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22 junho 2022

Doing Business

A partir do trabalho de três economistas da instituições, o Banco Mundial criou, no início dos anos 2000, o índice Doing Business. A ideia era medir a facilidade ou não de "fazer negócios" em diferentes países do mundo. Os índices mais elevados significava que haveria, naquele país, melhores regulamentos, mais simples, para proteger as empresas e seus direitos. O relatório tornou-se cada vez mais relevante, até ser descontinuado pela instituição em setembro de 2021, diante de supostas irregularidades dos dados divulgados.

O índice tornou-se uma referência em diversos estudos. A comparabilidade entre as diferentes economias era bastante simples e poderosa. Apesar da crítica do índice ser parcial - não levava em consideração muitos aspectos de "fazer negócios" como a qualidade da infraestrutura, a informação era analisada e usada amplamente. Afinal era possível ver, no índice, os procedimentos para abrir um novo negócio, o tempo e custo para obter uma conexão de eletricidade ou registrar um imóvel, a proteção para os investidores, o tempo gasto com preparação de informações fiscais, a burocracia para exportar e importar, o processo de falência, entre outras informações.

Veja que muitas das informações do índice são de conhecimento do contador despachante. E que o índice era bastante favorável a redução das regulamentações governamentais, o que não trazia simpatia de alguns políticos e governantes.


Assim, para abrir um negócio no Canadá eram necessários cinco dias e um procedimento burocrático somente. No Chade, eram nove procedimentos e tomava 62 dias em média para ser concluído.

Apesar de não medir todos os aspectos do ambiente de negócios, não considerar o sistema financeiro, não contemplar todos os regulamentos e não ser uma avaliação da competitividade, a proxy da estrutura regulatória do país era bem razoável. Mais importante, provocou a mudança nas leis de vários países, para "melhorar" sua posição no ranking. Mesmo a pesquisa acadêmica foi influenciada pelo índice: estima-se que mais de três mil trabalhos usaram o índice.

Em 2018 surge o primeiro escândalo envolvendo o índice. O Banco Mundial anunciou rever o cálculo dos anos anteriores e corrigir alguns dos números. O Chile tinha sido prejudicado, uma vez que o governo de esquerda, de Michelle Bachelet, não era bem quisto na instituição. Mais recentemente surge a notícia da suposta manipulação dos dados da China, Azerbaijão, Emirados Árabes e Arábia Saudita, entre outros. O relatório de 2020 tinha sido comprometido na sua qualidade.

Além disto, existia uma disputa interna na instituição, o desinteresse dos democratas dos Estados Unidos que não gostam do tom contrário a regulamentação e o fato do relatório não agradar a alguns governos.

A perda do índice é lamentável. Sua influência foi bastante positiva em revelar regulamentos que interessavam a funcionários corruptos e políticos ignorantes que fazem leis inócuas. Talvez surjam alternativas ao índice, mas levará tempo para adquirir a qualidade do estudo do Banco Mundial. As alegações de interferências não são uma boa razão para não calcular o índice. 

Rir é o melhor remédio



 

Excesso de Confiança

  • Quantos países fazem parte da Fifa? Chute um número aproximado.

  • Eu apostaria entre 100 a 120 países

  • Certeza?

  • Vai por mim. 


O excesso de confiança é uma das características do ser humano. Um teste comum realizado em pesquisas é fazer perguntas como “quantos países fazem parte da Fifa?” ou “qual a população da Islândia?” ou “quantas cachoeiras existem em Foz do Iguaçu?”. São perguntas genéricas; geralmente quando aplicamos, solicitamos que indique um intervalo onde você tem 90% de certeza que sua resposta estará correta. Um questionário com dez questões, espera-se que o respondente acerte nove respostas. 

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Veja o exemplo do número de países que fazem parte da Fifa. Para ter 90% de certeza que minha resposta é a correta, se eu não conheço o assunto, minha alternativa é informar um intervalo bastante amplo. Talvez entre 10 a 300 países. Parece uma resposta exagerada, mas o objetivo é ter a certeza de 90%. 


Dar um palpite mais conservador significa menos confiança no seu palpite. No caso acima, o número correto é 211. Bem acima do palpite entre 100 a 120 países. Tenho aplicado este teste em diversas turmas minhas. De uma maneira geral, das dez questões, os alunos acertam em torno de 3 a 4 questões. Isto significa que o número esperado, de nove questões certas, não foi alcançado. Mais ainda, os alunos que acertaram os nove intervalos, foram a exceção. 


A melhor forma de acertar o teste é necessário aumentar o intervalo. Se a pergunta é “Qual a população da Islândia?” e não tenho nenhum conhecimento sobre o que é Islândia o meu intervalo deve ser enorme. Talvez entre mil e cem milhões. Se sei que a Islândia é um país da Europa, que já jogou a copa do mundo, talvez possa restringir o intervalo entre cem mil e dez milhões. Sabendo que é um país perto do polo norte, o meu chute pode ser entre dez mil e cinco milhões. 


As pessoas tendem a ser confiantes nos seus palpites. Esta é a regra geral. Uma pergunta que demonstra o excesso de confiança é questionar, a um grande grupo, quem dirige melhor do que a média dos motoristas. O resultado do questionamento é que mais de 60% das pessoas afirmam que sim. Um economista sueco, Ola Svenson, fez uma pesquisa na Suécia e obteve 69% das pessoas dizendo sim. 


Outras pesquisas similares já foram feitas neste sentido. Algumas delas:

  • Foi perguntado a um casal, qual a contribuição individual de cada um para a união e felicidade do par. A soma da percentagem chega a mais de 100%; 

  • Para cada jogador de uma equipe de basquete foi questionada a sua contribuição para o resultado do time. A soma das percentagens também foi superior também a 100%;

  • Para um grande grupo de estudantes em diversos países do mundo: Qual a contribuição - de 0 a 100% - que o seu país deu para a história? O resultado dos Estados Unidos foi de 30%. Os russos responderam 60%; os canadenses 40%; malaicos responderam 49% e os portugueses 38%. A soma das respostas em 35 países foi de 1.156%, média de 33%. 


As pessoas tendem a atribuir o sucesso a seus próprios talentos e habilidades. Muito mais do que seria razoável. Mas quando existe um evento adverso, geralmente é o “azar” ou a “sabotagem”. Em finanças, os analistas de investimento costumam atribuir maior peso ao sucesso e esquecer as recomendações ruins. 

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O que explica a superconfiança? Há algumas respostas potenciais, como gênero - os homens são mais confiantes que as mulheres - a idade e a educação. Há uma certa controvérsia sobre a idade, mas as pesquisas mostram que geralmente as pessoas que são “especialistas” tendem a ser mais confiantes que os leigos. Os especialistas sabem mais que os leigos e isto se transforma em mais confiança. As características pessoais, bem como a vida passada de cada indivíduo também pode ajudar a entender o excesso de confiança. 


O teste da calibração foi aplicado a diferentes profissões e pessoas e os resultados mostraram que uma profissão em especial se destacou pelo elevado grau de acerto. Em outras palavras, essa profissão conseguiu indicar, com 90% de certeza, um intervalo correto para a respota do teste. Trata-se do meteorologista. Não foi o médico, ou advogado, ou analista de investimento ou contador. O grau de acerto destes últimos estava bem longe do pretendido. Somente o meteorologia cravou intervalos condizentes com o solicitado pelo teste.  


Mas o que faz com que o profissional que lida com o tempo tenha tido um resultado melhor que os demais? No exercício da sua profissão, o meteorologista lida com julgamentos que são repetitivos, que possuem um feedback constante, rápido e sem ambiguidades. “Para o dia de amanhã, a previsão do tempo é de chuva, com 70% de chance”. Este é um exemplo de previsão realizada pelo meteorologista. No dia seguinte basta verificar se chuveu ou não; em 70% dos dias com esta previsão, deve ter tido chuva. Caso contrário, o modelo usado pelo profissional não é adequado e precisa ser melhorado. Imagine agora que isto seja feito diariamente e em uma grande quantidade de locais. Com o passar do tempo e com os ajustes no modelo, o meteorologista começa a entender o que significa 70% de chance. A presença de um feedback constante, rápido e sem ambiguidades é muito importante para melhorar a previsão do tempo. Isto ajuda o profissional a entender melhor. Ser confiante na previsão do tempo não é bom, pois reduz a qualidade do trabalho realizado. 


Agora imagine o médico. Os profissionais da área de saúde gostam de alardear que são mais inteligentes que os outros mortais. Mas quando o médico examina um paciente, mesmo com a ajuda de exames sofisticados, em muitas situações não possui o feedback constante, rápido e sem ambiguidades. Fazendo a previsão de que o paciente deverá ter uma determinada doença, a confirmação do seu palpite poderá acontecer muito tempo depois. E talvez este médico nem tenha acesso a tal confirmação. 


Tome o analista de investimento que recomenda que seu cliente invista seus recursos em uma determinada empresa no mercado de capitais. Este analista dificilmente saberá se o cliente fez a sua recomendação, qual a quantidade de recursos investida e o tempo. O feedback pode ser demorado ou pode não existir. É bem complicado, pois se a ação da empresa subiu, mas caiu em duas semanas, podemos dizer se ele acertou ou errou? Mais ainda, o analista geralmente não pensa em termos de probabilidade - do tipo: “existe 75% de chance da ação subir”. A ausência do feedback constante, rápido e sem ambiguidade faz com que o analista faça algo bastante humano: valorize os seus acertos e atribua seus erros aos fatores externos. 


Geralmente quando pensamos em termos de finanças, não somos tão precisos quanto o meteorologista. Para termos um feeback sem ambiguidade é necessário determinar de forma precisa o que queremos. Ao fazer investimento, ter um retorno de 10% ao final de um ano. Com isto é possível verificar se a decisão foi adequada, sem uma confiança excessiva. 


Quando recebemos uma dica de investimento, é necessário lembrar que a pessoa pode ser excessivamente confiante na sua crença. Ser crítico neste momento pode ajudar a reduzir prejuízos futuros nas decisões. Da mesma forma, quando tomarmos uma decisão financeira importante, ter uma pessoa do lado que seja pessimista, que lembre o lado negativo, também pode ajudar a evitar futuros prejuízos. Entretanto, a realidade mostra que pessoas excessivamente confiantes tendem a afastar os “pessimistas” do seu ciclo de amizades. (Algumas pesquisas já mostraram que os confiantes tendem a ter um futuro melhor dentro da estrutura de uma organização)


É importante destacar que o excesso de confiança pode ter seu aspecto positivo também. Muitos desafios que resolvemos enfrentar são encorajados pelo mesmo comportamento. Os empreendedores, que podem ajudar a sociedade investimento em projetos que poucos acreditam, possuem esta característica. Isto pode ser positivo, pois alguns investimentos estão à espera das pessoas confiantes para arriscarem seus recursos. 


Para Ler sobre o Assunto: A literatura está refleta de análise do excesso de confiança. Mas o livro de Tali Sharot, O viés Otimista, publicado no Brasil pela Rocco, é uma boa referência inicial. Sobre a calibração, O sinal e o Ruído, de Nate Silver, da Intríseca, é um bom livro. 


Foto: Towfiqu barbhuiya

Melhores Universidades da América Latina

 




21 junho 2022

Evitando notícias

 

Em 2017, perto de um quarto dos brasileiros evitavam as notícias. Cinco anos depois, com a pandemia e a guerra da Ucrânia, 54% dos brasileiros são avessos a saber as notícias. Os dados são da Reuters, via aqui. As principais razões: melancolia e desgraça, com muita notícia sobre o Covid (43% dos respondentes), efeito sobre o humor (36%), o desgaste com a grande quantidade de notícias (29%) ou com a confiabilidade das mesmas. 

Alerta perigoso

 Intervenções comportamentais envolvem sugerir gentilmente que as pessoas reconsiderem ou mudem comportamentos indesejáveis específicos. Eles são de baixo custo, fáceis de implementar e ferramenta cada vez mais comum usado pelos formuladores de políticas para incentivar comportamentos socialmente desejáveis.

Exemplos de intervenções comportamentais incluem contar às pessoas como o seu uso de eletricidade se compara aos vizinhos ou enviando mensagens de texto lembrando as pessoas a pagarem multas.

Muitas dessas intervenções são expressamente projetadas para “aproveite a atenção das pessoas”No momento em que eles podem tomar a ação desejada. Infelizmente, atrair a atenção das pessoas pode excluir outras considerações mais importantes e até sair pela culatra com conseqüências individuais e sociais caras. Uma dessas intervenções comportamentais nos pareceu estranha: vários estados dos EUA exibem estatísticas de fatalidade no ano (número de mortes) nos sinais dinâmicos de mensagens nas estradas (DMSs). A esperança é que estes mensagens preocupantes reduzirão as falhas de tráfego, uma das principais causas de morte de crianças de cinco a 29 anos em todo o mundo. Talvez por causa de seu baixo custo e facilidade de implementação, pelo menos 28 estados dos EUA exibiram estatísticas de fatalidade pelo menos uma vez desde 2012. Estimamos que aproximadamente 90 milhões de motoristas foram expostos a essas mensagens.

Como pesquisadores acadêmicos com formação em divulgação de informações e política de transporte, nos unimos para investigar e quantificar os efeitos dessas mensagens. O que encontramos nos assustou.

Ao contrário das expectativas dos formuladores de políticas (e nossas), descobrimos que exibir mensagens de fatalidade aumenta o número de acidentes.

Estudamos o uso dessas mensagens de fatalidade no Texas. O estado fornece um laboratório útil para estudar essas mensagens, pois possui 880 DMSs, 17 milhões de motoristas e, infelizmente, 3.000 mortes relacionadas à estrada por ano. O aspecto mais vantajoso dessa amostra, no entanto, é que, de agosto de 2012 até o final de nossa amostra, em 2017, o Departamento de Transportes do Texas mostrou essas mensagens de fatalidade apenas por uma semana por mês - uma semana antes da reunião mensal da Comissão de Transportes do Texas.

Esse recurso institucional nos permitiu comparar, por exemplo, o número de acidentes que ocorrem em torno de uma DMS durante a semana em que mensagens de fatalidade estão sendo mostradas, em relação a colisões no mesmo segmento da estrada durante as outras três semanas do mesmo mês. Além disso, fomos capazes de controlar a hora do dia, dia da semana, condições climáticas e feriados. Nós descobrimos isso houve dois a três por cento mais acidentes dentro de um a 10 quilômetros de cada DMS durante a semana em que foram mostradas mensagens de fatalidade. Isso sugere que essa intervenção comportamental específica saiu pela culatra no Texas.

(...)

Com base em nossas descobertas, hipotetizamos que essas mensagens de fatalidade causam mais falhas porque deixam os motoristas ansiosos e os distraem. Nossa pesquisa encontrou várias evidências que apoiavam essa hipótese.

Primeiro, descobrimos que quanto maior o número exibido de mortes (uma mensagem plausivelmente mais chocante e perturbadora), maior o aumento de acidentes. Contagens mais altas de fatalidade estão associadas a significativamente mais falhas, enquanto contagens mais baixas de fatalidade estão associadas a menos acidentes.

Mensagens relacionadas e fatais causam o maior aumento de acidentes em janeiro, quando a exibição mostra o total do ano anterior no Texas. Por outro lado, há um número marginalmente menor de acidentes em fevereiro, quando a contagem de fatalidades é redefinida e é a mais baixa.

Segundo, o aumento de acidentes está concentrado em segmentos rodoviários mais complexos, onde o foco na estrada é provavelmente mais importante e o custo de uma distração mais grave. (...)

Nossa pesquisa mostra que exibir mensagens de fatalidade não resulta em direção mais segura e menos acidentes. Além do argumento mais óbvio de que exibir mensagens de fatalidade pode ser contraproducente, nossas descobertas destacam duas questões mais amplas.

Primeiro, embora as intervenções comportamentais devam chamar a atenção, isso pode ser levado longe demais e ter consequências caras. Segundo, é vital avaliar políticas e seus resultados ao longo do tempo, pois mesmo boas intenções podem não necessariamente levar aos resultados desejados.

Fonte: aqui