Translate

10 junho 2022

Finanças Comportamentais

Em 2006 eu criei o blog Finanças Comportamentais. Minha primeira postagem, veja que ironia, era sobre o comportamento de um macaco. Foram mais de 600 postagens, sobre vários temas. De 2006 para cá a área, que também recebe a denominação de Economia Comportamental e Psicologia Econômica, popularizou alguns termos usados e ganhou prestígio na academia. Os periódicos mais tradicionais já aceitam pesquisas na área e a resistência aos experimentos reduziu.

Em 2020, eu tive a oportunidade de ministrar, pela primeira vez, esta disciplina. Naquele momento tive um grande desafio: como transmitir o conhecimento em uma área que não existia uma estrutura claramente delimitada. Uma olhada no verbete de uma enciclopédia ajuda a ter uma visão abrangente. Vejamos como está estruturado o verbete na Wikipedia, com o título de Behavioral economics (1).

Temos dez itens, complementados por mais três, com pessoas notáveis, um “veja também” e as referências usadas. O verbete começa com uma breve conceituação. O item inicial é sobre a história, o que inclui alguns economistas clássicos, entre eles Adam Smith. Há também a lembrança dos laureados com o Nobel: Herbert Simon (1978), Kahneman e Vernon Smith (2002), Shiller (2013) e Thaler (2017). A questão da racionalidade do ser humano é apresentada logo após. Destaque em separado para dois “ramos” da economia comportamental: teoria do prospecto e o empurrão (2). É interessante notar que um subtópico com as críticas ao empurrão consta do verbete, mas não há nada relativo ao prospecto (3). O quinto item do verbete apresenta alguns conceitos da área. Isto inclui contabilidade mental, manada, falácia do jogador e outros. A seguir é detalhado o campo de finanças comportamentais. O sétimo item do verbete trata de aplicações em animais, seguido de aspectos práticos da área. O verbete tem uma seção de críticas e encerra com áreas relacionadas.

***

Outra forma de pensar as finanças comportamentais (4) é através dos seus métodos. Talvez isto seja pouco prático para dividir o campo de estudo. Os assuntos seriam então classificados em pesquisas oriundas de laboratórios, questionários e experimentos naturais.

Os experimentos naturais são aqueles que acontecem na vida prática, sem a necessidade da intervenção de um cientista. Um experimento natural famoso na área é a discussão polêmica sobre a existência ou não da “mão quente” no basquete. Alguns acreditam que quando um jogador começa a acertar seus lances, neste dia ele estaria com a mão quente. Algumas pesquisas chegaram à conclusão de que isto é uma lenda, mas há controvérsias.

As pesquisas oriundas de laboratorios é quando a pesquisa tenta reproduzir, de forma simplificada, algo que ocorre no mundo real. Quando Dan Ariely dividiu seus alunos e cobrou um trabalho escrito, com diferentes prazos para entrega, ele estava fazendo um experimento natural (5). O pesquisador descobriu que o prazo de entrega não afeta a qualidade do trabalho.

Os questionários são usados há tempos na área. Algumas das pesquisas mais conhecidas de Kahneman e Tversky, os dois maiores nomes da área comportamental, usaram este método (6).

Como o método é um meio, é realmente estranho pensar nas finanças comportamentais a partir desta classificação (7).

***

Dois conceitos são relevantes em finanças comportamentais: heurística e viés. A heurística é um procedimento mental simples que procura responder questões que são difíceis. O viés é a distorção do julgamento, que irá ocorrer em certas situações, provocando efeitos sobre o julgamento das pessoas.

Quando tratamos das finanças comportamentais é comum olhar para as heurísticas e os vieses. O problema é que existe uma grande quantidade de heurísticas e vieses catalogados. Em alguns casos, há uma confusão sobre onde começa um e onde termina outro. Recentemente algumas das conclusões dos trabalhos pioneiros sobre aversão à perda foram questionadas, mas ainda há discussão sobre isto e talvez não seja capaz de abalar as estruturas da área (8).

***

A relação de finanças comportamentais com a biologia evolucionária, a ciência cognitiva, a psicologia, a sociologia e até mesmo a medicina envolve a discussão da racionalidade humana. Esta “ausência” de racionalidade pode ser explorada pelas instituições financeiras, os influenciadores digitais, os líderes políticos, entre outros, com efeitos nas finanças pessoais.

Neste sentido, as finanças comportamentais têm apresentado uma contínua evolução. A biologia trouxe a questão da adaptação, estudada na hipótese dos mercados adaptativos, de Lo (9). A medicina permitiu o estudo do cérebro diante das situações envolvendo a área comportamental. A sociologia permite entender o papel do grupo nas decisões (10). As novas tecnologias podem afetar o comportamento das pessoas (11). Além da replicação das pesquisas anteriores (12).

***

Uma consequência natural do sucesso das finanças comportamentais é que algumas das descobertas e avanços estão sendo questionados. Em outros casos, há uma junção entre os conhecimentos tradicionais com os conceitos da área comportamental. De qualquer forma, isto é bastante positivo, já que mostra a relevância da área para o entendimento do ser humano.

***

(1) uso aqui a Wikipedia, que é a enciclopédia mais popular e na língua inglesa, onde os verbetes são mais elaborados. Vide https://en.wikipedia.org/wiki/Behavioral_economics

(2) usei o termo em língua portuguesa, apesar de existir resistência neste sentido.

(3) isto naturalmente não significa que inexista críticas à teoria do prospecto. Talvez sejam menos contundentes.

(4) Usarei o termo finanças comportamentais a partir de agora, embora boa parte dos comentários sejam válidos para Economia comportamental, Psicologia Econômica ou outro termo similar.

(5) Recentemente Ariely foi envolvido em polêmica relacionado com uma das suas pesquisas. Esta pesquisa não foi questionada e eu cito aqui.

(6) O método do questionário não é totalmente aceito, embora suas descobertas geralmente sejam confirmadas posteriormente pelos outros métodos.

(7) Embora tenha usado na prática. Quando um aluno indica que deseja fazer um trabalho na área comportamental, gosto de apresentar os três métodos possíveis e perguntar sua preferência. O experimento natural é realmente o mais difícil dos três, pois além da coleta dos dados ser uma tarefa complicada, é necessário pensar em uma situação que se enquadre. O questionário é o mais fácil e a reprodução de uma pesquisa realizada anteriormente, com ou sem variações, termina sendo uma forma fácil de trabalhar na área comportamental.

(8) Fico devendo a citação, uma vez que estou escrevendo este texto de memória.

(9) Veja a tese de doutorado: Souza, P. V. S. D. (2020). Mercados adaptativos, cultura, variáveis econômicas e contábeis.

(10) Vide, por exemplo, Bonfim, M. P., & Silva, C. A. T. (2021). COLLECTIVE DISHONESTY: AN ANALYSIS OF THE GROUP'S INFLUENCE IN THE DISHONESTY BEHAVIOR. Revista de Administração Unimep, 19(5), 194-219. A tese de Bonfim merece ser lembrada. Além disto cito a tese de Ivone Pereira sobre a questão fiscal: Pereira, I. V. (2017). Fatores que influenciam o comportamento desonesto das pessoas na prática da evasão fiscal no Brasil.

(11) Por exemplo, a dissertação de mestrado de Soares, J. M. M. V. (2019). Efeito Tela na tomada de decisão: uma abordagem experimental em contabilidade (Master's thesis, Brasil). E a tese de doutorado de Souza, I. G. D. M. (2018). Uso de mídias sociais para divulgação voluntária: sentimento na UGC do Facebook e geração de valor para empresas de capital aberto.

(12) a replicação de pesquisa é muito desvalorizada na ciência, mas pode ser relevante para solidificar as descobertas. Um exemplo é a famosa pesquisa sobre aversão à perda, reproduzida de diversas formas, em diferentes culturas.

Covid e a relevância do intangível

A pandemia do Covid parece ter enfatizado a importância do tangível na economia: a vacina, o leito do hospital, o alimento, entre outros itens. 

Mas Tim Harford acredita que os ativos intangíveis mostraram sua relevância também. Se existiram as vacinas, que precisavam de frascos, agulhas e freezers, também era necessário o know-how para obter o remédio. 

O desenvolvimento de vacinas exigiu anos de pesquisa anterior. Provando que elas foram produzidas com ensaios clínicos rápidos e em larga escala. Garantir que as doses fossem produzidas rapidamente exigia o compartilhamento de riscos - em particular, os compromissos do governo de comprar muitas doses antes que ficasse claro que elas funcionariam. Talvez o ativo intangível mais subestimado nisso tenha sido a confiança(grifo meu) 

A experiência do Covid seria um lembrete de como fatores intangíveis podem ser essenciais. 

Foto:Adam Nieścioruk

Ciência de Dados e Contabilidade

A presente pesquisa investigou como a adoção da ciência de dados na Pós-graduação Brasileira relaciona-se com a formação de mestres e doutores em contabilidade. A relevância da temática recai sobre a importância da disseminação de conhecimentos, que aproxima as universidades do mercado de trabalho contribuindo para o desenvolvimento da sociedade. Diante disso, a pesquisa teve como objetivo determinar os fatores de adoção de conhecimentos em ciência de dados e suas influências na formação de mestres e doutores em contabilidade, evidenciada na literatura baseada na difusão da inovação, redes complexas e ciências de dados na contabilidade. O percurso metodológico procurou explorar o Catálogo de Dissertações e Teses da Capesa, referente ao período de 1987 até 2019, que posteriormente foram analisados com a utilização da linguagem computacional (Python e Gephi), mineração de dados, estatísticas descritivas e redes complexas, com objetivo de mapear e identificar as principais pesquisas e módulos criados e desenvolvidos pela rede de co-palavras-chaves, com intuito da expansão da pesquisa sobre a colaboração científica e a evolução da ciência de dados na contabilidade. Os resultados indicam a existência de uma evolução temporal nítida onde foi possível identificar que mais de 70% das pesquisas alinhadas com a área contábil estão concentradas em cinco módulos, formando um padrão a partir de 2013, sendo eles: aprendizagem de máquina, mineração de dados, inteligência artificial, grandes dados e inteligência de negócios. Além disso, a contabilidade financeira ganhou destaque por emergir como um módulo em termos essencialmente contábeis, apontando novos rumos e tendências. 

Fonte: Dissertação de Ricardo dos Santos Cardoso

Um aspecto interessante é a evolução de teses e dissertações na nossa área:



09 junho 2022

Ações e uso de armas

 

Eis o que ocorreu com dois fabricantes de armas, desde o massacre em Uvalde, Texas. 

Fasb e três projetos interessantes


A entidade que faz as normas contábeis para o mercado de capitais dos Estados Unidos está trabalhando em três frentes de importante interesse. A primeira é a questão de ativos digitais. No final de 2021, o presidente do Fasb adicionou o projeto à agenda de pesquisa do Fasb, com ênfase nos ativos negociados em bolsa. Apesar de não existir nenhum documento preparado pela entidade, no dia 11 de maio de 2022 o Fasb adicionou o projeto na sua agenda técnica. Eis o comunicado do Fasb sobre o assunto:

The Board added a project to its technical agenda to improve the accounting for and disclosure of certain digital assets. The Board decided not to add to its technical agenda a project that would address the accounting for exchange-traded commodities; however, the chair decided that this topic would remain a research agenda project.

O segundo projeto refere-se a desagregação da despesa da Demonstração do Resultado. Isto inclui as despesas de venda, gerais e administrativas, o custo dos serviços e outros custos das receita e os custos dos produtos tangíveis vendidos. Em fevereiro deste ano o Fasb revisou o objetivo do projeto.

Finalmente no dia 1 de abril o Fasb começou a trabalhar no projeto "Accounting for Financial Instruments with Environmental, Social, and Governance (ESG)-Linked Features".

08 junho 2022

Carregador de eletrônicos e a padronização

A Comunidade Europeia chegou a um consenso: todos os smarthphones e tablets terão que usar um único carregador, denominado de USB-C. O projeto foi apresentado no ano passado e aprovado na terça feira. Estima-se uma economia, para os consumidores, de 250 milhões de euros por ano. 

A proposta não entra em vigor de imediato, mas em 2024. Os laptops terão um prazo maior, de 40 meses, para adequar a novas regras. Quando a proposta foi apresentada, a Apple reagiu, dizendo que "reduziria a inovação" (?). Mas recentemente vazou um modelo de iPhone com o carregador. 

O interessante é que o assunto foi aprovado de forma consensual. Nem todos os países da Europa irão, a princípio, adotar o padrão, já que alguns deles não fazem parte da Comunidade. É o caso da Inglaterra, que recentemente abandonou a comunidade. 

Eis um exemplo interessante sobre as vantagens e desvantagens da padronização. Neste caso, a medida do parlamento europeu deve ter o apoio popular. Entretanto, existe a pressão de empresas, onde o carregador "diferente" representa parte da estratégia de marketing. 

No livro Teoria da Contabilidade, de Niyama e Silva, há uma discussão sobre este aspecto no primeiro capítulo. Mas percebo que faltou enfatizar o fato de que a padronização pode ser uma resposta a uma vontade popular e permitir a economia para os consumidores. 

07 junho 2022

ESG e Auditoria


As mudanças que todas as empresas – e particulares – tiveram de enfrentar como resposta à pandemia de Covid-19, nos últimos dois anos, afetaram, também, o sector da auditoria, tanto nas soluções que encontraram para se adaptarem, enquanto organização, para responderem aos desafios colocados pela situação de exceção em que ainda vivemos, como também pela forma como tiveram de lidar com o impacto nos clientes objeto de auditoria. Estes desafios não se esgotaram no período de crise, mas mantêm-se e projetam-se no futuro, juntando-se a outros, como referem estudos e os próprios agentes do mercado ouvidos pelo Jornal Económico (JE).

Entre os desafios apontados, que requerem resposta, encontram-se o desenvolvimento tecnológico – não só pela capacidade de uso das ferramentas ao dispor dos auditores para o exercício da sua atividade, mas também pelo reforço da capacidade de resposta analítica ao potencial tecnológico de quem é auditado – e a questão, cada vez mais premente da identificação, atração e retenção de talento, dois temas tratados nas páginas deste Especial. A estes juntam-se, também, os temas relacionados com o ambiente, questões sociais e de governança (ESG, na sigla em inglês), que constituem um duplo desafio para as auditoras. Mais uma vez, reflete-se tanto do ponto de vista interno, de como a auditora desempenha a sua atividade, como externo, pela importância relativa que estes temas passam a ter na atividade de quem é auditado.

Estão em causa questões ambientais, relacionadas com as emissões de gases de efeito estufa, o uso de água, o tratamento de resíduos e poluição, assim como a sustentabilidade dos recursos de que a organização para os seus processos; questões sociais, como as relações com os colaboradores, a diversidade, a saúde e segurança no trabalho e o apoio à comunidade; e a governança, que reflete questões relacionadas com a transparência da gestão, os direitos dos diferentes stakeholders, os padrões éticos e o combate à corrupção, por exemplo.

Um trabalho da consultora KPMG identifica como desafios para a auditoria – incluindo para os conselhos das empresas que têm esta responsabilidade – a resposta à incerteza, que tem sido um efeito da pandemia, mas também agora à consequências da guerra provocada pela invasão russa da Ucrânia, que alterou o quadro geopolítico, com repercussões em muitos mercados; depois, os temas ESG, que constituem um desafio e uma oportunidade, porque é nesta altura que se estão a definir os sistemas e as métricas. “O ESG será estrutural na estratégia, propósito e cultura dos líderes. Os grandes vencedores do futuro serão aqueles que conseguirem crescer e diferenciar o seu negócio em linha com os princípios fundamentais de ESG”, refere a consultora e auditora EY no estudo “ESG: conhecer os desafios ajuda a encontrar o caminho?”.

Desafio e oportunidade - Segundo o CEO da BlackRock (o maior fundo global em ativos sob gestão), Larry Fink, na sua carta aos CEO em 2021, não haverá nenhuma empresa cujo modelo de negócio não virá a ser profundamente afetado no processo de transição para neutralidade carbónica. Isto terá efeito na forma como as empresas trabalham, mas também analisam o impacto nos seus clientes. Os responsáveis do sector contactados pelo JE são unânimes em considerar que os temas ESG vão passar a integrar com cada vez maior importância os processos de auditoria e revisão de contas, o que constitui um desafio, mas também o consideram uma oportunidade, pela capacidade que as auditoras têm de verificar a adequação dos processos aos quadros regulamentares, assim como o cumprimento de requisitos, por exemplo, nas operações para a emissão de dívida verde. A emissão de dívida verde por empresas portuguesas está em crescendo, desde que se iniciou, em 2018, totalizando mais de 12 mil milhões de euros, enquanto se preparam novas emissões, num mercado em que a EDP- Energias de Portugal se destaca.

Jornal Econômico - Temas ESG são desafios e oportunidade da Auditoria - Manuel Rifer