Um aspecto bom das finanças comportamentais é que vários dos seus conceitos são explicativos. O viés da confirmação é um deles. Como o nome diz, o viés refere-se a tendência a considerarmos a informação que confirma algo que acreditamos anteriormente. Isto inclui interpretar de maneira tendenciosa algo vago, desde que apoie àquilo que consideramos como correto.
A figura a seguir resume o viés. Eu tenho uma crença prévia, que pode ser sobre religião, saúde, finanças ou qualquer outro assunto. Aparece uma informação sobre o tema. Se esta informação confirmar minha crença prévia, eu valorizo esta informação (é a nota dez da figura, na parte de cima). Se a informação não confirma ou contradiz o que acredito, eu coloco dúvidas na informação ou desconsidero. Isto é feito, em muitas situações, de forma sutil, sem que o processo da confirmação seja fruto de algo racional e claro.
Outra forma de entender o viés da confirmação está na próxima figura. Quando os fatos encontram com sua crença sobre um determinado assunto, temos a tendência a superestimar tais fatos. Quando isto não ocorre, subestimamos a relevância dos fatos, por não satisfazer nossas crenças.
Ao contrário do que podemos pensar, nossas opiniões não são resultantes de anos de análise racional e objetiva (1). Mas sim resultado de anos em que você voltou sua atenção para as informações que confirmavam aquilo que você acreditava, enquanto deixava de lado todas as coisas que desafiavam suas noções previamente definidas.
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Um experimento interessante foi realizado para mostrar como o viés da confirmação atua (2). Um grupo de pessoas assistiu um vídeo de uma garota respondendo a um teste. As pessoas também assistiram esta garota na aula. Após isto, as pessoas são convidadas a dar uma nota para o provável desempenho da menina em ciências, artes e matemática. O resultado obtido será necessário para fazer a comparação com as notas que foram dadas no segundo experimento.
Novamente, as pessoas são convidadas a assistir um vídeo. Desta vez, para metade das pessoas, a garota está brincando em um bairro de classe alta; para outra metade, a garota está brincando em um bairro de classe baixa. As pessoas não assistem mais nada, mas são convidadas a dar uma nota para o que seria o desempenho da garota em ciências, artes e matemática. A menina é a mesma do primeiro experimento e a mudança que ocorreu é que o vídeo dela em sala de aula foi trocado por um vídeo brincando. As pessoas que assistiram o vídeo da garota brincando em um bairro de classe alta atribuíram uma nota mais alta em ciências, artes e matemática do que o primeiro experimento. Mas o grupo de pessoas que viu a garota brincando no bairro de classe baixa achava que seu desempenho seria pior do que aquele obtido no primeiro experimento e, naturalmente, bem pior quando a garota estava brincando no bairro de classe alta.
Os pesquisadores prosseguiram com o experimento, agora juntando o primeiro experimento com o segundo. Para um grupo, foi mostrado um vídeo da garota brincando em um bairro de classe alta; depois, a menina responde a um teste e em sala de aula e finalmente atribuem uma nota para seu provável desempenho. A outra metade das pessoas fazem a mesma tarefa, só que a garota aparece brincando em um bairro de classe baixa. O desempenho termina sendo influenciado pelo primeiro vídeo.
Há diversas pesquisas similares a esta. Em uma delas é solicitado a executivos expressar sua opinião sobre a aquisição de uma empresa (3). O pagamento é baseado no desempenho e informa aos participantes da pesquisa que seria possível acessar páginas da internet com detalhes da transação. Em algumas páginas, o artigo é claramente favorável; em outras páginas, o texto é contrário à transação. Depois de visitar as páginas, o executivo deve tomar a decisão, se favorável ou não ao processo de aquisição. O experimento registra a navegação do executivo, indicando as páginas visitadas e o tempo em cada uma delas. O resultado do experimento mostrou que o tempo usado por cada executivo era maior para olhar as páginas com uma posição favorável.
Talvez o estudo mais conhecido seja um sobre pena de morte, publicado em 1979 (4). Neste estudo, as pessoas foram previamente separadas em dois grupos, em relação a sua posição sobre a pena de morte para os criminosos: favoráveis e contrários. Após esta separação, foram entregues artigos com argumentos dos dois lados, pró e contra. Depois da leitura, foi investigado a posição das pessoas sobre o assunto. Os pesquisadores notaram que aqueles que apoiavam a pena de morte, aumentaram seu índice de apoio; os que eram contrário, também aumentaram sua posição. Em outras palavras, as novas informações, com bons argumentos de ambos os lados, serviram para aumentar o radicalismo de cada grupo. Os argumentos que apoiavam a crença prévia eram valorizados; os argumentos no sentido oposto, eram minimizados. Examente o nosso conceito de viés da confirmação.
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O viés da confirmação é algo muito prático. O ciúme usualmente envolve situações com viés da confirmação. Imagine um casal, em que uma das partes começa a considerar a possibilidade de estar sendo traído. O sentimento não é comunicado, mas a cada gesto ou ação da outra parte é interpretada como uma confirmação de que realmente há uma traição na relação.
Durante minha pesquisa sobre o viés da confirmação encontrei a seguinte frase do escritor francês Marcel Proust:
"É surpreendente como o ciúme, que passa seu tempo inventando tantas suposições mesquinhas mas falsas, carece de imaginação quando se trata de descobrir a verdade“
O amante ciumente teria uma atitude típica do viés de confirmação. O que Proust chamou de “inventar suposições” é a mesma atitude de valorizar o que seria um sinal claro de traição, esquecendo os sinais que não confirmam esta situação.
A confirmação também está presente nas mídias sociais dos dias atuais. Participo de um grupo de muitas pessoas, que gostam de discutir política. Alguns são defensores do atual presidente; outros, contrários. Para os defensores, somente os argumentos favoráveis são importantes; para os opositores, os erros e problemas do atual governo são tão grandes que nenhum fato positivo deve ser considerado.
O viés da confirmação está tão presente nos dias atuais que é possível prever a posição política de uma pessoa a partir de alguns poucos parâmetros (5). Provavelmente você gosta de um comentarista não pelas palavras que saem de sua boca, mas por que ele confirma suas crenças.
Você decide comprar um livro sobre investimento no mercado acionário. Se você acredita que investir em ações é uma opção inteligente, sua escolha será no sentido de livros favoráveis ao mercado acionário. Mas se você acredita que o mercado é composto por um grande número de espertalhões, talvez você adquira um livro que fale dos escândalos que ocorrem no mercado. Uma pesquisa mostrou que a compra de livros na Amazon em 2008, durante as eleições, mostrou que os que apoiaram Obama escolhiam livros que enfatizavam o lado positivo do presidente. Os que eram contrários, compravam livros críticos ao então futuro presidente (6).
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Em geral lemos mais os artigos e livros que estão alinhados com nossa opinião. O viés da confirmação também ocorre quando começamos a prestar atenção em algo anterior, como uma decisão de compra ou uma música que escutamos. Se você decide comprar um celular novo, começa a ficar atento no que as pessoas dizem sobre aparelhos de telefone. Se ouvir uma música de manhã, uma referência no local de trabalho à música parecerá uma coincidência.
Da mesma forma, o viés da confirmação parecerá preocupante quando você for fazer uma consulta a um médico, este pedir um exame e, ao olhar o laudo, informar que o resultado era aquilo que ele esperava. O viés da confirmação ajuda a explicar o racismo, o sexismo, as razões das pessoas jogarem e muitas situações práticas.
Malcolm Gladwell escreveu um livro que mostra o viés da confirmação sob uma outra visão. Em Blink, Gladwell ressalta o poder da primeira impressão e como o sentimento que algumas pessoas possuem em acertar o caráter de uma pessoa em alguns poucos segundos. No livro, o autor destaca a relevância dos primeiros instantes de uma entrevista de emprego no seu resultado final. As informações posteriores, coletadas ao longo de toda a entrevista, teriam o carater confirmatório. Caso estas informações sejam contrárias à primeira impressão, as mesmas são descartadas ou reduzidas a uma menor importância. O livro de Gladwell fez muito sucesso e chamou a atenção para o viés da confirmação.
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Na área financeira, o viés da confirmação está presente em investimentos errados, mas que continuam sendo conduzidos. Neste caso, a gestão descarta as notícias ruins e enfatiza as notícias boas, para justificar a continuidade de um projeto.
O problema do viés da confirmação também ocorre quando uma empresa decide adquirir um concorrente. O grande número de informações é filtrado de maneira seletiva. As que reforçam a decisão inicial de aquisição são enfatizadas.
Este exemplo do parágrafo anterior é interessante por mostrar que “mais informação” não resolve o problema do viés da confirmação. Há alguns anos o site Edge fez uma pergunta para diversas pessoas sobre um conceito considerado importante. Uma resposta me chamou a atenção. O músico Brian Eno comentou o seguinte:
A grande promessa da Internet era que mais informações produziriam automaticamente melhores decisões. O grande desapontamento é que mais informações de fato rendem mais possibilidades de confirmar o que você já acreditava de qualquer forma.
Assim, não adianta ter mais informação. O problema do viés da confirmação é como usamos as informações disponíveis. A melhor maneira de evitar o problema é olhar o “outro lado” de forma criteriosa, sem descartar os argumentos e os dados. As evidências devem ser ponderadas honestamente. E sempre que possível, fazer o exercício de olhar as informações que contradizem nossa crença.
Há um exercício interessante chamado Teste Ideológico de Turing. O teste de Turing foi criado há tempos para verificar se um computador ou um software consegue aproximar-se do raciocínio humano. Este é um teste similar, onde a ideia é olhar o lado oposto. Depois disto, solicita-se escrever um ensaio apresentando os argumentos que contradizem sua posição. Juízes neutros julgam se o texto expressa corretamente o lado oposto. Um exemplo: se tenho uma posição política de ser contrário ao presidente, tenho que construir um ensaio onde faço defesa dele, com argumentos favoráveis aos seus posicionamentos. O texto deve expressar os principais pontos que um defensor do presidente usaria. Somente após o teste ideológico de Turing é que seria possível você assumir uma posição - contra ou favor do presidente, por exemplo - sem ter um viés.
Eu posso usar um similar quando pensar no time de futebol adversário que não gosto, na defesa de um investimento que é contrário ao meu perfil, nos argumentos favoráveis a uma política pública que condeno, entre outras situações. Procure fazer uma redação com os pontos de defesa da posição contrária a minha. Para isto será necessário mais informação e você irá valorizar substancialmente a informação que contradiz sua crença.
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1 - McRaney, David. Você não é tão esperto quanto pensa. São Paulo: Leya, 2013, capítulo 3.
2 - Da pesquisa de John Darley e Paget Gross citado em Just, David. Introduction to Behavioral Economics, Wiley, 2014.
3 - Vicki Bogan e David Just, também citado por Just, David, p. 97.
4 - A pesquisa foi conduzida por Leeper et al. Citada, por exemplo, em Montier, James. Behavioural Investing, 2007.
5 - Uma pesquisa mostrou ser possível prever que uma pessoa apoiava o secretário de Estado dos Estados Unidos a partir de três pontos: se eram republicanos, se gostavam do exército e se gostavam de grupos de direitos humanos. Com estas três variáveis era possível prever, em 84% das vezes, o apoio ou não ao secretário de estado. A pesquisa é de Westen et al (2004) e foi citada por Angner, Erik. A Course in Behavioral Economics. Palgrave, 2012.