Auditores do Banco Central que analisaram a documentação do Banco PanAmericano dizem ter encontrado os primeiros indícios de desvio de dinheiro por parte de executivos na operadora de cartão de crédito.
O PanAmericano, do Grupo Silvio Santos, tem um rombo de R$ 2,5 bilhões, dos quais R$ 400 milhões são da empresa de cartão de crédito, segundo o Banco Central.
As primeiras análises dos técnicos apontam que metade dos R$ 400 milhões teria sido desviada por executivos que faziam parte da cúpula do PanAmericano, segundo a Folha apurou.
O número é apenas uma estimativa preliminar, já que esse tipo de apuração costuma levar meses.
CRÉDITO INVENTADO
Os técnicos do Banco Central descobriram dois tipos de artifício nos quais os executivos usavam os cartões de crédito de clientes para desviar dinheiro do banco: 1) a manipulação dos saldos; 2) criação de cartões fantasma, sem que exista cliente.
O primeiro tipo era a manipulação mais comum. Imagine um cliente do cartão PanAmericano que gastou R$ 1.000 num mês, paga R$ 200 e decide financiar o saldo em prestações, o chamado "crédito rotativo".
Em vez de registrar um saldo de R$ 800, os executivos dobravam esse valor, num exemplo fictício. Numa operação com o banco PanAmericano, retiravam R$ 1.600, em vez dos R$ 800. Pagavam os R$ 1.000 aos lojistas com os quais o cliente do cartão fizera compras e desviavam os R$ 600 que sobravam.
O PanAmericano nega que tenha havido desvios. Diz que "as inconsistências contábeis estão sendo alvo de apuração por parte das autoridades competentes e os valores necessários a sua regularização foram aportados pelo controlador".
São fraudes grosseiras, segundo um técnico que acompanhou as negociações que resultaram no empréstimo de R$ 2,5 bilhões para salvar o PanAmericano.
Na visão dele, o caso parece o do Banco Nacional, que quebrou em 1995 -os desvios eram feitos a partir de créditos inventados.
SEM CONTROLE
O desvio a partir dos cartões de crédito tem uma razão clara, segundo o advogado Jairo Saddi, professor do Insper e um dos maiores especialistas em legislação bancária do país: o BC controla a contabilidade dos bancos, mas não faz esse tipo de fiscalização nas empresas de cartão de crédito. Segundo a lei brasileira, cartão de crédito é uma operação mercantil, não financeira.
"As fraudes sempre ocorrem nas áreas em que há falta de controle", afirma.
No Brasil, as empresas de cartão de crédito são consideradas instituições financeiras para questões de sigilo bancário, mas não o são para o setor de fiscalização do BC.
Nos Estados Unidos e na União Europeia, a legislação é diferente -bancos e empresas de cartão são fiscalizados pelos bancos centrais, segundo Saddi.
A falta de fiscalização nas empresas de cartão de crédito funciona como um estímulo à fraude, para o advogado.
"Empresa de cartão de crédito precisa ser equiparada às instituições financeiras e fiscalizada pelo Banco Central", defende Saddi.
Zona cinzenta pode ter estimulado fraude - 13 Nov 2010 - Folha de São Paulo - MARIO CESAR CARVALHO