"Finanças das finanças, tudo são finanças", diz Machado de Assis (1839-1908), em uma crônica de 1892. A frase tem aquela qualidade esquiva típica do autor. Parece exaltar a importância dos temas financeiros, mas também carrega uma insinuação de censura moral. "Vaidade das vaidades, tudo são vaidades", diz o Eclesiastes – a paráfrase bíblica de Machado trocou o pecado capital pelos pecados do capital. Essa ironia no trato de bolhas financeiras e desvalorizações monetárias dá o tom de A Economia em Machado de Assis (Jorge Zahar; 272 páginas; 44 reais), coletânea organizada pelo economista Gustavo Franco, ex-presidente do Banco Central. O admirador de Machado terá o prazer de observar a história econômica da virada do Império para a República através do pincenê do autor de Dom Casmurro.
Franco selecionou 39 crônicas (duas delas em forma de versos), que vão de 1883 a 1900. Foi um período economicamente conturbado. Imperava o caos monetário, com vários bancos autorizados a emitir cédulas ou títulos da dívida pública. Entre o fim do Império e o início da República, houve uma explosão de euforia especulativa na Bolsa do Rio de Janeiro, o chamado Encilhamento. Não passou de uma ilusória "bolha", que estourou em 1891, quando Rui Barbosa era ministro da Fazenda(...)
O subtítulo da coletânea é muito apropriado: "O olhar oblíquo do acionista". Machado demonstra um curioso interesse pelas assembléias de acionistas – e critica o desinteresse destes em participar da administração de seus fundos. Várias crônicas repetem a máxima de que o acionista "se importa mais com os dividendos do que com os divisores" (administradores). Nas esclarecedoras introduções e notas às crônicas, Gustavo Franco lembra que o vilão machadiano não é exatamente o acionista que se conhece hoje. A partir de uma sugestão do jurista e historiador Raymundo Faoro, Franco lembra que o termo mais apropriado talvez fosse não "acionista", mas "rentista" – o proprietário ocioso que vive de rendas, como o protagonista de Memórias Póstumas de Brás Cubas. O investimento em ações ao tempo de Machado obedecia a uma lógica estranha: graças à oferta de crédito (e ao mais irresponsável dos fiadores: o governo), garantiam-se dividendos sobre lucros fictícios. Era um investimento sem risco. "Embora aparentado, este não é o capitalismo de nossos dias", observa o organizador da coletânea.
(...) A crítica de Machado ao "acionista" é mais difícil de definir. Seria ele um liberal "moderno" a atacar a irracionalidade de um sistema que era capitalista só pela metade? Ou um empedernido conservador, avesso às inovações do capital financeiro? Machado foge às posições claras. Prefere a postura olímpica de quem se aborrece com temas comezinhos como o déficit público. Essa atitude sobranceira talvez tenha cobrado seu preço: o testamento do escritor, reproduzido no capítulo final de A Economia em Machado de Assis, revela que ele aplicou grande parte de seu patrimônio em apólices de um empréstimo internacional tomado pelo Brasil em 1895. Escritor malicioso, investidor ingênuo: o governo nunca resgataria o valor real dessas apólices.
Fonte: aqui
Franco selecionou 39 crônicas (duas delas em forma de versos), que vão de 1883 a 1900. Foi um período economicamente conturbado. Imperava o caos monetário, com vários bancos autorizados a emitir cédulas ou títulos da dívida pública. Entre o fim do Império e o início da República, houve uma explosão de euforia especulativa na Bolsa do Rio de Janeiro, o chamado Encilhamento. Não passou de uma ilusória "bolha", que estourou em 1891, quando Rui Barbosa era ministro da Fazenda(...)
O subtítulo da coletânea é muito apropriado: "O olhar oblíquo do acionista". Machado demonstra um curioso interesse pelas assembléias de acionistas – e critica o desinteresse destes em participar da administração de seus fundos. Várias crônicas repetem a máxima de que o acionista "se importa mais com os dividendos do que com os divisores" (administradores). Nas esclarecedoras introduções e notas às crônicas, Gustavo Franco lembra que o vilão machadiano não é exatamente o acionista que se conhece hoje. A partir de uma sugestão do jurista e historiador Raymundo Faoro, Franco lembra que o termo mais apropriado talvez fosse não "acionista", mas "rentista" – o proprietário ocioso que vive de rendas, como o protagonista de Memórias Póstumas de Brás Cubas. O investimento em ações ao tempo de Machado obedecia a uma lógica estranha: graças à oferta de crédito (e ao mais irresponsável dos fiadores: o governo), garantiam-se dividendos sobre lucros fictícios. Era um investimento sem risco. "Embora aparentado, este não é o capitalismo de nossos dias", observa o organizador da coletânea.
(...) A crítica de Machado ao "acionista" é mais difícil de definir. Seria ele um liberal "moderno" a atacar a irracionalidade de um sistema que era capitalista só pela metade? Ou um empedernido conservador, avesso às inovações do capital financeiro? Machado foge às posições claras. Prefere a postura olímpica de quem se aborrece com temas comezinhos como o déficit público. Essa atitude sobranceira talvez tenha cobrado seu preço: o testamento do escritor, reproduzido no capítulo final de A Economia em Machado de Assis, revela que ele aplicou grande parte de seu patrimônio em apólices de um empréstimo internacional tomado pelo Brasil em 1895. Escritor malicioso, investidor ingênuo: o governo nunca resgataria o valor real dessas apólices.
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