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14 setembro 2010

Basiléia III e os bancos brasileiros

A Federação Brasileira de Bancos (Febraban) espera [1] que o Banco Central discuta com o mercado as especificidades do sistema financeiro brasileiro ao adotar aqui as regras anunciadas para o Basileia 3, que aumenta a qualidade do capital exigido dos bancos pelas autoridades reguladoras.

No domingo, os banqueiros centrais decidiram elevar de 2% para 7% a exigência de capital mínimo (tier 1 e core capital) para os bancos, além de criar colchões de proteção de mais 2,5%. A exigência de capital total foi mantida em 8%, mudando apenas a qualidade do capital que pode ser considerado para este cálculo. As regras serão adotadas progressivamente pelos bancos entre 2013 e 2019.

Nesse cenário, uma discussão que pode ser feita pelo BC com o mercado é a redução do nível total do Índice de Basileia adotado no Brasil de 11% para os 8% do padrão internacional. “Se haverá convergência no longo prazo com o padrão internacional das regras do Acordo de Basileia, é preciso que as taxas também fiquem em linha. Se a exigência de capital aqui é maior, os bancos ficam mais capitalizados, mas pode ter maior custo para os bancos em comparação com seus concorrentes mundiais. As regras não podem atrapalhar a competitividade dos bancos”, disse o economista-chefe da entidade, Rubens Sardenberg.

Para Sardenberg, o Brasil está em trajetória de crescimento, que vai exigir mais crédito, e a adoção de regras ainda mais rígidas que o padrão internacional pode engessar o sistema financeiro. No limite, pode encarecer o crédito, pois os bancos terão de reter mais capital. Em um primeiro momento, o economista não prevê maiores impactos das regras nos bancos brasileiros, que já estão bem capitalizados.

Para Sardenberg, o Brasil tem algumas especificidades, como o nível maior de compulsório, a forma diferente de contabilização das provisões para devedores duvidosos e o fato de a economia estar em crescimento. Ao mesmo tempo, os bancos locais já estão bem capitalizados e não passaram por problemas de solvência na crise mundial. [2]

O economista acha que as regras gerais anunciadas ontem vão trazer mais solidez aos bancos. “As normas reforçam o capital efetivo dos bancos”, disse Sardenberg, destacando que elas vão evitar o que ocorreu na crise mundial, quando os bancos tinham operações fora do balanço e, portanto, desconhecidas dos investidores.

Crédito. O Basileia 3 também pode atingir os bancos brasileiros na busca de crédito, já que eles vão precisar de capital para enfrentar novos riscos, principalmente de operações que não eram contabilizadas e deverão ser agora incluídas no balanço.

A transferência de crédito entre os bancos, por exemplo, deve entrar na pauta em nova reunião em outubro, na Coreia do Sul. No Brasil, a operação mais comum é a compra de carteiras, especialmente de consignado, de bancos menores por grandes bancos em forma de coobrigação. Ou seja, quem compra assume parte do risco. A discussão de outubro é exigir capital adicional para esse tipo de operação.

“Os bancos vão ter que repensar seus negócios e estratégias”, destaca o sócio especializado em finanças da PricewaterhouseCoopers, Marcus Manduca. “Essa cessão de carteira movimenta bilhões”, lembra o executivo.

Para o analista de bancos da consultoria Austin, Luís Miguel Santacreu, os bancos grandes devem sentir maior impacto das novas regras que os de menor porte. O Brasil já tem os maiores bancos da América Latina e alguns entre os maiores do mundo, como o Itaú Unibanco, Bradesco e Banco do Brasil.


Basileia 3 terá de ser discutido com os bancos, diz Febraban - Altamiro Silva Júnior
14 Set 2010 - O Estado de São Paulo

[1] Observe a diferença entre o título da reportagem (impositivo) e o teor do comentário da Febraban

[2] A questão é que a crise bancária brasileira ocorreu antes.

Basiléia III: sua relevância

Há várias inovações. Nas definições sobre o capital do banco, o conceito de capital de qualidade ficou mais rigoroso. Agora é ações e lucros retidos apenas. Outros produtos financeiros que antes podiam ser considerados capital, pelo menos até certo ponto, não podem mais ser. Os chamados “instrumentos híbridos” têm limitações para serem considerados parte do capital. Essa definição é importante porque vai definir o quanto se pode emprestar, ou seja, a alavancagem.

Há questões que sempre foram tratadas por regras nacionais, e agora, serão objeto de acordo internacional, como as exigências de liquidez. As instituições financeiras terão de calcular uma janela de um mês de liquidez, necessária num cenário de stress, para criar sua proteção.

Os bancos terão de ter dois colchões: um deles chamado de conservação e o outro de anticíclico. Esses colchões de capital é para serem usados em momentos de crise. É da natureza do mercado financeiro ser pró-cíclico, ou seja, quando a economia está se expandindo, normalmente, a concessão de crédito aumenta e eleva-se, por isso, a alavancagem, o volume de empréstimos em relação ao capital. No Basileia III, os bancos são forçados a um movimento contrário: terão de guardar uma parte maior do capital para formar seus colchões exatamente na parte boa do ciclo, para usar no período de vacas magras. [1]

Quando se olham as novas regras vem a sensação de que elas são redundantes: o conceito de capital de alta qualidade ficou mais exigente, é necessário mais capital, a razão de alavancagem mudou, colchões de liquidez terão de ser constituídos. A ideia é ser redundante mesmo. Passar duplo ferrolho sobre a porta arrombada, aprendendo com a crise que sacudiu o mundo recentemente.

Os bancos brasileiros estiveram no passado, e estão no presente, mais bem preparados que bancos de outros países para enfrentar crises. Primeiro, porque o país enfrentou com o Proer uma devastadora crise bancária nos anos 90, logo após a queda da inflação, mantendo o sistema funcionando. Segundo, porque o Brasil tem sido mais fechado do que outros mercados e menos exposto ao risco internacional. Não era permitido, por exemplo, ter aqui no capital dos bancos brasileiros certos produtos financeiros de alto risco que arruinaram instituições pelo mundo afora. Só que alguns bancos brasileiros se transformaram em grandes instituições e isso levará a mais internacionalização. Vai significar mais risco? [2]

O crédito no Brasil se expandiu forte nos últimos anos. Pode-se dizer que no começo da década, o país tinha um quarto da sua economia financiada — o crédito era de 25% do PIB — e agora pulou para quase a metade. Isso vai significar mais risco?

Para evitar que a maior internacionalização do mercado brasileiro represente mais risco, o Brasil tem defendido em reuniões como as desse fim de semana no BIS, na Basileia, regras mais conservadoras para o mundo. No Basileia II, o requerimento de capital total era de 11% dos ativos; o Brasil, na média, chegou a 17%. Pelo que se entende agora, o conceito de capital é diferente e mais rigoroso. O que antes era de 2% de capital de alta qualidade, vai para 4,5% de todos os ativos. Há diferenciações no mercado brasileiro, mas a impressão geral é que será mais fácil aqui do que em vários países cumprir essas regras. A nova regulação será menos tolerante com o excesso de criatividade contábil. Bom, porque o Brasil tem começado a entrar por esse caminho de truques para aumentar capital e alavancagem dos bancos oficiais.

Sobre o crédito, pelos padrões internacionais, o Brasil tem um percentual pequeno de crédito/PIB, mas pelo crescimento recente e por causa das novas regras internacionais, a expansão, daqui para diante, deve ser mais lenta. Melhor que seja, porque o Brasil é diferente de outros países pelo custo alto de capital que torna mais penoso para as empresas e as famílias carregar alto endividamento.

As novas regras desse fim de semana vão entrando em vigor lentamente nos próximos anos e o prazo final é 2018. Há períodos de transição e alguns começam já em 2011. O mercado financeiro costuma antecipar tudo. Se uma nova regulação ou tendência parece inexorável, as instituições começam a executar.

Os bancos maiores terão de cumprir exigências ainda mais rigorosas e isso pode evitar que a regulação leve a mais concentração bancária. O que se quer com essa exigência maior para os maiores é lutar contra o “too big to fail”, grande demais para quebrar. Mas o mundo aprendeu recentemente que, às vezes, uma pequena instituição pode fazer um grande estrago.

Tranca dupla

No fim de semana, em Basileia, na Suíça, fechou-se um acordo internacional para a terceira rodada de regras de proteção dos bancos contra as crises. Tudo isso, evidentemente, mexe com o mercado internacional e com o brasileiro. Haverá, agora, colchões de proteção, nova definição do que seja capital, novos limites de alavancagem e os bancos grandes terão de ser mais rigorosos.


Panorama Econômico - 14 September 2010 - O Globo

[1] Influência da legislação espanhola. É interessante notar que recentemente a Espanha passou por uma crise bancária. Será que a experiência mostrou-se válida?

[2] A resposta é sim

Os economistas...

Em O Futuro é Hoje, de Giambiagi e Zentgraf (Elsevier, 2010), depois de comentar sobre as dificuldades que as pessoas possuem em lidar com finanças pessoais, os autores afirmam:

O resultado disso é que, quando o indivíduo atinge a meia-idade eas preocupações com o tema começam a aparecer, em boa parte das vezes já é muito tarde para resolver o problema: seu desconhecimento do assunto, aliado ao exíguo prazo restante para acumulação de reservas, torna proibitivo o custo de sua antiga imprevidência.

O presente livro se destina a ajudar as pessoas não formadas em Economia a procurarem resolver este tipo de deficiências.


Observem a lógica do raciocínio dos autores: as pessoas não sabem lidar com finanças pessoais. Mas os economistas sabem...

Por sinal, não recomendo o livro. Nem para os economistas.

Custo dos amigos

Ao assumir a Presidência como primeiro indígena a governar a Bolívia, Evo Morales não tardou em pôr em prática seu discurso nacionalista. Com 108 dias de mandato, nacionalizou o setor petrolífero do país, estatizando as instalações da Petrobras.

Com a anuência do governo brasileiro, coube à estatal se conformar com uma indenização de US$ 112 milhões, pouco mais da metade do valor pedido e um décimo dos investimentos feitos na operação no país vizinho. O prejuízo da Petrobras entra numa conta que tem sido debitada à política externa brasileira com os países da América do Sul.

Um relatório do Instituto Acende Brasil mostra que, somente no setor de energia, o custo do descumprimento de acordos e mudanças nos contratos por governos vizinhos chegou a R$ 6,7 bilhões nos últimos oito anos. Nos próximos anos, essas medidas terão um impacto ainda maior, calculado entre R$ 9,5 bilhões e R$ 14,8 bilhões.

O Acende Brasil analisou grandes projetos de integração energética bilateral do Brasil com a Argentina, o Paraguai, a Bolívia e a Venezuela. Esses projetos tinham como objetivo aumentar a segurança energética e reduzir o custo de produção de energia. Mas intervenções dos vizinhos, segundo o instituto, têm anulado os benefícios dessas parcerias.

“Todo projeto de integração deve ser lastreado por contratos e normas absolutamente sólidos. Mas tratados e acordos têm sido rompidos, gerando consequências e custos sempre do lado brasileiro, com a anuência do governo”, disse à DINHEIRO o presidente do Acende Brasil, Cláudio Sales.

Além da Bolívia, vários casos referem-se ao Tratado de Itaipu, firmado com o Paraguai em 1973. Desde 2003, foram promovidas três alterações no acordo, com impacto direto no valor pago pela energia.

O instituto estima que só o valor referente à correção monetária da dívida paraguaia assumida pelo Brasil custe entre R$ 1 bilhão e R$ 6,3 bilhões até 2023. “O governo tem cedido para os países vizinhos, mas quem paga a conta é o consumidor brasileiro”, critica Adriano Pires, diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE).

A justificativa do governo brasileiro se insere nos preceitos da política externa de boa vizinhança adotada com a América do Sul. Questionada no setor elétrico, ela não é unanimidade nem mesmo entre estudiosos da diplomacia do Itamaraty.


Para José Eduardo Viola, professor da Universidade de Brasília, não há razão para aceitar rupturas de países como Argentina e Venezuela, cujo apagão recente levou à suspensão do fornecimento de energia para Roraima. “No caso do país que tem renda per capita similar, o cumprimento do contrato deveria ser rigoroso”, diz ele. '

O custo da caridade - Por Guilherme Queiroz - Isto é Dinheiro

Maldição dos recursos naturais

A "maldição das commodities" -teoria que aponta a abundância de matérias-primas como fator adverso ao crescimento econômico- é um risco para a América Latina, mas pode ser evitada.

A conclusão é de estudo lançado ontem pelo Banco Mundial, em São Paulo.

A recente volatilidade nos preços das commodities [1] e o elevado volume de exportação de itens básicos pelo Brasil têm sido apontados como algumas das razões para a apreciação cambial e o consequente aumento das importações de manufaturas.

Esse cenário gera o temor de ocorrência da doença holandesa no país -teoria que aponta a valorização da moeda local como fator inibidor à produção de produtos industrializados, devido ao aumento das importações. [2]

No entanto, o economista principal do Banco Mundial e coautor do estudo, John Nash, aponta o Brasil como um bom exemplo de país de vocação agrícola que tem conseguido diversificar a sua atividade econômica.

"Na década de 60, o café representava 53% da pauta de exportações brasileira. Em 2006, o minério de ferro era a principal commodity da cesta de exportações do Brasil e equivalia a 7% do total", afirmou Nash.

"Na Venezuela, aconteceu o oposto. Houve um processo de concentração", acrescentou. Em 1962, o petróleo respondia por 67% das vendas externas. Em 2006, esse percentual saltou para 92%. [3]

Segundo ele, a diversificação ajuda a atenuar a influência da volatilidade das commodities -que aumentou na última década devido à maior demanda dos emergentes- no câmbio.

Por essa razão, a diversificação da atividade econômica, ainda que mais limitada ao setor primário, é apontada pelo Banco Mundial como caminho para transformar a "maldição" em "benção".

LIÇÃO DE CASA

Em "Recursos Naturais na América Latina", o Banco Mundial aponta a necessidade de formação de uma poupança de longo prazo para converter parte da renda obtida com recursos naturais em outras formas de capital. [4]

Outra prática relevante é a formação de fundos de estabilização, para gerar uma poupança para gerações futuras e juntar recursos que possam suavizar períodos de volatilidade de preços.

O modelo seria semelhante ao fundo do pré-sal que está sendo criado no Brasil.

A última tarefa recomendada pelo banco para evitar a "maldição das commodities" é a garantia de instituições sólidas e independentes.

Segundo Francisco Ferreira, economista do Bird, pressões políticas e econômicas para que a renda com as commodities seja gasta rapidamente prejudicam os países latinos-americanos que se destacam na área.


Brasil evita maldição das commodities - 14 Set 2010 - Folha de São Paulo - Tatiana Freitas

[1] Este blog já postou vários comentários sobre o assunto. Entretanto esta visão otimista da situação brasileira deve ser considerada com cautela. A própria elevada volatilidade induz a isto.
[2] Os sintomas indicam cautela em afirmar que o país evitou a maldição.
[3] A questão do petróleo é um caso típico. Vide aqui. Sobre a Venezuela, aqui outra postagem.
[4] As decisões recentes da área econômica do governo, de usar o dinheiro para capitalizar empresas estatais, indicam o oposto.

Deloitte contrata

Nova York, 13 - A empresa britânica de contabilidade Deloitte Touche Tohmatsu anunciou que contratará 250 mil funcionários ao longo dos próximos cinco anos, afirmou o jornal Financial Times, citando informações da companhia. A Deloitte Touche emprega 170 mil pessoas em todo o mundo e divulgou que pretende contratar uma média de 50 mil pessoas por ano pelos próximos cinco anos com o objetivo de expandir sua rede de serviços e seu alcance geográfico, segundo o jornal. As informações são da Dow Jones. (Gustavo Nicoletta)


Deloitte Contratará 250 Mil Pessoas Nos Próximos 5 Anos, Segundo FT - 13 Set 2010 - DJ em Português

Qual a relação desta notícia com a adoção das normas internacionais de contabilidade em diversos países do mundo?

Ainda Basiléia III

Os bancos brasileiros passarão com folga pelas novas restrições de capital mínimo, mas terão de rever todo o sistema atual de classificação de créditos e demais ativos.

As mudanças, que decorrem do novo acordo de Basileia, deverão atingir em cheio a forma como os bancos brasileiros contabilizam os impostos que deixarão de pagar por conta de benefício fiscal em fusões e aquisições.

No Brasil, os ágios (prêmios) pagos pela oportunidade de negócio são passíveis de dedução de impostos, o que gera créditos tributários que elevam consideravelmente o patrimônio das instituições financeiras.

Com a mudança, bancos como Santander terão regras mais apertadas para contabilizar esses ágios como capital próprio, reduzindo o limite máximo para emprestar.

As novas regras deverão ser implementadas, progressivamente, de 2013 até 2019.

A Febraban reconhece que o principal impacto das novas regras se dará na contabilidade das deduções de impostos e dos chamados bens intangíveis, como marcas, patentes, tecnologia e carteiras de clientes compradas, caso das folhas de pagamento de servidores públicos.

Além dos ágios nas fusões, os bancos formam créditos tributários com os prejuízos passados e com perdas temporárias que ocorrem na constituição das provisões para cobrir a inadimplência.

Pelo acordo, os créditos tributários e os intangíveis contarão menos do que hoje para formar o capital próprio que define o limite de crédito.

No Brasil, as instituições podem emprestar R$ 100 para cada R$ 11 (11%) de capital próprio; o restante vem dos recursos captados. Esse patamar é mais rígido do que as novas regras globais, que elevam a exigência para 7% -até então, era de 2%.

Depois da capitalização do Banco do Brasil, em junho, as instituições nacionais operam todas com mais de 13% de capital próprio.

"Os bancos vão querer deduzir mais as perdas com as provisões; até porque, com a expansão do crédito, essas perdas devem aumentar", disse Alexandre Assaf, professor da Fipecafi.

O novo acordo também eleva a exigibilidade de capital nos momentos de bonança. O objetivo é duplo: colocar freio na concessão de empréstimos e impedir que o crédito trave em momentos difíceis, como em 2008.


Bancos terão de mudar conta de impostos - 14 Set 2010 - Folha de São Paulo - Toni Sciarretta