Limoeiros inexistentes na Sicília, vacas imaginárias na Eslovênia, cursos de liderança em plantações de repolho na Eslováquia ou acadêmicos com carros de luxo na Grécia. Vivendo um arrocho de gastos públicos sem precedentes e pressionada a reduzir seu déficit, a União Europeia (UE) lança uma verdadeira caça às bruxas para determinar qual o destino dado a bilhões de euros nos últimos anos e descobre que a fraude com os recursos vai bem além do que muitos contribuintes imaginavam.
Com um dos PIBs (Produto Interno Bruto) mais altos do planeta, o bloco que representa a maior economia do mundo esteve acostumado nas últimas décadas a orçamentos bilionários e que eram distribuídos para diversos grupos com a meta de aumentar a competitividade do continente, garantir pesquisa e mesmo proteger áreas verdes.
Mas com os principais contribuintes em profundas dificuldades, a ordem é a de cortar gastos. Países que deveriam fazer suas contribuições ao orçamento europeu como França, Espanha e Reino Unidos estão sendo obrigados a elevar a idade mínima de aposentadoria, demitir funcionários públicos e congelam salários de enfermeiros, médicos, professores e policiais.
Não por acaso, a ordem é a de cortar também o aporte que dão à UE em Bruxelas. Para o orçamento de 2011, a Comissão Europeia apresentou uma proposta para um aumento de 5,9% no valor de gastos em comparação a 2010. Vivendo sua pior crise da dívida em décadas, os estados insistiram que apenas dariam um aumento de 2,9%.
Varredura. Mas outro pilar da estratégia é o de fazer uma varredura nas contas. O que seria apenas mais uma auditoria nas contas públicas, porém, acabou mostrando o que muitos já chamam de “o lado negro da civilização europeia”.
Nesta semana, auditores da UE revelaram que mais de 1,4 bilhão de foi alvo de fraude apenas em 2009. Outros 15 bilhões de euros ainda foram usados em projetos sem qualquer relevância ou em licitações públicas repletas de irregularidades.
Alguns dos casos mais graves estão no setor rural europeu. Quase metade do orçamento de 120 bilhões da UE é distribuído em subsídios agrícolas. A conclusão dos auditores é de que, por dia, 3,8 milhões do dinheiro público são desviados ou usados de forma irregular por fazendeiros.
Um dos casos descobertos pelos auditores foi o pagamento de subsídios para um fazendeiro que alegava ter limoeiros na Sicília. Ao ser visitado, o beneficiário não conseguiu achar sua própria produção de limões.
Em outro caso, também na Itália, um criador de ovelhas alugava seu rebanho a pessoas que quisessem mostrar à UE que tinham uma produção e que precisavam de subsídios. Como Bruxelas envia os recursos dependendo do número de cabeças de animais, o criador não hesitou em percorrer sua região “alugando” as ovelhas para que fazendeiros fraudassem a UE.
Na Eslovênia, o produtor foi ainda mais ousado: recebia recursos da UE por vacas que jamais teve. Na Hungria, 411 mil foram destinados a uma clínica de reabilitação de cães, enquanto na Áustria 16 mil foram dados para um programa que ajudava fazendeiros da região do Tirol a “incrementar sua conexão emocional com a terra”.
Há ainda os exageros de 5,2 milhões gastos em apenas um ano com carros de luxo para parlamentares, ou outros 5,1 milhões para promover atividades culturais para os funcionários da UE. O que mais assusta a UE é que os casos de fraude e irregularidades dobraram entre 2008 e 2009. Apenas no setor agrícola, a fraude em um ano chegou a quase 600 milhões. Só a Grécia terá de devolver aos cofres da UE mais de 347 milhões.
Crise da dívida revela fraude massiva na União Europeia - Jamil Chade - 16 Nov 2010
O Estado de São Paulo