Translate

05 agosto 2016

Diagnóstico Sistemático do Brasil pelo Banco Mundial

Neste link você pode encontrar o excelente Relatório do Banco Mundial sobre o Brasil denominado :
RETOMANDO O CAMINHO PARA A INCLUSÃO, O CRESCIMENTO E A SUSTENTABILIDADE
O texto abaixo é um resumo do relatório:

Martin RaiserValor Econômico

Na última década, o Brasil deu um exemplo para o mundo de como conjugar o aumento da renda e a estabilidade macroeconômica a um nível mais elevado de inclusão social e redução da pegada ambiental. Entre 2003 e 2013, a pobreza e a desigualdade tiveram reduções acentuadas, resultado do rápido aumento da taxa de empregos formais, salários reais mais elevados e políticas de assistência social inclusivas como o Bolsa Família. Houve melhora no acesso à educação, saúde, recursos hídricos e saneamento, principalmente entre os 40 por cento mais pobres da população. Ao mesmo tempo, o Brasil reduziu o desmatamento em 82% entre 2004 e 2014. Após décadas de desenvolvimento desigual, parecia que o Brasil havia finalmente conseguido conjugar crescimento, estabilidade, equidade e sustentabilidade ambiental.

Hoje, a profunda crise econômica enfrentada pelo Brasil ameaça essas conquistas. O que deu errado? Em parte, o fato do sucesso brasileiro ter sido construído em bases voláteis. O fim do super-ciclo das commodities enfraqueceu o modelo de crescimento atrelado ao consumo no Brasil. Os esforços do governo para estimular a demanda vêm tendo pouco impacto e um custo fiscal cada vez mais elevado. O retorno dos déficits públicos e a crescente incerteza política minaram a confiança no país e o submergiram na pior recessão em décadas.

No entanto, há desafios estruturais mais profundos por trás das dificuldades econômicas enfrentadas atualmente pelo Brasil. Recentemente, em um diagnóstico amplo dos desafios de desenvolvimento do país, identificamos cinco grandes restrições que o Brasil precisa superar para retomar o caminho da inclusão, do crescimento e da sustentabilidade. A superação dessas restrições não será fácil. Em todas as áreas, no entanto, o Brasil pode construir sobre as realizações do passado e lançar mão de experiências internacionais ao traçar o caminho à frente.

Em primeiro lugar, os grandes dispêndios com a população não-pobre - consagrados na lei através de vinculações orçamentárias e regras de indexação - minam a estabilidade fiscal, reduzem o espaço para investimentos públicos e limitam os recursos disponíveis para políticas socialmente inclusivas. Por exemplo, em 2014 os gastos dos dois regimes públicos de previdência foram seis vezes maiores do que todas as prestações de seguridade social, incluindo as pensões rurais. A reforma do sistema previdenciário ou a redução de subsídios desnecessários a empresas geraria uma economia de recursos suficiente para reduzir os déficits fiscais e também ampliar as transferências aos pobres, que são os que mais sofrem com os efeitos da recessão.

Em segundo lugar, as fragilidades da governança do setor público e a fragmentação institucional dificultam a formulação, o planejamento e a implementação de políticas de longo prazo. Por exemplo, embora o nível de acesso tenha aumentado consideravelmente nas últimas duas décadas, a qualidade dos serviços de saúde e educação no Brasil permanece baixa. A ineficiência é grande e muitas vezes faltam (ou são ignoradas) evidências concretas de quais políticas funcionam e quais não. Isto também vale para os grandes programas de infraestrutura, que vêm sofrendo com custos excessivos e atrasos e não conseguem preencher a lacuna de infraestrutura do país. No entanto, o nosso trabalho com vários governos estaduais demonstra que é possível melhorar a qualidade da prestação de serviços - desde a educação no Rio de Janeiro e em Pernambuco, até a gestão de recursos hídricos no Ceará, às reformas das compras públicas no Amazonas. A aprendizagem com estes casos de sucesso e sua ampliação podem melhorar os serviços públicos e economizar recursos.

Em terceiro lugar, a segmentação dos mercados financeiros, a falta de crédito de longo prazo e as taxas de juros elevadas podem distorcer a alocação de capital e dificultar os investimentos privados. Essas distorções aumentaram recentemente com a expansão das linhas de crédito oferecidas pelos bancos públicos. No futuro, usar os bancos públicos para atrair financiamento privado reduzindo os riscos, ao invés de subsidiar o custo do crédito, talvez seja a melhor opção a seguir.

Em quarto lugar, a concorrência insuficiente e um ambiente de negócios deficiente diminuem o apetite dos investidores e desaceleram a criação de empregos produtivos. O Brasil continua sendo a mais fechada entre as principais economias do mundo, atrás da maioria de seus pares na qualidade do seu ambiente de negócios. Muitas empresas brasileiras são de pequeno porte, com gestão ineficiente e poucos incentivos para crescer e aumentar a produtividade. Ainda assim, certas empresas brasileiras - como a Embraer - conseguiram se destacar por sua inovação e diligência. Os empresários brasileiros precisam aprender com os melhores para conseguirem competir no mercado global. A concorrência seria mais fácil se o ambiente empresarial fosse mais competitivo e a infraestrutura fosse aprimorada para reduzir o custo de penetração nos mercados mundiais.

Em quinto lugar, as deficiências na gestão dos recursos naturais no Brasil prejudicam a plena exploração do potencial de crescimento verde do país. Os principais problemas estão relacionados à fragmentação institucional, às políticas de precificação da água e de outros recursos naturais e à urbanização mal planejada, com assentamentos informais em situação de risco de inundação, contaminação e outros problemas de saúde. Porém, dotado de um arcabouço adequado de políticas, o Brasil pode se valer do seu papel de líder em negociações internacionais sobre o clima para atrair financiamento verde e instituir um novo motor de crescimento sustentável.

Os problemas estruturais do Brasil já existem há muito tempo. A resolução desses problemas não pode mais ser adiada, mesmo que ainda não haja consenso no caminho a ser seguido. O Brasil já introduziu inovações importantes em suas políticas com base em amplo consenso político e forte monitoramento - alguns dos exemplos mais proeminentes são a Lei de Responsabilidade Fiscal, o Programa Bolsa Família e a redução do desmatamento na Amazônia. Espera-se que o país consiga fazê-lo novamente.

Rir é o melhor remédio


03 agosto 2016

Sete Brasil

Retrospectiva – A empresa foi fundada em 2011, como consequência da expectativa da exploração do petróleo no Brasil, na camada pré-sal. Seus acionistas eram fundos de pensão, bancos, empresas de investimento e a Petrobras. Logo após sua criação, a empresa venceu licitações na Petrobras para construção de 28 sondas. Em 2013, recursos institucionais do FGTS, no total de 2,5 bilhões, foram alocados na empresa por meio de debêntures.

Continuidade – A palavra continuidade é usada 16 vezes na demonstração financeira do exercício encerrado em 31 de dezembro de 2015. Na primeira vez, na abertura das notas explicativas, informa-se que “não há como assegurar a continuidade operacional do grupo no atual cenário. Com isso, (...) contratou uma firma internacionalmente reconhecida para elaborar um laudo de avaliação do valor de mercado dos ativos e, consequentemente, suportar o valor de recuperabilidade de cada ativo”. Ocorreu uma mudança de atitude na empresa, já que no ano anterior as demonstrações foram preparadas sob o pressuposto da continuidade. Com efeito, nas demonstrações é possível encontrar frases como “situação de elevada probabilidade de não continuidade” ou “dúvida substancial sobre a continuidade operacional da Companhia”.

Efeitos da Recuperabilidade – é possível verificar os efeitos tanto nas diversas demonstrações contábeis da empresa. No balanço, o ativo da controladora caiu de quase 10 bilhões de reais, para 1,9 bilhão. A principal alteração foi na linha “investimentos”, que de 8,4 bilhões, no final de 2014, passou para zero um ano depois. Do ativo da empresa no final de 2015, 93% corresponde a “partes relacionadas”, do circulante. Já o ativo do balanço consolidado caiu de 23,7 bilhões para 491 milhões de reais entre final de 2014 e 2015. A principal alteração está no item imobilizado (de 23,3 bilhões para 488 milhões de reais). Ao mesmo tempo em que ocorreu uma redução substancial no ativo, o passivo aumentou, de 16,2 bilhões para 23,7 bilhões de reais. A empresa tinha ao final de 2015 14,6 bilhões de empréstimos e financiamentos.

Se o ativo reduziu em 23 bilhões e o passivo aumentou, o efeito vai aparecer no patrimônio líquido. No balanço consolidado do final do ano de 2014 o patrimônio líquido era de 7,7 bilhões; um ano depois tinha a situação de passivo a descoberto, ou seja, patrimônio líquido negativo de 23 bilhões.

A demonstração do resultado, o prejuízo operacional de 148 milhões de 2014 aumentou para 35 bilhões de reais, sendo 34 bilhões decorrente da perda de recuperabilidade. As despesas financeiras aumentaram de 34 milhões para 1,055 bilhão. Mas a empresa foi ajudada com variações cambiais: 4,5 bilhões positivo. O resultado líquido foi de 31,3 bilhões; ou 32,5 bilhões, considerando o resultado abrangente.

Empréstimos e financiamentos – Conforme informado, o volume de empréstimos era de 14,6 bilhões para um ativo de menos de meio bilhão. Somando com debêntures, a dívida onerosa era de 17,4 bilhões em 31 de dezembro de 2015 e 13,6 bilhões um ano antes. Como a empresa tem sérias dúvidas sobre a chance de continuidade no futuro, é sempre interessante saber quem são aqueles que dificilmente irão receber seus recursos. A análise das demonstrações mostra que os principais credores são na ordem: FGTS, Caixa Econômica Federal e três operações de empréstimo-ponte onde estão envolvidas as grandes instituições financeiras que atuam no Brasil: Banco do Brasil, Itau, Santander e Bradesco. Segundo o Valor Econômico (TORRES, Fernando. Conta da Sete Brasil para bancos fica em R$10 bi, 2 de agosto de 2017) o Banco do Brasil seria o principal credor, com R$3,5 bilhões, seguido FGTS.

Um aspecto que chama a atenção é que a soma da dívida onerosa no final de 2014 era de R$ 13,6 bilhões. E isto gerou em 2015 despesas financeiras de R$1 bilhão. Numa conta grosseira, dividindo a despesa financeira pelo valor da dívida temos 7,4%, que corresponderia a taxa de juros aproximada dos empréstimos. Este valor está superestimado, já que a nota explicativa informa que as despesas com juros de empréstimos foram de R$879 milhões. (Note que considerando o valor médio de empréstimos e financiamentos e este valor de despesa, a taxa de juros das dívidas onerosas seria de 5%. E isto é taxa nominal. Considerando uma inflação de 8%, tem-se uma taxa real de juros negativa).

Geração de caixa - poderia argumentar que a amortização contábil seria um lançamento que não afetaria caixa. Entretanto, analisando o fluxo de caixa da empresa tem-se que um caixa das operações negativo em 119 milhões. É certo que este resultado é melhor que o obtido em 2014, mas o balanço mostra que a empresa tinha, no final de 2015, 196 milhões de caixa e equivalentes. Persistindo a situação do ano passado, a empresa em poucos meses não terá mais caixa. Outro aspecto interessante do fluxo de caixa é que brusca redução do fluxo de investimento. Se no ano de 2014 este fluxo era negativo em 5 bilhões, em 2015 praticamente zerou, com a redução expressiva da aquisição de imobilizado.

Corrupção - a Sete Brasil foi criada recentemente diante do sonho de aproveitar o petróleo como indutor do crescimento econômico. Mas a empresa dependia de um cliente somente: a Petrobras. Tendo sido criado um esquema de corrupção na estatal, era natural que o mesmo tenha ocorrido na empresa. O depoimento de Pedro Barusco indicou que ex-executivos da Sete Brasil combinavam pagamentos de 1% dos valores dos contratos de construção das sondas. A empresa informa que moveu ações de responsabilidade civil contra estas pessoas. Mas uma das consequências é que a empresa não está conseguindo empréstimos junto ao BNDES, que poderia reduzir a possibilidade de descontinuidade. Além disto, a operação Lava Jato foi responsável pela ênfase no relatório do auditor.

Mas o problema da Sete Brasil com a justiça não é tão simples quanto a empresa faz crer. A empresa informa não foi “intimada pelas autoridades competentes” e que “diversas ações foram adotadas (...) no sentido de investigar detalhadamente as alegações, não tendo sido identificados nenhum ato ilícito em relação aos contratos com terceiros”. Mas nada impede que processos da CVM sejam abertos, investigação sobre o aporte do FGTS na empresa seja objeto de questionamento e os fundos de pensão que investiram na empresa queiram um aprofundamento das investigações.
É sintomático que as quatro vezes que a palavra Lava Jato é citada nas demonstrações, duas tenham origem no texto do auditor, que o termo “corrupção” não conste das informações e que “propina” seja citada uma vez. Além disto, a empresa não fez nenhum impairment em razão da corrupção, ao contrário do que ocorreu com a Petrobras.

Impairment - O impairment realizado pela empresa é o principal ponto das demonstrações contábeis. A perda de recuperabilidade de 34 bilhões é muito expressiva. E alguns detalhes aparecem na nota explicativa 12a. Neste ponto a empresa usa de jargões e não fornece informações relevantes para o usuário.

Segundo a empresa, a perda na recuperabilidade significa que a Administração reconhece não ser possível assegurar a continuidade das unidades. Fala em “dificuldades de financiabilidade (sic) do projeto” como “principal motivador para reestruturar o plano de investimentos”. Não seria melhor falar em paralisação das operações?

Para fazer o teste, a Sete Brasil contratou um “consultoria independente de reconhecimento internacional”. A Sete Brasil revela que está usando o serviço da Alvarez & Marsal, especializada em recuperação de empresas, mas não informa o nome da consultoria que fez a avaliação do imobilizado, responsável pela amortização da empresa. Qual a razão? Pelo que foi informado pela empresa a abordagem usada é no mínimo simplória: dados históricos dos preços pagos de vendas de ativos similares, com ajustes e estimativa do custo de reconstruir a unidade inteira de forma “idêntica”, que a empresa chama de “princípio da substituição” quando conhecemos como custo de reposição (que é um pouco diferente do custo corrente). O problema é que o mercado de sondas, o principal produto da Sete Brasil, não é algo como a produção de pregos, computadores ou sapatos. São produtos específicos, onde a obtenção de dados históricos é muito difícil. E isto está claro no item “referências de operações recentes de ativos similares” (observe que o termo é similar, não idêntico) são citados dois casos somente.

A partir daí, analisou-se a evolução física das ondas em construção pela empresa. Assim, sondas que tiveram uma evolução física menor que 5% foram considerados como tendo um valor justo de zero.

Vamos fazer um breve exercício numérico nesta postagem. As duas operações de venda de sondas citadas pela Sete Brasil tiveram um custo de 860 milhões de dólares e 700 milhões de dólares, sendo a primeira vendida por 24,4% deste valor e a segunda por 9,3%. A empresa informa que existem duas sondas já quase concluídas da empresa tiveram um custo de 2,5 bilhões cada, que corresponde a 750 milhões de dólares no câmbio atual. Considerando 9,3% sobre duas sondas cujo cronograma físico está mais avançado, temos um valor aproximado de R$476 milhões, que corresponde a quase o mesmo valor existente no imobilizado no final de 2015. Aplicando o mesmo critério em todas as sondas da empresa o valor seria de R$3,2 bilhões. Bem acima do montante encontrado pela empresa. Mas o critério para avaliar as ondas pela empresa contratada não seria os dados históricos pagos em vendas similares e a estimativa de custo para reconstruir? Outra informação que reforça que o valor da recuperabilidade seja muito pessimista é o fato de que das 29 sondas o valor médio da baixa foi de 99,13%. Ou seja, somente foi considerado em média 0,87% do valor contábil. Este valor é um pouco menor que a relação entre o valor após a recuperabilidade e antes do teste: 1,4%. Mas independente da medida, o valor obtido é reduzido.

Um argumento a favor do laudo da consultoria é que no valor de custo estão inclusos ineficiências e pagamentos da corrupção. Mas o valor encontrado parece que as sondas foram avaliadas muito mais como sucatas do que como ativos.

Motivos - São possíveis várias explicações para o excesso de perda que consideramos anteriormente. Primeiro, em situações onde a empresa pretende fazer uma grande redução no valor do ativo, é usual que as empresas façam em valores excessivos para evitar novas baixas no futuro. Nestas situações, os gestores preferem pecar por excesso. Uma segunda razão pode ser a insegurança da empresa contratada com respeito ao laudo. E esta incerteza pode ter sua origem na possível descontinuidade, o que levaria a liquidação forçada, aos desdobramentos da investigação de corrupção, aos problemas do mercado do petroleo entre outros. Esta incerteza pode ser a mesma que levou a empresa de auditoria a não expressar nenhuma opinião no laudo de avaliação. Outra possível explicação é a estratégia da gestão de crise da empresa, onde reduzir ao máximo o valor do ativo pode conduzir a melhores termos na negociação futura com os credores.

Conclusão - se nas demonstrações de 2014 os valores estavam em excesso, aparentemente o resultado do teste de recuperabilidade pode estar reduzindo em excesso o ativo.

PL 257

[...]

o Projeto de Lei Complementar (PLP) 257 surge também como uma volta ao básico. Embora tenha sido alçado ao conhecimento público como o projeto que perdoa a dívida dos Estados com a União, ele vai muito além.

Os entes subnacionais entraram em colapso, informação que deixou de ser novidade depois que as mazelas de Estados emblemáticos como Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul ficaram conhecidas em rede nacional. Dentre as medidas de socorro surgiu um acordo entre União e Estados, em que a renegociação das dívidas ganhou relevância, mas o que de fato importa, que é a necessidade de um ajuste estrutural nas contas dos Estados, passou quase que despercebido. Afinal, todos se concentraram em criticar (mais ou menos acertadamente) a irresponsabilidade fiscal dos governos estaduais, sem se aprofundar no que o projeto tem de mais relevante, que são as contrapartidas de ajuste e as correções no conceito de pessoal da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).

Parte-se da constatação de que o problema dos Estados não é de endividamento, e sim do atual patamar de gastos correntes. Estes crescem historicamente acima da inflação e, mais grave, acima da taxa de crescimento das receitas. A conta é simples: se os gastos – em particular os de pessoal – aumentam acima do crescimento das receitas e se, adicionalmente, as receitas param de crescer, é natural que, mais cedo ou mais tarde, as despesas superem as receitas. Estamos no mais tarde, isso já aconteceu há muito na maioria dos Estados brasileiros e ficou mais evidente a partir da frustração de receitas extraordinárias e ordinárias que passamos a enfrentar desde o início de 2015.

Voltemos, então, aos conceitos. Os Estados sofreram colapso semelhante na década de 1990, quando então se partiu para a renegociação das dívidas com a União, culminando na Lei de Responsabilidade Fiscal, editada em 2000. Um dos objetivos da LRF era evitar uma nova crise fiscal dos entes subnacionais e para isso um dos pilares foi a definição de um teto para o comprometimento da receita com despesas de pessoal. A ideia é simples: há que limitar os gastos com pessoal para que sobrem recursos para investimentos e custeio da máquina pública.

Afinal, de que servem médicos se não há remédios ou hospitais minimamente equipados? Ou policiais sem viaturas ou equipamentos de segurança e armas? Ou professores sem escolas, ou dando aulas para alunos sem merenda, ou sem alunos por falta de transporte?

Não foi, portanto, por arbitrariedade do legislador, ou pura e simples maldade ou malquerença em relação aos servidores públicos – e menos ainda para evitar o desenvolvimento de instituições fundamentais como o Judiciário, o Ministério Público ou a Defensoria Pública – que se definiu um teto para as despesas de pessoal. Ao contrário, foi para que se exigisse uma gestão eficiente de recursos que são escassos (sim, os recursos públicos também o são!). Esse teto foi então estipulado em 60% para o caso dos Estados e distribuído entre os diversos Poderes de forma a que cada um tenha de atender a seu limite máximo.

Ao longo do tempo, contudo, o que se observa é que os Estados, legitimados pelos Tribunais de Contas, têm driblado esse teto ao criar despesas de pessoal fora dos conceitos da LRF. Auxílios de toda sorte, verbas indenizatórias e até mesmo despesas com pensionistas e o Imposto de Renda sobre a folha de pessoal têm sido considerados como “outras despesas”, sendo excluídas dos limites da LRF.

O que o PLP 257 faz é aprimorar o conceito e incluir essas despesas dentro dos limites, dando aos Estados – e a todos os Poderes – o prazo de dez anos para se reenquadrarem nos limites originais. Adicionalmente, esse projeto estabelece um controle para o aumento das despesas correntes, a exemplo do que faz a proposta de emenda constitucional (PEC) dos gastos. O objetivo é garantir que, passados os 24 meses de carência, os Estados consigam arcar com o serviço das dívidas – e não tenham consumido esse espaço com novas despesas obrigatórias, o que invariavelmente nos levará novamente à mesa de negociação em 2018.

Logo, é descabido o argumento de que haverá um desmonte da Lava Jato ou demissões em massa nos Poderes autônomos como consequência da aprovação do PLP 257. Há que voltar ao básico e levantar a questão da forma certa – com base nos números corretos: se estamos gastando, 75%, 80%, 85% das nossas receitas com despesas de pessoal e não têm sobrado recursos para garantir condições de trabalho aos milhares de servidores públicos, tampouco para investimentos básicos, é preciso refazer o debate.

E esse debate passa pela definição de prioridades e por exigir eficiência na gestão dos recursos públicos, inclusive no que se refere a recursos humanos. Essa é a única forma de garantir a sustentabilidade dos direitos adquiridos pelos servidores e a solidez institucional dos diversos Poderes. Há aí uma agenda que precisa ser aberta. Mas não será escamoteando os números e fingindo que o problema não existe que conseguiremos reverter o desequilíbrio atual e fazer o debate necessário.