — afirma que o Brasil é "uma democracia muito jovem" e que, pouco a pouco, foram sendo tomadas medidas focadas em aumentar a transparência — é o caso da LAI, que ela considera "ganho enorme".
"A sociedade tem direito e tem que ter acesso às informações do Estado", defende Gonçalves.
No entanto, a professora da UnB diz que "muito do que a gente observa é ainda traço do patrimonialismo — 'sentei na cadeira e faço do jeito que entendo, do meu jeito'. Isso você observa em todas as áreas".
"Isso vai do nível mais baixo até o escalão mais alto. A gente está falando de informações no nível federal. Imagina lá na prefeitura das cidades menores, onde o prefeito entende que ele é dono da prefeitura e o recurso que foi ele foi atrás, ele gasta como ele quiser, e não vai disponibilizar essa informação."
Foto: Kristina Flour