A questão digital e a contabilidade, segundo um texto de
João Barros para o Jornal Econômico, de Portugal:
Contabilidade: Desafios iniciais da pandemia são agora ganhos para o futuro
Depois das dificuldades criadas com a chegada da pandemia, a aceleração digital cria, juntamente com a adoção de modelos de trabalho mais flexíveis, novas oportunidades para a contabilidade
A área da contabilidade enfrentou grandes desafios no último ano e meio, desde, como na generalidade dos sectores, a passagem para um modelo híbrido de trabalho e a necessidade tecnológica que este acarreta, mas também no apoio às empresas num momento de incerteza e de dificuldades financeiras. Com a recuperação económica já em curso e a transformação que se deverá viver nos próximos tempos no tecido produtivo europeu, os contabilistas terão de ser ágeis para aproveitarem as oportunidades criadas, ao mesmo tempo que reforçam o seu papel no panorama empresarial.
Uma das tendências mais notórias da pandemia foi a aceleração na adoção de recursos e técnicas inovadoras, assentes sobretudo em tecnologias disruptivas e que permitem uma maior flexibilidade dos agentes combinada com uma maior proximidade dos clientes e um acompanhamento mais próximo da sua atividade. Esta é uma “tendência global e irreversível” que se fará sentir ao nível das “áreas administrativas, financeiras e fiscais”, começa por referir Rui Pedro Almeida, diretor executivo e managing partner da Moneris.
Apesar dos ganhos de eficiência que conferem estas novas soluções, o fenómeno representa “uma oportunidade, mas também um desafio para os auditores e contabilistas”, argumenta.
“Os contabilistas e auditores de menor dimensão terão maior dificuldade em adaptarem-se a este novo contexto e exigência, não apenas pelo investimento financeiro a que este obriga, mas sobretudo pela necessidade de desenvolver um plano estratégico, bem articulado, no que respeita aos sistemas de informação e de incorporarem nos seus quadros colaboradores com senioridade suficiente para acompanharem o processo de transformação organizacional, que exigirá novas competências de literacia tecnológica e um olhar claro para a redefinição dos modelos de negócio”, explica Rui Pedro Almeida.
No caso de uma firma de maior dimensão como a Moneris, várias das tecnologias essenciais para esta transição digital eram já uma realidade pré-pandémica, dispondo o grupo de uma “suite de RPA (automação robótica de processos) e de outros processos de automação”. Estes permitiram uma passagem mais fácil para o trabalho à distância, face à necessidade de limitar contactos em tempos de pandemia, e também confere ganhos de eficiência evidentes.
Tecnologia para a otimização
“Os RPA, o machine learning e a inteligência artificial permitem hoje otimizar os lançamentos contabilísticos e o relato fiscal, preenchendo e submetendo declarações fiscais. A digitalização e automação de processos contabilísticos e fiscais traduzem-se, assim, num conjunto de benefícios como o desenvolvimento de tarefas, em tempo útil, acelerando a produtividade e garantindo a fiabilidade dos dados e tarefas rotineiras”, observa o diretor executivo da Moneris. Isto significa que os profissionais da área ficam com mais tempo disponível para tarefas que requerem ainda faculdades humanas, como a “análise e o apoio à gestão dos nossos clientes”.
É esta maior especialização que começa por destacar António Nunes, diretor executivo e fundador do Grupo Nucase. A aceleração digital vivida trazida pela Covid-19 “significa que boa parte do trabalho operacional do contabilista será automatizado, quer na contabilização documental, quer na elaboração e envio das diversas declarações fiscais”, libertando os profissionais para outras tarefas.
“O contabilista passará a ter o papel de certificar e auditar a informação gerada e proceder ao seu tratamento para os diversos fins e destinatários com maior relevo para o apoio e aconselhamento à gestão e desenvolvimento dos negócios”, considera, bem como para o acompanhamento às “alterações legislativas e respetivo enquadramento aplicável às organizações de que é responsável”.
Este apoio legislativo foi também das principais faces da pandemia para o sector. A necessidade de mobilizar apoios ao tecido produtivo, que foi castigado pelo encerramento temporário de inúmeras atividades, levou a mudanças rápidas e inesperadas na legislação em vigor, criando dúvidas aos empresários que os contabilistas se aprontaram a esclarecer.
Primazia ao cliente
A preocupação com o acompanhamento dos clientes é fundamental para a afirmação de qualquer negócio e ainda mais num mercado competitivo como o da contabilidade. Depois da passagem desta comunicação para canais digitais no início da pandemia, tornou-se fulcral manter uma avaliação da satisfação das empresas que recorrem aos serviços dos contabilistas, ilustra Rui Pedro Almeida.
“Durante a pandemia auscultámos várias vezes os nossos clientes e o mercado em geral, de forma direta e através de surveys, para podermos entender em que medida estávamos a corresponder às suas expectativas e quais seriam as suas necessidades”, conta, revelando que “a resposta foi muito positiva, permitindo-nos acompanhá-los nos seus desafios que passaram a estar mais focados na componente de gestão de crise, gestão de cashflow, reestruturações financeiras ou operacionais ou temas de interoperabilidade tecnológica”.
Assim, o cuidado no acompanhamento é um elemento diferenciador, especialmente dada a crescente preferência das empresas por “não apenas ver assegurado o seu compliance contabilístico e fiscal, sendo este em grande medida higiénico e um ‘must have’, mas também soluções que as permitam acelerar a sua recuperação, resiliência ou expansão”.
Além dos clientes, também os próprios contabilistas e demais recursos humanos do sector sentiram uma mudança de prioridades e preferências a que os grandes grupos da área devem estar atentos. Realidades como o teletrabalho, o trabalho remoto e os esquemas laborais flexíveis parecem ter vindo para ficar, permitindo maior equilíbrio entre a vida pessoal e profissional dos trabalhadores .
As novas tendências ao nível do trabalho significam uma menor ponderação do fator salarial na escolha de cada indivíduo sobre o seu empregador e na sua satisfação, afirma António Nunes.
“As condições extrassalariais são cada vez mais um fator decisivo, principalmente para as novas gerações, que têm novas formas de ver a vida e procuram principalmente benefícios de equilíbrio entre vida pessoal e o trabalho”. Assim sendo, a Nucase permite flexibilidade de horário e conjuga este aspeto com outras regalias, como “dias extra de férias por assiduidade e antiguidade, dia de aniversário, prémios monetários por faturação, prémios por angariação de clientes e prémios por melhores sugestões”, de forma a manter motivados os seus trabalhadores e conseguir reter o talento existente na empresa.
A palavra-chave nesta tendência é ‘flexibilidade’. Dadas as diferentes preferências e necessidades de cada indivíduo, a estratégia da Nucase passa por “um modelo hibrido de dois a três dias por semana em trabalho remoto, mas sempre adaptado às necessidades individuais de cada colaborador, mais do que a criação de modelos únicos”.
Esta é uma ideia reforçada por Rui Pedro Almeida, que perspetiva para o pós-Covid “uma organização assente em premissas de flexibilidade e práticas remote friendly”.
“Parece-me essencial, no nosso enquadramento, a adoção de um modelo híbrido, que permita, por um lado, acompanhar os recursos mais juniores, que precisam de crescer em termos de competências e que enfrentam a sua adaptação ao mercado de trabalho, precisando de apoio no seu induction organizacional. Por outro lado, temos de garantir que não se perde o que de bom ganhou durante a pandemia, nomeadamente a produtividade e qualidade de vida que o trabalho remoto pode proporcionar, quando devidamente estruturado e planeado”, desenvolve o responsável da Moneris.
Esta necessidade de reter talento é complementada pela capacidade de o encontrar e recrutar. Para tal, a Moneris tem vindo a aprofundar a sua relação com a meio académico, além de ter “mapeado a força de trabalho em todo o país”.
“A aproximação que temos feito à Academia, com a construção de relações assentes na reciprocidade e partilha de conhecimento, tem-nos permitido valorizar os nossos recursos, a par de uma mais tempestiva identificação de potenciais talentos numa fase em que estes ainda se encontram em formação ou aceleração das suas aprendizagens e experiência profissional”, expõe Rui Pedro Almeida.
Assim, a inovação e automação que o grupo tem vindo a implementar permite uma “diferenciação nos serviços que prestamos aos nossos clientes, mas também no projeto de crescimento e de desenvolvimento dos nossos colaboradores, que sentem no dia-a-dia a diferença de pertencer a uma empresa que acredita na diversidade de perfis e na complementaridade de competências, essenciais à nossa premissa de melhoria contínua”, remata.