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03 fevereiro 2011

Por que as demonstrações contábeis são cada vez maiores?

Quando analisamos uma demonstração contábil publicada há vinte anos percebemos que o número de páginas era muito reduzido. Existe claramente um aumento nesta quantidade. Michele Leder, em Financial Fine Print (Wiley, 2003) mostra que 1997 o número de páginas destinadas às notas explicativas era, em média, 14,85; em 2002 chegava a 28 páginas.

Quais as explicações para este aumento de páginas? Arrisco a listar algumas das razões, mas certamente existem mais motivos.

Em primeiro lugar é importante que se diga que nem tudo é informação realmente. Os marqueteiros das empresas descobriram que uma demonstração contábil deveria estar acompanhada de uma fotografia da natureza quando o relatório comentar os gastos ambientais. Antes das páginas sobre o desempenho, uma fotografia de um trabalhador sorridente e simpático torna mais palatável o resultado. E assim por diante. Estas fotografias tomam espaço e apesar de influenciar o usuário não representam informação. Mesmo assim, sabemos que isto não explica completamente o aumento no número de páginas.

Uma segunda explicação decorre da complexidade do mundo atual. Isto naturalmente gera uma necessidade de mais explicações sobre o que está ocorrendo com a empresa. Quanto mais complexa as relações econômicas, mais informações serão necessárias.

Uma terceira resposta possível é: “na dúvida publique”. Por um lado, as empresas, com medo de eventuais processos judiciais, preferem publicar informações, mesmo que não sejam relevantes. Não querem ser acusadas de esconder algo que poderia ser importante. Os reguladores, por outro lado, ao descobrirem uma área passível de litígio preferem exigir que todas as empresas façam a divulgação. Mesmo que restrita a um setor específico. É o “pecar pelo excesso”.

A quarta resposta possível para nossa pergunta diz respeito à associação entre quantidade de informação e qualidade da empresa. Associamos divulgação com menor risco, com melhor gestão financeira, maior profissionalização e maior retorno futuro, entre outros aspectos. Mas como medimos a quantidade de informação? Certamente o número de páginas do relatório é uma variável relevante. Isto parece muito com um aluno que acha que a qualidade do seu trabalho de final de curso é medida pelo número de páginas.

Em quinto lugar, mas não menos importante, as pessoas necessitam de emprego. Aquele funcionário do departamento de RI tem que pagar a conta da escola da sua filha. Qual a forma de mostrar que seu trabalho é importante? Mostrando que a cada ano são necessárias mais informações. Isto garante seu emprego e a escola da filha.

Finalmente, e também não menos importante, o aumento do número de páginas deve-se a duas funções dos computadores das empresas: “Control C” e “Control V”. Boa parte dos relatórios produzidos são cópias dos relatórios passados. (Uma orientanda minha, Ludmila Melo, mostrou que isto ocorre no Brasil, na sua dissertação de mestrado) Assim, quando uma empresa acrescenta uma informação, não se retira outra que já não é importante. Utiliza-se os dois comandos para manter aquilo que já foi dito.

Teste 423

Veja este senhor da fotografia:

Você sabe dizer que ele é?

Resposta do Anterior: Albert Uberzo. Fonte: Jornal de Angola. Fisco ataca pai de Asterix

Ações do Panamericano sobem novamente

A seguir mais uma evidência da operação Panamericano foi estranha: as ações subiram de forma substancial e informações foram divulgadas na imprensa antes de chegar no mercado.

A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) está investigando a oscilação das ações do banco Panamericano registradas antes do anúncio formal, na segunda-feira, de venda da instituição ao Banco BTG Pactual. A suspeita é que o banco não tenha feito as devidas comunicações ao mercado, como manda a lei para garantir a igualdade de direitos dos investidores, ou que tenha havido uso de informação privilegiada, um crime contra o mercado de capitais.

Houve oscilações de preço dos papéis acima de 10% em dois dos seis pregões que precederam o anúncio. A CVM possui filtros internos para acompanhar o volume e as cotações de ações e tem por norma investigar variações fora do padrão. Mas, neste caso, a autarquia afirmou que as negociações chamaram atenção especial do órgão por causa de reportagens que circularam na imprensa antecipando a venda do banco e a descoberta de um novo rombo.

Suspeitas de que tenha havido vazamento de informações também fizeram com que a CVM cobrasse explicações do banco na semana passada. No último dia 27, o jornal O Estado de S. Paulo publicou reportagem antecipando que a nova administração do Panamericano negociava novo socorro diante da descoberta de um rombo maior do que os R$ 2,5 bilhões inicialmente estimados.

O banco precisou enviar um ofício no dia seguinte ao mercado esclarecendo que seus trabalhos internos e dos profissionais de auditoria externa ainda não haviam terminado, e que não sabia de forma definitiva o valor das inconsistências contábeis. Acrescentou ainda desconhecer a fonte da notícia. O novo rombo foi confirmado em R$ 1,5 bilhão.

No mesmo dia, o banco divulgou outro comunicado em que confirmava que vinha mantendo entendimentos sobre uma "possível negociação envolvendo a companhia e outras instituições financeiras". Dizia ainda não haver, até aquele momento, nenhum acordo formalizado, "não se podendo, portanto, assegurar que as negociações resultarão na celebração de qualquer tipo de negócio jurídico ou afirmação de configuração de uma efetiva negociação". O documento é de sexta-feira passada e o negócio foi anunciado na segunda-feira.

CVM investiga oscilação das ações do Panamericano - Por Agencia Estado

Risco Moral

Tradução do termo Moral Hazard. Refere-se a mudança de comportamento de um agente econômico diante de uma transação econômica. Em geral o agente comporta-se de maneira diferente caso estivesse exposto totalmente ao risco. Uma pessoa que fez seguro irá dirigir seu veículo de forma diferente de outra que não possui seguro. Provavelmente irá assumir mais risco. Se uma empresa sabe que será salva pelo governo num momento de crise, ela irá assumir mais risco.

Panamericano: ganhadores e perdedores

Quem foram os ganhadores e os perdedores da operação de resgate do Panamericano?

Silvio Santos saiu como grande ganhador. O rombo inicial recebeu como garantia a sua fortuna pessoal. Isto significava que num primeiro momento ele corria o risco de perder todo seu esforço de construir sua fortuna. Entretanto, o aumento do rombo, constatado algumas semanas depois, não contou com um aumento nas garantias, já que ele não as tinha. Ao final da operação, Sílvio manteve o SBT e Jequiti e perdeu um banco. O rombo, de R$4 bilhões, foi vendido por R$400 milhões. Bom negócio para ele.

O Banco que adquiriu também fez bom negócio. A reação do mercado, que aumentou a cotação das ações, mostrou que existia uma possibilidade de ganho imediato. Além disto, o BTG Pactual deve ter saído com garantias de recursos adicionais para manter a instituição financeira durante certo tempo.

Perdedores foram o Fundo Garantidor, que teve que entregar bilhões de recursos para cobrir o rombo. Quem garante o fundo garantidor são os outros bancos. Eles também perderam, pois para evitar um problema sistêmico tiveram que entregar recursos para uma instituição financeira com gestão de baixa qualidade.

A Caixa Econômica também perdeu na operação. Aparentemente a Caixa entrou no Panamericano com o respaldo de duas empresas de auditoria. Entretanto, a expansão do banco estatal para setores populares de financiamento mostrou inadequada. Escolheram o banco errado e tiveram o desgaste de negociar uma saída para que o Panamericano não quebrasse.

O Risco Moral não foi comentado. Mas a solução encontrada certamente afeta este risco.

Panamericano: o rombo que não é rombo

Os profissionais que assumiram a gestão do Panamericano a partir de novembro não têm dúvidas: o rombo de R$ 4 bilhões no banco foi provocado por má gestão e incompetência. A maior parte do buraco adicional de R$ 1,5 bilhão, descoberto em janeiro, é explicada por erros técnicos, não por fraudes contábeis. [1]

Cerca de R$ 400 milhões decorrem de contabilização equivocada das chamadas provisões para perdas de devedores duvidosos (conhecidas como PDD, no jargão do setor bancário). Outros R$ 370 milhões são fruto de erro na contabilização de uma operação chamada de hedge cambial. Quando fazem transações no exterior (como emissões), os bancos são obrigados a proteger esse patrimônio em dólar aqui dentro. Vão ao mercado futuro e compram ou vendem moeda estrangeira. A gestão anterior calculou que essa operação gerava um lucro de R$ 170 milhões. Com a valorização recente do real, havia na verdade um prejuízo de R$ 200 milhões.

Todos esses dados devem ser finalmente conhecidos pelo mercado na próxima sexta-feira [2], quando o Panamericano deve divulgar, de uma só vez, os balanços relativos ao terceiro e ao quarto trimestres de 2010. (Estado de São Paulo
)

[1] Outro nome para "barbeiragem contábil"
[2] Veja postagem anterior sobre a tempestividade da informação

Panamericano

O texto abaixo é muito claro: o grande ganhador da operação do Panamericano foi Silvio Santos. O texto explora bem a questão da matemática financeira da operação:

Imagine que você tem uma dívida de R$ 2.000 no cartão de crédito que ficará congelada por 17 anos, pois a operadora abre mão dos juros. Isso não existe. Em qualquer financiamento de carro ou imóvel, o consumidor sempre acaba pagando pelo menos o dobro do valor inicial. Mas, segundo as primeiras informações, a venda do banco PanAmericano, de Silvio Santos, para o BTG Pactual contou com uma matemática financeira incomum. A dívida estimada em R$ 3,8 bilhões ficou congelada, com o Fundo Garantidor de Crédito (FGC) - criado pelos bancos com um percentual das aplicações dos poupadores, para cobrir perdas de correntistas em caso de quebra de instituições financeiras - abrindo mão de juros ou da simples correção pela inflação.

Na operação, o BTG pagará R$ 450 milhões, corrigidos anualmente a 110% do CDI, o que em 17 anos cobriria os R$ 3,8 bilhões, de acordo com o que se divulgou. Só faltou dizer que, em 17 anos, em nenhum outro lugar os R$ 3,8 bilhões serão R$ 3,8 bilhões. Nos cálculos menos conservadores, o valor atualizado seria de quase R$ 25 bilhões.

Na opinião do economista Miguel de Oliveira, da Anefac (associação de executivos de finanças), a explicação para esse tipo de operação atípica é que os bancos calcularam que perderiam ainda mais caso o PanAmericano quebrasse e preferiram abrir mão da receita.

- Os grandes contribuintes são os grandes bancos e eles provavelmente tinham dinheiro investido em carteiras no PanAmericano. Se o PanAmericano quebrasse, eles perderiam esse dinheiro - afirma.

Outra hipótese, afirma o próprio Oliveira, é que os grandes bancos tenham ficado com medo dos efeitos que uma quebra de confiança poderia gerar entre os pequenos e médios bancos.

- Eles podem ter pensado no prejuízo que teriam com a quebra do PanAmericano, as dificuldades dos pequenos e médios bancos para captar caso houvesse uma desconfiança em relação a eles - considera.

Em uma simulação de matemática financeira, se o valor de R$ 3,8 bilhões fosse apenas corrigido pelo IPCA, índice oficial de inflação, no centro da meta de 4,5% ao ano, em 2028 a atual dívida mais que dobraria.

- Se atualizássemos o valor da dívida pelo centro da meta oficial, para manter o mesmo poder aquisitivo, seriam necessários cerca de R$ 8 bilhões - afirma José Dutra Vieira Sobrinho, professor de Matemática Financeira. - É claro que é preciso saber quais são as condições dadas de pagamento, mas alguém está assumindo o prejuízo e esse alguém é a sociedade.

Se considerarmos uma inflação mais robusta, dois pontos percentuais acima, mas ainda dentro da meta (6,5% ao ano), o valor da dívida saltaria para R$ 11,08 bilhões, praticamente três vezes o valor da dívida atual. Mesmo em um exercício em que o governo doma com folga a inflação, com um IPCA médio em 2,5% ao ano, o valor da dívida também seria elevado para ao menos R$ 5,8 bilhões.

Supondo que os R$ 3,8 bilhões fossem não apenas corrigidos, mas também aplicados em um investimento conservador, como renda fixa ou um título do Tesouro Nacional, com rendimento médio mensal de 0,8% com juros sacados apenas ao fim dos 17 anos, a dívida resultaria em um rendimento de quase R$ 20 bilhões, pelos cálculos de Oliveira, já descontado o valor do Imposto de Renda.

- A operação ainda está muito nebulosa, mas, mesmo por um investimento conservador, está claro que a dívida renderia mais - diz Oliveira.

Se o valor da dívida do PanAmericano fosse aplicado na poupança, o professor de finanças do Ibmec Gilberto Braga calcula que somaria R$ 15,768 bilhões em 17 anos. Já um investimento pouco mais agressivo, com rendimento de 1% ao mês, traria aos cofres do FGC um valor líquido de R$ 24,589 bilhões. (A matemática financeira peculiar que congelou a dívida do PanAmericano
Clarice Spitz - O Globo)