De todas as histórias surgidas dos colapsos, em 2008, da Fannie Mae e da Freddie Mac,
esta pode ser a mais incrível: até hoje, nenhuma das duas empresas admitiu que
quaisquer dos números em suas demonstrações financeiras daquele ano estavam
errados.
Parece
também que a Comissão de Valores Mobiliários americana (SEC) nada fará para
contestar essa pretensão, e isso pode ser intencional. Durante anos, a SEC vem
evitando acusar as principais instituições financeiras de cozinhar seus
balanços, mesmo quando é óbvio que o fizeram. Isso é que é assegurar
integridade financeira.
Na semana
passada, a agência fiscalizadora notificou Daniel Mudd, ex-presidente da Fannie
Mae, de que poderá dar entrada com um processo cível contra ele. Mas as
acusações não teriam relação com a contabilidade da Fannie Mae. Elas iriam
concentrar-se em se a financiadora habitacional garantida pelo governo divulgou
aos investidores quanto de seus empréstimos eram de quitação incerta
("subprime").
"A
divulgação de informações e procedimentos que constituem objeto da investigação
são precisas e completas", disse Mudd em comunicado na semana passada. Ele
disse que apresentará uma resposta por escrito "que deixará claro por que
a equipe da SEC não deve prosseguir com nenhuma ação nessa questão".
(...) É
indiscutível que os balanços da Fannie e da Freddie eram uma farsa. À época em
que foram colocadas sob um interventor, ambas as empresas tinham
supervalorizado seus ativos tributários diferidos em bilhões de dólares. Quanto
maiores ficaram os prejuízos, mais seus ativos tributários cresceram, com base
na ridícula alegação das empresas de que eles iriam usar todos esses créditos
para compensar encargos tributários futuros, porque eles seriam enormemente
lucrativos nas décadas seguintes.
As duas
"blindaram" seus lucros e seu capital regulamentar contra bilhões de
dólares de prejuízos financeiros com títulos lastreados em hipotecas, rotulando
as perdas de "temporárias", quando era óbvio que as quedas eram tudo,
menos isso. Elas também alegaram, falsamente, estarem adequadamente
capitalizadas.
E fizeram
tudo isso em plena luz do dia e com conhecimento e aprovação do sua
fiscalizadora, a Federal Housing Finance Agency. Isso ajuda a explicar por que
a SEC está tentando encontrar alguma coisa diferente de erros contábeis, ao
tentar montar processos contra ex-executivos da Fannie e Freddie. O maior
problema, para a SEC, será apurar irregularidades sobre as quais o governo não
tinha conhecimento.
As maiores
beneficiárias da abordagem do tipo "não queremos ver males contábeis"
da SEC são as quatro grandes firmas de contabilidade. A Freddie Mac é auditada
pela PricewaterhouseCoopers. A Deloitte auditou a Fannie Mae. A KPMG auditou a Countrywide. A Ernst & Young auditou a IndyMac.
Enquanto a
SEC se apega à posição de que inexistiram erros nas demonstrações financeiras
dessas empresas, não poderá alegar ter havido algo de errado nas auditorias das
empresas. Isso ajuda a proteger os auditores de responsabilização
potencialmente devastadora em litígios legais. (...)
Moral para os executivos: escolham bem a sua fraude - Jonathan Weil - Bloomberg - (Tradução de
Sergio Blum.) - Publicado no
Valor Econômico, 4 de abr de 2011 (via aqui)