Em meados do século XX iniciou-se a mensuração do processo de
inflação no Brasil. A inflação de 1945 chegou a 11%. No ano seguinte chegou a
22%, tendo recuado no ano seguinte. O gráfico a seguir mostra a evolução da
inflação no período, mostrando que a variação de preço era elevada no período,
embora sem atingir 100% no triênio.
A evolução dos preços trouxe preocupação sobre os balanços
das empresas, especialmente as indústrias. É bom lembrar que o Brasil viveu um surto de industrialização durante o governo Vargas.
Em 1942, um artigo publicado no O Observador Econômico e
Financeiro (I), a partir de um estudo realizado pela Federação das Indústrias
do Estado de São Paulo, analisava a subavaliação das instalações industriais em
razão do caráter familiar das empresas, a acumulação dos lucros e a não
distribuição e a desvalorização da moeda. Com respeito a este último item (II):
A desvalorização da
moeda é um fenômeno internacional, para não dizermos universal; o seu processo
aumentou evidentemente, o valor monetário das instalações, refletindo, por
conseguinte, numa sub-avaliação das instalações em relação ao capital
nominalmente representado [grafia da época].
Mais adiante o texto comenta o efeito deste problema:
(...) com a vigência
da sub-avaliação os fundos destinados à amortização não correspondem às
necessidades, uma vez que é em percentagem menor que à realmente necessária
Como solução possível para este problema tem-se a
reavaliação
Dentre as vantagens
que adviriam de uma reavaliação das instalações e capitais, enumeram-se as
econômicas e as fiscais
É interessante notar que o texto comenta a necessidade de
reavaliação de parte do longo prazo e do capital. Trinta e quatro anos depois,
através da Lei 6.404, foi criado em mecanismo de correção para estas contas.
Em 1945 a Companhia Cervejaria Bohemia, na sua assembleia
extraordinária de final de ano, deliberou sobre o lado “dos peritos, relativo a
reavaliação do ativo social e resultado da subscrição do aumento de capital,
bem como demais atos relativos ao referido aumento” (III).
Em 1947 o legislativo brasileiro analisa a proposição 207,
que criava um imposto sobre a reavaliação do patrimônio imobilizado das
sociedades, para os ativos adquiridos antes de 1942 (IV). Esta discussão era
principalmente de ordem tributária: aumentava-se a arrecadação ao reconhecer os
efeitos da desvalorização da moeda. O senado fez emendas a proposta e a câmara
negou no final de novembro (V). Nas discussões que ocorreram, gostaria de
destacar a seguinte contribuição do senador Roberto Simonsen:
Conhecendo a resolução
de S. Exa de fazer incluir na reforma do imposto de renda um dispositivo
facilitando a reavaliação dos ativos, coloquei-me com convicção ao seu lado.
E que ela traduz uma
legítima aspiração das classes produtoras do Brasil, que aliam, neste momento,
as múltiplas dificuldades que se apresentam ao seu progresso e ao seu
desenvolvimento, o embaraço oferecido pela atual legislação do imposto de
renda, quando, em sua rigidez, não
distingue a constância dos bens patrimoniais das variações da sua expressão
monetária.
Devido à
desvalorização do poder aquisitivo interno da moeda, todos os valores internos
vêm sofrendo acentuada valorização monetária, principalmente a partir de 1942.
Esta circunstância vem
sendo reiteradamente reconhecida pelo Govêrno e pelo Congresso, quando examinam
o reajustamento dos vencimentos dos funcionários públicos, e pela justiça do
trabalho, no exame das questões relacionadas com o reajustamento dos salários.
Ora, o proprietário de
uma parte de capitais imobilizados em empreendimentos agrícolas comerciais e
industriais, não têm a sua participação no patrimônio da emprêsa aumentada pela
simples reavaliação desta em signos monetários, no balanço da emprêsa. A sua
participação continua a mesma. No entanto, pela legislação do impôsto de renda,
antes da Lei Vidigal, simples majorações de caráter meramente contabilístico –
porque os bens patrimoniais continuavam os mesmos – eram considerados como
rendimentos reais e como tais tributadas. Em consequência, as empresas não efetuavam,
em geral, a reavaliação dos seus ativos, com serios inconvenientes para a
economia nacional. (VI)
No final de novembro foi aprovada a lei 154, sancionada pelo
presidente da República (VII), com a derrota da visão de Roberto Simonsen. Afinal,
o problema não foi resolvido, como atesta o seguinte trecho (VIII):
A desvalorização da
moeda (...) tem feito com que o capital de quase tôdas as sociedades comerciais
esteja em desproporção completa com o seu valor real e atual. Prédios e
fábricas, adquiridos em anos passados, por preços então razoáveis, representam,
na moeda atual, quantias muito superiores àquelas que foram escrituradas nos
livros na ocasião de sua aquisição e que até hoje continuam na mesma base.
A causa principal da
falta de atualização dêsses valores tem sido o dispositivo do regulamento do
impôsto de renda, que tributa, como se renda fôsse, a diferença de cifras
apuradas na reavaliação. Disposição espúria (...) que taxa como renda aquilo
que na realidade é capital, porque, com o correr dos anos, a fábrica não se
alterou; ela é sempre a mesma.
Assim, apesar de existir na legislação brasileira da época a
possibilidade de reavaliação, a tributação do valor corrigido era um inibidor
poderoso. A Lei 1474, de 1951, permitia que os aumentos de capital das
sociedades comerciais realizados por meio da reavaliação dos ativos
imobilizados, constituídos até fins de 1946, ficariam isentos de tributação
(IX). Isto provocou um grande aumento nas emissões de capital (X) naquele
período.
É muito difícil dizer se o procedimento de reavaliação era
algo comum naqueles dias. Encontrei diversos casos de empresas que fizeram a
reavaliação dos seus ativos: Indústria Sul Americana de Metais (XI),
Metalúrgica São Francisco (XII) e Eternit (XIII).
(I) Sub-avaliação das Instalções industriais. O Observador
Econômico e Financeiro, ed 79, p. 188, 1942.
(II) Este trecho e os demais logo a seguir são originários
de Sub-avaliação das Instalções industriais. O Observador Econômico e
Financeiro, ed 79, p. 188, 1942.
(III) Ata publicada no Correio da Manhã, 26 de março de
1946, ed 15764, p. 8. O laudo foi realizado por dois engenheiros civis e um
topógrafo e foi aprovado.
(IV) Correio da Manhã, 13 de novembro de 1947, ed 16267, p
3. Nesta data o senado fez emendas a proposta.
(V) Correio da Manhã, 25 de novembro de 1947, ed 16277, p.
14.
(VI) Correio da Manhã, 27 de novembro de 1947, ed 16279, p.
3. Grifo nosso.
(VII) O Estado de S Paulo, 29 de novembro de 1947, ed.
22251, p. 7.
(VIII) Homens de Empresas contra o Legislativo e o
Executivo. O Observador Econômico e Financeiro, ed 187, 1951, p. 105. Grafia da
época.
(XI) O Observador Econômico e Financeiro, ed 206, 1953, p.
107.
(X) O Observador Econômico e Financeiro, ed 207, 1953, p.
93. Diversas mudanças na legislação do imposto de renda aconteceram no período,
incluindo a Lei 2862 de 1956.
(XI) O Estado de S Paulo, 25 de junho de 1948, ed. 22425, p.
14.
(XII) O Estado de S Paulo, 25 de janeiro de 1947, ed. 21990,
p. 11.
(XIII) O Estado de S Paulo, 20 de novembro de 1956. Ed.
25016, p. 30.