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16 novembro 2020

Os Delatores da Petrobras foram punidos; os demais foram absolvidos


A CVM julgou os gestores da Petrobras, os auditores responsáveis pelo relatório de auditoria no período de 2007 a 2014 e os membros dos Conselhos. O resultado final foi horrível, o pior possível. Poucas pessoas foram punidas. Mas nada melhor do que as palavras de um dos diretores da CVM para o resultado final. Elas dizem tudo (grifo do blog):  

Ao encerrar a sessão, o Diretor Henrique machado [sic] consignou que, a par do elevado debate jurídico, travado na forma dos minuciosos votos proferidos pelos membros deste Colegiado, a declaração do resultado deste julgamento impõe uma reflexão sobre as razões de fato e de direito que culminaram na condenação exclusiva dos membros da diretoria da Petrobras que colaboraram com as investigações em sede criminal. Em seu entendimento, tratar-se-ia de um sinal de inadequação de estruturas jurídicas e administrativas.

Mas não foi somente isto. Estamos em 2020 e julgando algo que ocorreu há anos. A CVM adota o processo eletrônico e por várias vezes ocorreu o pedido de vistas. Isto não faz muito sentido (conheço um pouco de processo eletrônico para afirmar isto). Passar a responsabilidade para algo vago, como "inadequação de estruturas jurídicas e administrativas" é cômodo. A CVM poderia ter feito diferença neste processo. Não fez. 

Foto:aqui

Valor de um asteroide


Existem diversos exemplos em que a mensuração tem sido utilizada para monetizar itens estranhos. Uma reportagem da CNN, sobre um asteroide, destaque ele vale mais do que toda a economia da Terra. Este asteroide, muito distante do sol, chama-se 16 Psyche e não é muito grande. O corpo celeste deve ser constituído de ferro e níquel. O link chega a estimar o valor do asteroide em 10.000 quatrilhões. 

Sobre essa estimativa impressionante de que Psyche pode valer $ 10.000 quatrilhões, Elkins-Tanton [cientista que estuda o corpo celeste] diz que assume a responsabilidade por chegar a esse número durante as entrevistas quando a missão da NASA foi anunciada pela primeira vez em 2017. Enquanto a conversa sobre a mineração de asteroides para obter recursos está se desenvolvendo aqui na Terra, Psyche não é o alvo pelo qual devemos nos esforçar, de acordo com Elkins-Tanton. "Não podemos trazer Psique de volta à Terra. Não temos absolutamente nenhuma tecnologia para fazer isso", disse Elkins-Tanton. Mesmo se fosse possível trazer de volta os metais de Psyche sem destruir a Terra, isso provavelmente causaria o colapso dos mercados, disse Elkins-Tanton. "Existem todos os tipos de problemas com isso, mas ainda é divertido pensar sobre quanto valeria um pedaço de metal do tamanho de Massachusetts." 

Provavelmente a cientista fez uma conta simples: quantidade de minério vezes o preço atual no mercado de commodities. Mas como o texto encarrega de destacar que a presença desta quantidade de minério faria desabar o preço no mercado e que seria hoje impossível "explorar o minério". 

Eis um problema do uso do valor de mercado para mensuração. 

Perdido por cem, perdido por mil


Uma boa lembrança ao analisar as demonstrações deste ano:

Este é o ano do “perdido por cem, perdido por mil”. É um ano muito mau para muitos negócios. É um ano em que maus resultados estão imediatamente justificados. É um ano em que os gestores nem têm que dar muitas explicações. Já todos sabem que é mau. O mercado já sabe que vai ser mau. Tão mau, que apresentar prejuízos de 100 ou de 1000 pouco importa, pois é de qualquer forma um ano perdido.

Nestes anos, qual poderá ser a tentação dos gestores? Se o ano está perdido e está, se já vamos apresentar tão maus resultados, então porque não apresentar piores ainda?

E porquê esta motivação dos gestores? Porque, quanto piores forem os resultados este ano, maior é a probabilidade de para o ano a empresa conseguir mostrar melhores resultados, indiciando ao mercado recuperação e crescimento. Tal faz-se à custa de “limpezas” no ativo e/ou pressão no passivo.

Em terminologia anglo-saxónica a expressão usada é “big bath accounting”. Em português tenho adotado “perdido por cem, perdido por mil”.

As limpezas num determinado ano no ativo, feitas, principalmente, à custa de imparidades, traduzem-se em resultados superiores em anos futuros. Constituir imparidades sobre ativos fixos tangíveis, ativos intangíveis ou investimentos financeiros implica, nesse ano, reconhecer gastos. Se forem excessivas, para o ano reverte-se, dando lugar ao reconhecimento de rendimentos e, simultaneamente, uma ilusão de recuperação.

Se forem imparidades excessivas no goodwill, cuja reversão é proibida, no ano seguinte tem-se menores amortizações (quando a empresa usa SNC) ou, pelo menos, é menor a probabilidade de reconhecer imparidade adicional (caso a empresa utilize normas internacionais de contabilidade). Sendo amortizações excessivas, para o ano amortiza-se menos. Sendo imparidades excessivas sobre créditos, ou mesmo incobráveis, para o ano recebe-se os créditos e realiza-se rendimento. Abates excessivos de imobilizado, para o ano são menos amortizações.

Na verdade, qualquer diminuição ou desreconhecimento de ativos num determinado ano, origina ou diretamente rendimento no futuro (via anulação ou reversão) ou, pelo menos, menores gastos. De qualquer das vias, com maior ou menor efeito, traduz-se em maiores resultados do que aquele que se apresentaria na ausência dessa prática.

Também o reforço do passivo é suscetível de “big bath accounting”, usando-se, principalmente, a rubrica de provisões. Provisões excessivas num ano originam gastos nesse ano, é certo, mas rendimentos no ano em que são revertidas. E por aqui se vê que 2020 é um ano para se estar muito atento às contas. É um ano em que a leitura do balanço tem que ser acompanhada de perto da análise do anexo e da interpretação cuidada de tendências e rácios. É um ano em que não dispensa (nunca se deveria dispensar…) a leitura atenta da certificação legal das contas.

A compreensão integral das contas de 2020, e principalmente das estimativas que lhe são intrínsecas, permite avaliar a quota-parte dos resultados de 2021 que traduzirão efetivamente recuperação e crescimento.

Frase


De um artigo que conta a história da fraude empresa de jogos Sierra:

Há um segredo de negócios que Ken Williams diz ter aprendido com Bill Gates. Pergunte a um executivo ou candidato a contratação pelo seu handicap no golfe e, se eles derem uma resposta, ignore essa pessoa. Executivos sérios não jogam golfe.

Imagem aqui

15 novembro 2020

Uma empresa malvada


Uma empresa talvez não precise ser boazinha. Mas ser a representação do mal talvez não seja o adequado. A tinta de impressora é um dos líquidos mais caros do mundo. Sabendo disto, as empresas que fazem impressoras querem aprisionar seu cliente, no pior sentido da palavra. Um texto bem interessante (dica de Claudio Santana, grato) trata da HP. Eis alguns trechos selecionados: 

Não surpreende, portanto, que a HP use de meios maquiavélicos para amarrar seus consumidores à companhia, desde impedir o uso de cartuchos de terceiros (prática que todas as fabricantes tentaram implementar) a planos de consumo supostamente vantajosos. 

(...) Hoje em dia, boa parte das impressoras para usuários finais funcionam online, permitindo ao usuário enviar documentos para impressão a distância, enquanto a fabricante pode despachar atualizações do firmware via OTA. 

E é aqui que reside o problema. Assim como a Lexmark, Epson e outras empresas, a HP odeia clientes "espertinhos" que usam cartuchos de tinta de terceiros, ou que recondicionam os antigos. É interessante para a companhia que os clientes continuem comprando novos cartuchos, mesmo quando você sabe que há tinta e a impressora diz que não, ou você quer imprimir um documento em preto apenas e ela diz "pouca tinta magenta, não posso imprimir". 

(...) Em março de 2016, a HP liberou uma controversa atualização para suas impressoras conectadas, que ao atualizar o firmware, instalava um contador programado para ativar um recurso em setembro do mesmo ano. O recurso fez com que os equipamentos rejeitassem cartuchos de terceiros, apenas os dela própria passaram a ser aceitos. A atualização foi calculada minuciosamente para coincidir com o período de volta às aulas, onde pais e estudantes deram de cara com a limitação ao comprar novos suprimentos e materiais escolares. 

Oficialmente a HP se refere ao update como uma "atualização de segurança", mas só se for para proteger a empresa dos seus consumidores. A "bomba-relógio" foi sob todos os aspectos um malware, programado para permanecer assintomático por meses, até ser ativado no momento oportuno. 

Claro que a marmotagem pegou muito mal. A HP entrou em modo full-caveat emptor, dizendo que nunca prometeu ao consumidor que suas impressoras iriam funcionar sempre com cartuchos que não fossem fabricados por ela mesma, e que a "medida de segurança" foi tomada para evitar que "cartuchos maliciosos", que pudessem comprometer os equipamentos, pudessem ser instalados. 

Como nada disso colou, a HP acabou liberando uma atualização que removeu o update malvado, apenas para fazer tudo de novo em 2017, 2018, 2019 e 2020, sempre sincronizando o disparo do malware com a volta às aulas. 

Rir é o melhor remédio

 


14 novembro 2020

Entendo o caso da auditoria de empresas Chinesas


Uma das “brigas” na contabilidade atual é a questão da fiscalização dos trabalhos de auditoria de empresas chinesas com ações negociadas em uma bolsa de valores dos Estados Unidos. 

Tudo começou com a crise da empresa Enron, em 2001. Para evitar uma nova crise, que abalou a confiança do mercado no trabalho de auditoria nos Estados Unidos, o legislativo, sob o comando de Sarbanes e Oxley, fizeram uma reforma. Esta nova regra, conhecida como lei Sarbanes-Oxley ou lei Sarbox, criou o PCAOB, que faria a supervisão independente das empresas de auditoria, com inspeções rotineiras. Pela lei, todas empresas listadas em uma bolsa nos Estados Unidos deveria ser auditada por uma empresa registrada no PCAOB.  

Algumas empresas chinesas, ou com sede em paraísos fiscais mas com capital chinês na sua origem, poderiam ser inspecionadas. O governo chinês negou que inspetores do PCAOB cumprissem a lei. A China argumentava que a contabilidade de empresas chinesas seria “segredo de estado”. Além disto, o governo forçou que as grandes empresas de auditoria cedessem o controle das filiais chinesas para os chineses. Finalmente, no início de 2020, formalizou-se a proibição de cooperação com reguladores estrangeiros.  

Tudo isto faz com que a qualidade das demonstrações contábeis de empresas chinesas seja questionável. Não se sabe como os auditores trabalham na China. Isto atinge, inclusive, empresas multinacionais, que possuem negócios no país asiático. O laço entre os controladores das empresas com o poder na China torna tudo mais complicado; muitas empresas são instrumentos do governo chinês, conforme diversas denúncias. 

O pouco que se sabe é que a qualidade das demonstrações das empresas é ruim. O caso recente do café Luckin mostrou uma empresa que enganou facilmente seu auditor (ok, isto não é exclusividade dos chineses e Wirecard está aí para provar). E uma inspeção feita em uma auditoria realizada pela Marcum LLP também mostrou isto. Além disto, a atitude do governo chinês, que impõe uma regra tão rígida para todas as empresas, é um indicativo deste ponto.  

Leia mais aqui , incluindo o caso da Marcum

Cartoon via aqui