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08 janeiro 2022

Cutucadas (Nudge) funcionam? Uma meta-análise parece indicar que sim


Desde que o conceito de cutucão (nudge) apareceu no livro de Thaler e Sunstein, diversas aplicações foram realizadas e os efeitos reportados em artigos científicos. O processo de meta-análise corresponde a um grande "resumo" dos estudos para tentar verificar se existe um padrão nos resultados. Em 2019 um estudo com cem pesquisas mostrou que as cutucadas produzem resultados em 62% dos casos, mas que alguns tipos de intervenções não tiveram o sucesso esperado.

Um ano depois outro estudo concluiu que as cutucadas produzem resultados que são estatisticamente significativos. Agora uma pesquisa publicada com 455 situações, de 214 artigos, mostram que as cutucadas afetam o comportamento das pessoas. Este efeito muda conforme o tipo de situação, assim como em 15% dos casos as cutucadas podem ou não dar resultado ou provocar um comportamento oposto ao pretendido. O sucesso ou insucesso pode ser resultado de um maior ou menor processamento da informação ou valores e objetivos individuais. 

Uma situação interessante é que as cutucadas relacionadas com alimentos produzem mais efeito que as cutucadas na área de finanças. 

Um típico problema do estudo de meta-análise é o viés da publicação. Ou seja, estudos com resultado positivo são publicados e estudos com resultado negativo ou sem resultado não são aceitos para publicação. O artigo de 2022 constatou que este viés existe no sentido de publicação de resultados positivos. Em termos práticos, o percentual de eficiência das cutucadas deve ser visto com ressalva. 

Pesquisa original: Mertens, S., Herberz, M., Hahnel, U. J. J. , & Brosch, T. (2022). The effectiveness of nudging: A meta-analysis of choice architecture interventions across behavioral domains. PNAS.

Via aqui

Foto: Goodman

Evidenciação e o mundo nebuloso da transferência de jogadores de futebol

 

Usando dados do site Transfermarkt, o Jornal Econômico fez um levantamento curioso: as transferências de jogadores do Benfica e do Porto vinculados ao treinador português José Mourinho. Este é um mundo nebuloso, que envolve interesses de técnico de futebol, lavagem de dinheiro e gestão do futebol.

Segundo o levantamento realizado, em 18 anos, José Mourinho foi responsável por transações envolvendo valores de 243 milhões de euros com os dois clubes portugueses. Por este motivo, quando em 2020 o treinador Jorge Jesus tornou-se treinador do Benfica, uma conversa entre um conhecido empresário de futebol e Mourinho, ambos tinham uma preocupação com tal fato. Entre as transações estão a negociação de Tiago Mendes (15 milhões, 2004), di Maria (33 milhões, 2010), Coentão (30 milhões, 2010), Ricardo Carvalho (30 milhões, 2004) e Paulo Ferreira (20 milhões, 2004). 

Atualmente os jornais portugueses estão cobrindo com destaque alguns problemas do Benfica (foto), mas a investigação do jornal econômico é interessante por mostrar o poder de um técnico de futebol.

P.S. Lembro de um conhecido técnico de futebol brasileiro que foi indicado para seleção brasileira. Em uma das convocações, ele relacionou um jogador pouco conhecido. Logo a seguir, o referido jogador foi vendido por uma valor bem razoável e ninguém falou mais dele.

Rir é o melhor remédio


 

07 janeiro 2022

Continuidade no setor público


Esta parece ser uma discussão estranha: a continuidade (going-concern) no setor público. Afinal foge da nossa realidade uma situação onde um governo fica em descontinuidade. Mas em alguns países é possível que um município ou um estado atinja esta situação. Nos anos 70 e 80 algumas cidades do mundo desenvolvimento sofreram com suas finanças; a cidade de Nova Iorque esteve perto da "falência" neste período. 

Por este motivo, a questão da continuidade é algo que pode ser considerado dentro da questão contábil na área pública. Mesmo com a possibilidade de elevar tributos ou reduzir o pagamento das dívidas, o governo pode atingir uma situação de insolvência. Para evitar tais situações, testes de estresse pode ser realizados para verificar a possibilidade de algo ocorrer com o governo. 

Atualmente o GASB, a entidade que discute normas contábeis nos Estados Unidos, está com um projeto sobre o assunto. Trata-se de um desafio, pois o resultado de gestão financeira ruim pode implicar em desafios diferentes daqueles existentes na área privada. Mas que merece a atenção da contabilidade pública. 

Neste sentido, o princípio da continuidade é citado no excelente livro Contabilidade Pública, de Pacelli, com a seguinte observação:

Na visão deste autor, o princípio da continuidade permanece válida na medida em que qualquer decisão por descontinuar operações ou atividades é capaz de afetar a mensuração de ativos, podendo ocasionar uma perda de recuperabilidade. (grifo do autor, p. 1499)

Entendo que a continuidade não deve ser aplicada a uma operação ou atividade em particular, mas ao conjunto de operações de um ente público. 

Foto: Sikkema

Theranos e Auditoria

Francine McKenna analisa o papel da auditoria no caso Theranos. Eis um trecho:
 
Durante o julgamento de quatro meses de Elizabeth Holmes, descobrimos que pelo menos três grandes empresas de contabilidade pública prestaram serviços a Theranos, incluindo auditoria, durante seus 15 anos de vida como empresa (1).

Na segunda-feira, um júri na Califórnia considerou a fundadora da Theranos e ex-CEO Elizabeth Holmes culpada de quatro acusações que ela traiu seus investidores. Ela foi absolvida ou o júri não pôde decidir sobre outras sete acusações, incluindo que ela havia enganado os pacientes sobre a prontidão e a precisão de seu dispositivo defeituoso para testar o sangue com apenas uma gota. Em 2018, eu escrevi que os investidores ultra-ricos de Theranos haviam abandonado a devida diligência básica e nunca solicitaram demonstrações financeiras auditadas (2) antes de entregar centenas de milhões. (...)

Philippe Poux assumiu o cargo de Diretor Financeiro da Theranos em meados de 2017, quando a empresa foi inundada por investigações e ações judiciais. Seu objetivo era obter uma melhor posição de caixa e das necessidades de financiamento da empresa. Com exceção dos primeiros anos após Holmes fundar a empresa em 2003, aos 19 anos, a Theranos não tinha um CFO ou um auditor.

Elizabeth Holmes foi forçada a sair de sua própria empresa depois de envolver em acusações de fraude de valores mobiliários na SEC em março de 2018. Mas foi uma auditoria que finalmente forçou Theranos a fechar.

(1) uma delas é a EY. A KPMG também auditou a empresa, mas como discordou da contabilidade de opções, não emitiu o parecer. Mas continuou na empresa como consultoria. A internet recuperou uma fotografia do atual presidente, Biden, com a executiva, expressando sua admiração com a empresa. 

(2) Apesar do problema da Theranos ser operacional - a impossibilidade de desenvolver a tecnologia de análise clínica que prometia - a questão financeira também afeta o processo. A imagem destaca que o juri condenou Holmes pela questão financeira somente. É estranho isto, já que exames imprecisos pode colocar em risco a vida das pessoas.

Lei Benford e licitação

Eis o resumo:

Este artigo utiliza a Lei de Newcomb-Benford (Lei-NB), ou Lei dos Números Anômalos, para análise empírica exploratória dos valores de pregões eletrônicos ocorridos no Portal de Compras do Governo Federal brasileiro e constantes no recém-criado site “DadosAbertos.gov.br”. Nas análises foram consideradas todas as contratações de serviços no período de 2014 a 2018. O objetivo da pesquisa foi analisar a conformidade dos pregões eletrônicos mencionados à Lei-NB, visando a verificar anomalias que representam indícios de fraude. Pode-se afirmar que há anomalia estatisticamente significante na análise do primeiro dígito dos valores licitados nos pregões eletrônicos das licitações. Constata-se também que os pregões com primeiro dígito de números 4, 8 e 9 são os que apresentaram maiores diferenças entre o valor observado e o valor esperado, fortalecendo a hipótese de que esses representam os pregões com maior incidência/probabilidade de desvios. O estudo, pioneiro nesse tipo de análise na base de dados brasileira, visa a contribuir para a literatura focada na detecção de fraudes contábeis ou financeiras no setor público. Os resultados da pesquisa indicam que podem contribuir, também, para a prática da fiscalização na gestão pública. É recomendado aprofundar a análise das licitações estudadas, visando a confirmar os indícios constatados, e focar em estudos baseados na economia da corrupção nas questões que envolvem a detecção de fraudes, a fim de que a corrupção se torne inviável ou inoportuna. 

O resultado é intrigante; Os eventos, 37 mil pregões, são independentes e os problemas ocorreram em três dos números. Talvez exista uma explicação para os achados. O gráfico não aparente, visualmente, uma grande diferença:
(Na verdade eu achei o gráfico um pouco confuso, mas a sobreposição das linhas observada e da lei é nítida) 

Fonte: Cadernos Gestão Pública e Cidadania | FGV EAESP