Em 1917 H. L. Mencken publicou um artigo no New York Evening Mail lamentando que o 75o. aniversário da adoção da banheira nos Estados Unidos tenha passado sem qualquer notícia. Mencken detalhava a história da banheira nos Estados Unidos e a resistência médica a novidade. A história tem sido amplamente lida e citada, mas possui dois problemas. Primeiro, Mencken era um grande humorista, talvez um dos maiores de todos os tempos. Segundo, em 1926 o próprio autor confirmou que muito do que estava no texto era mentira. O exemplo é tão importante que possui uma entrada na Wikipedia para ele: Bathtub Hoax.
Em um artigo da PNAS, Granter e Papker Jr usam este exemplo para ilustrar os perigos da desinformação médica na era do Google. Parece muito antigo para ser um problema, mas Granter e Papker informam que muitos artigos com dados fraudulentos continuam sendo citados e apenas uma pequena parcela da citação (menos de 6%) reconhecia a fraude.
A desinformação ainda é um problema hoje, não só a despeito da tecnologia, mas também por causa dela. Aqui, propomos que a comunidade científica dedique mais recursos a abordagens tecnológicas que abordem a desinformação.
12 setembro 2018
Ex-atleta diz ter sido subtraído em US$ 77 milhões
Durante anos, Kevin Garnett foi um jogador de basquete de destaque da NBA. Em 15 oportunidades foi convocado para o jogo das estrelas, que reúne os melhores jogadores da temporada. Agora, Garnett parece ter sido subtraído em 77 milhões de dólares. O jogador acusa o gerente de patrimônio, preso, e o ex-contador.
O engraçado é que o gerente de patrimônio também enganou Tim Duncan, tendo sido condenado por isto, e Duncan e Garnett se odiavam nas quadras.
O roubo parece que contou com a participação dos bancos, que transferiram dinheiro de Garnett para a conta do gerente de patrimônio.
Situações como esta mostram como celebridades, que ganharam muito dinheiro no passado, perdem seu dinheiro, seja com gastos desnecessários ou por serem enganados por amigos e funcionários.
O engraçado é que o gerente de patrimônio também enganou Tim Duncan, tendo sido condenado por isto, e Duncan e Garnett se odiavam nas quadras.
O roubo parece que contou com a participação dos bancos, que transferiram dinheiro de Garnett para a conta do gerente de patrimônio.
Situações como esta mostram como celebridades, que ganharam muito dinheiro no passado, perdem seu dinheiro, seja com gastos desnecessários ou por serem enganados por amigos e funcionários.
11 setembro 2018
Tese em formato de artigo
Eu faço parte de um programa de pós-graduação bastante criativo, modéstia a parte. Há anos, diante da restrição de doutores na área, criamos um curso em que quatro (depois três) universidades colaboravam entre si e que permitiu a formação de centenas de mestres e dezenas de doutores. Além de ser criativo no formato, o programa também foi criativo na sua finalização, onde as três universidades optaram, de forma bastante amigável, pela separação.
Na criação do programa da UnB decidimos que a tese de doutorado seria feita no formato de artigo. Algo pouco usual na nossa área, mas que já se torna uma realidade em diversos países. A duas primeiras teses, Rafael e Mariana, já assumiram este formato.
O que seria o formato de artigo? A tese tradicional corresponde a um grande assunto, dividido em uma introdução, uma extensa revisão bibliográfica, uma metodologia, seguida da análise dos dados e conclusão. Para impressionar, geralmente a tese deve ter um tamanho acima das cem páginas. O formato artigo é diferente; a tese é composta por vários artigos, que podem ser inéditos ou não. Isto já é um heresia, já que no meio acadêmico prevalece a noção de que deve existir ineditismo e originalidade. Além disto, estes artigos devem ter uma relação entre si, com uma introdução e conclusão para amarrar os artigos individuais. É possível que um dos artigos seja uma extensa revisão bibliográfica, mas não é obrigatório.
A grande vantagem deste formato é aproximar a tese de um artigo publicável. Acreditamos que o formato pode ajudar a tirar a tese do arquivo da biblioteca da instituição e ser divulgada em um periódico. Isto ajuda o doutorando a conseguir, de forma mais rápida, um currículo acadêmico.
Mas o formato artigo tem alguns desafios. Em primeiro lugar, é necessário vencer a resistência dos acadêmicos tradicionais. Em geral isto é possível diante da longa história de trabalhos que não foram publicados. Para um orientador, a dedicação sem um resultado de publicação é realmente frustrante. E este é provavelmente um grande critério que um professor orientador usa no momento de definir suas orientações: será que este aluno irá ajudar na publicação.
O segundo desafio é evitar a repetição. Se você está construindo três artigos sobre um mesmo assunto, é provável que parte das referências e da própria metodologia esteja repetida.
O terceiro desafio é o fato de que o artigo pode não ser aceito por um periódico. Isto gera uma insegurança no doutorando. Mas este aspecto foi bem abordado no link citado acima:
O importante é lembrar que a rejeição é uma parte normal do processo. A decisão nem sempre é sobre a qualidade do trabalho, mas seu encaixe no periódico naquele momento específico.
O quarto desafio é a relação com o orientador, que será diferente neste formato. Na tese tradicional, o trabalho, depois de aprovado, era transformado em artigo. Na minha experiência de orientador, já tive situações onde o orientando decidiu não publicar; o sentimento do orientador é de perda de tempo. Também já tive situações onde o orientando optou por publicar sozinho; respeito sempre esta decisão, mas se foi um aluno de mestrado, recusarei a orientação no doutorado. E já tive casos em que atuei como um orientador informal em que fui convidado a participar da publicação. Em alguns programas, como é o caso do doutorado da UnB, parte da publicação deve ser com o orientador, obrigatoriamente. Mas esta obrigação não existe no mestrado do programa. Caso o orientador participe do trabalho, conversando, dando ideias e/ou fazendo parte do trabalho é natural que seja considerado como autor do artigo.
O quinto desafio é a curva de aprendizagem do orientador. Estamos acostumados ao formato tradicional; o formato artigo possui diversos problemas - repetição, rejeição de publicação, distinguir pesquisas próximas, entre outros - que não sabemos ainda como lidar. Somente a experiência de orientação vai solucionar isto. Para o orientador é um novo recomeço, uma nova experiência.
Apesar dos desafios, creio que há grandes ganhos no formato artigo. Suas vantagens superam amplamente os desafios. Acredito que permita aumentar a produção de artigos originários dos trabalhos finais de curso.
Aqui uma postagem anterior sobre o mesmo assunto
Na criação do programa da UnB decidimos que a tese de doutorado seria feita no formato de artigo. Algo pouco usual na nossa área, mas que já se torna uma realidade em diversos países. A duas primeiras teses, Rafael e Mariana, já assumiram este formato.
O que seria o formato de artigo? A tese tradicional corresponde a um grande assunto, dividido em uma introdução, uma extensa revisão bibliográfica, uma metodologia, seguida da análise dos dados e conclusão. Para impressionar, geralmente a tese deve ter um tamanho acima das cem páginas. O formato artigo é diferente; a tese é composta por vários artigos, que podem ser inéditos ou não. Isto já é um heresia, já que no meio acadêmico prevalece a noção de que deve existir ineditismo e originalidade. Além disto, estes artigos devem ter uma relação entre si, com uma introdução e conclusão para amarrar os artigos individuais. É possível que um dos artigos seja uma extensa revisão bibliográfica, mas não é obrigatório.
A grande vantagem deste formato é aproximar a tese de um artigo publicável. Acreditamos que o formato pode ajudar a tirar a tese do arquivo da biblioteca da instituição e ser divulgada em um periódico. Isto ajuda o doutorando a conseguir, de forma mais rápida, um currículo acadêmico.
Mas o formato artigo tem alguns desafios. Em primeiro lugar, é necessário vencer a resistência dos acadêmicos tradicionais. Em geral isto é possível diante da longa história de trabalhos que não foram publicados. Para um orientador, a dedicação sem um resultado de publicação é realmente frustrante. E este é provavelmente um grande critério que um professor orientador usa no momento de definir suas orientações: será que este aluno irá ajudar na publicação.
O segundo desafio é evitar a repetição. Se você está construindo três artigos sobre um mesmo assunto, é provável que parte das referências e da própria metodologia esteja repetida.
O terceiro desafio é o fato de que o artigo pode não ser aceito por um periódico. Isto gera uma insegurança no doutorando. Mas este aspecto foi bem abordado no link citado acima:
O importante é lembrar que a rejeição é uma parte normal do processo. A decisão nem sempre é sobre a qualidade do trabalho, mas seu encaixe no periódico naquele momento específico.
O quarto desafio é a relação com o orientador, que será diferente neste formato. Na tese tradicional, o trabalho, depois de aprovado, era transformado em artigo. Na minha experiência de orientador, já tive situações onde o orientando decidiu não publicar; o sentimento do orientador é de perda de tempo. Também já tive situações onde o orientando optou por publicar sozinho; respeito sempre esta decisão, mas se foi um aluno de mestrado, recusarei a orientação no doutorado. E já tive casos em que atuei como um orientador informal em que fui convidado a participar da publicação. Em alguns programas, como é o caso do doutorado da UnB, parte da publicação deve ser com o orientador, obrigatoriamente. Mas esta obrigação não existe no mestrado do programa. Caso o orientador participe do trabalho, conversando, dando ideias e/ou fazendo parte do trabalho é natural que seja considerado como autor do artigo.
O quinto desafio é a curva de aprendizagem do orientador. Estamos acostumados ao formato tradicional; o formato artigo possui diversos problemas - repetição, rejeição de publicação, distinguir pesquisas próximas, entre outros - que não sabemos ainda como lidar. Somente a experiência de orientação vai solucionar isto. Para o orientador é um novo recomeço, uma nova experiência.
Apesar dos desafios, creio que há grandes ganhos no formato artigo. Suas vantagens superam amplamente os desafios. Acredito que permita aumentar a produção de artigos originários dos trabalhos finais de curso.
Aqui uma postagem anterior sobre o mesmo assunto
Síndrome do impostor
A sindrome do impostor é a sensação que temos que estamos fora do lugar no nosso trabalho; é a sensação que temos que não estamos preparados para fazer o que estamos fazendo. É o nosso sentimento de fraude no trabalho que fazemos.
A pesar de haber demostrado su competencia en el día a día, las personas que sufren el síndrome del impostor están convencidas de que no merecen el puesto que tienen o el éxito que han conseguido. Cuando les va bien, piensan que es cuestión de suerte o coincidencia. Les cuesta trabajo creer en su talento y sienten que engañan a todo el mundo.
Parabéns se você já sentiu a síndrome do impostor. Sinal que tem um senso crítico razoável. E talvez seja uma condição prévia para aprender: reconhecer as suas limitações.
A pesar de haber demostrado su competencia en el día a día, las personas que sufren el síndrome del impostor están convencidas de que no merecen el puesto que tienen o el éxito que han conseguido. Cuando les va bien, piensan que es cuestión de suerte o coincidencia. Les cuesta trabajo creer en su talento y sienten que engañan a todo el mundo.
Parabéns se você já sentiu a síndrome do impostor. Sinal que tem um senso crítico razoável. E talvez seja uma condição prévia para aprender: reconhecer as suas limitações.
Morosidade da justiça brasileira 2
O problema da morosidade da justiça não decorre da falta de recursos. Pelo contrário: há muito dinheiro. Veja outra notícia sobre o assunto:
Se comparados com os vencimentos de juízes em outros países, porém, os contracheques do Judiciário brasileiro estão longe de ser modestos. Um estudo de 2016 da Comissão Europeia para a Eficiência da Justiça (Cepej, na sigla em francês) mostra que, em 2014, um juiz da Suprema Corte dos países do bloco ganhava 4,5 vezes mais que a renda média de um trabalhador europeu. No Brasil, o salário-base de R$ 33,7 mil do Supremo Tribunal Federal corresponde a 16 vezes a renda média de um trabalhador do país (que era de R$ 2.154 no fim de 2017).
Em 2014, um magistrado da Suprema Corte de um país da União Europeia recebia, em média, 65,7 mil euros por ano. Ao câmbio de hoje, o valor equivaleria a cerca de R$ 287 mil - ou R$ 23,9 mil mensais.
Segundo a última edição do relatório Justiça em Números, produzido pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o Brasil tem hoje cerca de 18 mil magistrados (juízes, desembargadores, ministros). Eles custam cada um, em média, R$ 47,7 mil por mês - incluindo salários, benefícios e auxílios. O custo de um magistrado é portanto quase 40 vezes a renda média do trabalhador brasileiro.
Se os salários no STF forem reajustados para R$ 39,3 mil, passarão a ser 39 vezes maiores que o salário mínimo previsto para 2019 - de R$ 998.
Se comparados com os vencimentos de juízes em outros países, porém, os contracheques do Judiciário brasileiro estão longe de ser modestos. Um estudo de 2016 da Comissão Europeia para a Eficiência da Justiça (Cepej, na sigla em francês) mostra que, em 2014, um juiz da Suprema Corte dos países do bloco ganhava 4,5 vezes mais que a renda média de um trabalhador europeu. No Brasil, o salário-base de R$ 33,7 mil do Supremo Tribunal Federal corresponde a 16 vezes a renda média de um trabalhador do país (que era de R$ 2.154 no fim de 2017).
Em 2014, um magistrado da Suprema Corte de um país da União Europeia recebia, em média, 65,7 mil euros por ano. Ao câmbio de hoje, o valor equivaleria a cerca de R$ 287 mil - ou R$ 23,9 mil mensais.
Segundo a última edição do relatório Justiça em Números, produzido pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o Brasil tem hoje cerca de 18 mil magistrados (juízes, desembargadores, ministros). Eles custam cada um, em média, R$ 47,7 mil por mês - incluindo salários, benefícios e auxílios. O custo de um magistrado é portanto quase 40 vezes a renda média do trabalhador brasileiro.
Se os salários no STF forem reajustados para R$ 39,3 mil, passarão a ser 39 vezes maiores que o salário mínimo previsto para 2019 - de R$ 998.
Morosidade da justiça brasileira
A morosidade da justiça brasileira é muito grande. A presença de recursos, prazos diversos e permissividade com a alegação de permitir a defesa ampla das partes é totalmente irracional.
Veja o caso de um processo julgado no início de setembro pelo STJ (via aqui), envolvendo a Estrela e a União. Neste processo, a empresa de brinquedos pede indenização por prejuízos com a mudança da alíquota de importação e abertura do mercado nacional em ... 1994. Há 24 anos o governo federal reduziu o imposto de importação, de 30% para 20%. A empresa alega que os produtos chineses invadiram o mercado e foi responsável pelo fechamento de fábricas.
O tribunal deu ganho de causa para o governo. O argumento de que a empresa sabia com antecedência da mudança na política industrial prevaleceu. A questão já ultrapassa a duas décadas e faz a alegria dos advogados - que “trabalharam” nestes 24 anos.
O problema poderia ser resolvido de duas formas: redução nas possibilidades de extensões de prazo e eliminação dos pedidos de vista. Eis o que diz a notícia:
O julgamento foi retomado no STJ com o voto-vista do ministro Benedito Gonçalves. O magistrado já havia acompanhado o relator, o ministro Gurgel de Faria. Mas resolveu pedir vista depois das manifestações dos demais integrantes da turma.
Duas observações e que enfatizam a sugestão de eliminar os pedidos de vista:
1) os processos no STJ já são, há tempos, eletrônicos. Assim, o ministro Gonçalves poderia ter tido acesso ao processo a qualquer momento.
2) quem conhece os tribunais superiores em Brasília sabe que o trabalho de um ministro é feito principalmente pelos seus funcionários. Assim, quando um ministro pede vista a sua assessoria já deveria ter um posicionamento sobre o assunto.
Com estas duas medidas, os processos seriam mais céleres, reduzindo o que o país gasta com atividades que não agrega valor; no caso, rábulas.
Veja o caso de um processo julgado no início de setembro pelo STJ (via aqui), envolvendo a Estrela e a União. Neste processo, a empresa de brinquedos pede indenização por prejuízos com a mudança da alíquota de importação e abertura do mercado nacional em ... 1994. Há 24 anos o governo federal reduziu o imposto de importação, de 30% para 20%. A empresa alega que os produtos chineses invadiram o mercado e foi responsável pelo fechamento de fábricas.
O tribunal deu ganho de causa para o governo. O argumento de que a empresa sabia com antecedência da mudança na política industrial prevaleceu. A questão já ultrapassa a duas décadas e faz a alegria dos advogados - que “trabalharam” nestes 24 anos.
O problema poderia ser resolvido de duas formas: redução nas possibilidades de extensões de prazo e eliminação dos pedidos de vista. Eis o que diz a notícia:
O julgamento foi retomado no STJ com o voto-vista do ministro Benedito Gonçalves. O magistrado já havia acompanhado o relator, o ministro Gurgel de Faria. Mas resolveu pedir vista depois das manifestações dos demais integrantes da turma.
Duas observações e que enfatizam a sugestão de eliminar os pedidos de vista:
1) os processos no STJ já são, há tempos, eletrônicos. Assim, o ministro Gonçalves poderia ter tido acesso ao processo a qualquer momento.
2) quem conhece os tribunais superiores em Brasília sabe que o trabalho de um ministro é feito principalmente pelos seus funcionários. Assim, quando um ministro pede vista a sua assessoria já deveria ter um posicionamento sobre o assunto.
Com estas duas medidas, os processos seriam mais céleres, reduzindo o que o país gasta com atividades que não agrega valor; no caso, rábulas.
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