Translate

13 agosto 2020

Mudanças Tecnológicas e Contabilidade

 Uma pesquisa na hemeroteca da Biblioteca Nacional revela que a primeira divulgação de informação contábil através de um meio de comunicação impresso no Brasil ocorreu em 1812 com a divulgação no jornal Idade D´Ouro, da Bahia, da conta de Receita e Despesa, do Teatro de São João. Para financiar a construção deste teatro utilizou-se uma loteria, onde eram os números sorteados para prêmios em dinheiro. Até recentemente, o jornal impresso era o principal meio de divulgação das informações contábeis. Uma edição do jornal Valor Econômico já chegou a ter mais de trezentas páginas, a maioria delas de demonstrações contábeis de empresas. 

O desenvolvimento da internet e a popularização dos smartphones e das mídias sociais (Facebook, Twitter, entre outras) mudou este panorama de cinco formas básicas. A primeira é que provavelmente a consulta de demonstrações contábeis através dos jornais tem sido rapidamente substituída pela utilização do meio digital (LIU, 2005), seja pelas demonstrações armazenadas nos órgãos reguladores, como é o caso da Comissão de Valores Mobiliários, ou na consulta a própria página da empresa na internet. É estranho, nos dias atuais, imaginar alguém lendo as demonstrações contábeis de uma empresa através de um jornal (e.g. TRILLING, 2016). Este fato traz algumas consequências diretas sobre o usuário da informação contábil.

O segundo grande impacto da mudança tecnológica sobre a contabilidade e a divulgação da informação diz respeito à periodicidade da informação (e.g. GARCIA, GARCIA-GARCIA, 2010). Se no início do século XIX o Teatro São João divulgava suas informações contábeis anualmente, numa edição de um jornal, para uma população que não tinha acesso às informações - pelo analfabetismo ou pela reduzida tiragem do jornal - o mesmo não ocorre nos dias atuais. A periodicidade da informação que no passado era semanal, hoje é contada em termos de minutos. Assim, demonstrações contábeis com periodicidade trimestral perde a relevância do passado diante do grande número de informações que é disponibilizada na internet sobre a empresa.

O terceiro grande impacto corresponde ao alcance da informação. A popularização da internet e dos aparelhos eletrônicos, como os notebooks e smartphones, permitem que uma ampla parcela da população possa ter acesso a informação de uma empresa. Uma pesquisa num buscador pode mostrar, de maneira instantânea, as últimas notícias, verdadeiras ou não, de uma empresa. Corroborando isto, é possível obter muitas informações contábeis em base de dados (Economática, Reuters etc), que permitem rapidamente uma análise histórica e comparativa entre as empresas. Mais ainda, talvez seja possível ter uma informação produzida por um analista de investimento sobre o endividamento de uma empresa e seus potenciais impactos futuros (TRILLING, 2016).

Este aspecto provoca um quarto grande impacto das informações contábeis: apesar da sua produção principal ter origem na contabilidade da empresa, esta deixou de ser, em muitos casos, a única fonte da informação. A partir da análise histórica e de informações de diversas fontes, o usuário possui muito mais condições, nos dias atuais, de ter uma informação, inclusive contábil, sobre o desempenho de uma empresa. Conforme destaca Birchler e Bütler (2007), o custo de reprodução da informação caiu substancialmente nos últimos anos. Isto faz com que seja possível uma empresa reproduzir a informação do ano anterior, com algumas pequenas alterações, de forma rápida e com baixo custo. Aliado ao medo de ter informações contábeis incompletas, as empresas começaram a repetir informações dos anos anteriores ou então a reproduzir os dizeres de um pronunciamento contábil. Pesquisa realizada por Souza e Silva (2016) mostrou que muitos relatórios de empresas brasileiras apresentam similaridade ao longo do tempo. Ou seja, parte da informação já foi divulgada anteriormente. Isto traz uma outra consequência da mudança tecnológica: o grande volume de informação faz com que os usuários tenham dificuldade de focar um período de tempo longo, ao mesmo tempo que as empresas competem entre si pela atenção das pessoas. É o que se convencionou de chamar de economics of attention (Lanham, 2007).

Birchler, U., & Bütler, M. (2007). Information economics. Routledge. da Silva, M. B. N. (2011). 

Cárcaba García, A. I., & García García, J. (2010). Determinants of online reporting of accounting information by Spanish local government authorities. Local Government Studies. 

Liu, Z. (2005). Reading behavior in the digital environment: Changes in reading behavior over the past ten years. Journal of documentation, 61(6), 700-712. 

Luo, X., Zhang, J., & Duan, W. (2013). Social media and firm equity value. Information Systems Research, 24(1), 146-163. 

Trilling, David. (2016) Finding and reading a balance sheet: Accounting basics for journalists.

Vendeu vento, negociou brisa

A questão da privatização de empresas estatais volta a discussão com a saída de Salim Mattar do governo. A análise de Anne Warth é bastante interessante neste sentido (Análise: Salim Mattar 'vendeu vento' e 'negociou brisa', O Estado de S.Paulo, 12 de agosto de 2020):

Para quem chegou no governo dizendo que arrecadaria R$ 1 trilhão com a venda de estatais, Salim Mattar fez pouco. Para os críticos, ele "vendeu vento" e "negociou brisa". (...)

A inclusão de estatais no PND é apenas a primeira etapa de um longo processo até a privatização, que inclui a elaboração de notas técnicas, contratação de estudos, aprovação de órgãos de controle e realização de audiências públicas e de assembleias de acionistas.

Desde a redemocratização, todos os presidentes venderam empresas públicas. Até mesmo o governo Michel Temer, que teve uma gestão mais curta, licitou seis distribuidoras da Eletrobrás e a Celg, distribuidora de energia que pertencia também ao governo goiano.

A equipe econômica costuma dizer que muita gente joga contra as privatizações. Ninguém gosta de admitir, mas o Congresso não precisa dar aval à venda de quase nenhuma, a não ser Petrobrás, Eletrobrás, Banco do Brasil, Caixa e Correios. Em quem jogar a culpa, portanto? 

É verdade que se trata de um rito longo, próprio do setor público, e que quem vem do setor privado costuma criticar como moroso e burocrático. Mas, uma vez que todas as etapas são cumpridas, é possível privatizar as estatais. Ninguém disse que é fácil, mas não é impossível. Mais do que falar, é preciso fazer.

Sabendo que o processo é moroso - a estimativa é que cada estatal leve, em média, dois anos para ser vendida - é preciso ter foco. Cada presidente, desde a redemocratização, concluiu uma grande privatização. (...) 

Em tempo: na contabilidade pública, recursos arrecadados com a venda de estatais de controle direto são de natureza financeira e não orçamentária. Portanto, eles não entram no caixa do Tesouro e não tem o condão de zerar o déficit primário - outra promessa do governo que não será cumprida, porém essa não foi feita por Salim Mattar, mas pelo ministro da Economia, Paulo Guedes.

Foto: aqui

Rir é o melhor remédio

 

12 agosto 2020

Mídias Sociais e Preço das Ações - Parte 2

 Hoje o Valor fez uma entrevista com Trindade, ex-CVM. Eis alguns destaques:

O aumento das manifestações em redes sociais sobre mercado de capitais pode gerar manipulações de mercado, pois empresas, emissores ou investidores podem divulgar notícias falsas para estimular negociações de ações ou outros valores mobiliários, disse Marcelo Trindade, advogado e ex-presidente da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), em “live” do Valor.

Trindade reforçou, porém, que esse novo risco é fruto do crescimento da quantidade de investidores pessoa física especialmente no mercado secundário. “Isso não é diferente do que acontece fora das redes sociais e demanda a mesma atuação da CVM e do Ministério Público”, afirmou.

O ex-presidente do órgão acredita ser menos provável que empresas divulguem informações falsas, já que sanções são mais fáceis e imediatas. A boa notícia, para ele, é que as redes sociais facilitam a fiscalização, ajudando a identificar e provar relações entre os agentes.

Foto: aqui