Diferentemente de grande parte das ações de empresas brasileiras negociadas em bolsas, os títulos da Petrobras sofreram perdas significativas nos últimos meses: este ano, até quarta-feira passada, o valor de mercado da estatal encolheu US$52,9 bilhões, um Bradesco. Como a companhia registrou bons resultados trimestrais, essa reação do mercado tem sido atribuída às incertezas e indefinições relativas ao processo de capitalização da estatal. Quando o governo decidiu mudar a lei do petróleo para instituir o sistema de partilha na exploração e produção da chamada camada do pré-sal, resolveu também que a Petrobras teria a obrigação de participar com pelo menos 30% dos consórcios que se candidatarem às licitações, e ainda ser operadora única dos vencedores. Ou seja, a estatal, que já capitaneava um audacioso plano de investimento, passou a ter pela frente mais um gigantesco desafio tecnológico, gerencial e, principalmente, financeiro.
Financiar todos esses investimentos com endividamento seria temerário. O Tesouro, por sua vez, não teria os recursos necessários para aportar na Petrobras no caso de um substancial aumento de capital, o que o levaria a perder o controle acionário da empresa, hipótese fora de cogitação. Assim, a solução encontrada foi a cessão onerosa à Petrobras de reservas de petróleo e gás ainda a serem exploradas na camada do pré-sal, em volume equivalente a 5 bilhões de barris de óleo (frise-se que as reservas computadas atualmente pela estatal são pouco superiores a 14 bilhões de barris). Para pôr em prática essa mudança, o governo deu partida a um processo atabalhoado de votações no Congresso — cuja consequência mais funesta foi o linchamento dos estados e municípios litorâneos produtores de petróleo, devido à supressão dos royalties — que deve resultar em uma legislação do tipo frankenstein. Paralelamente, a Agência Nacional de Petróleo (ANP) ficou encarregada de identificar reservatórios para a cessão onerosa.
O volume das reservas encontradas precisará de certificação internacional, mas, como a capitalização da companhia está espremida, de um lado, pelo calendário político-eleitoral, e, por outro, pelos compromissos financeiros já assumidos, corre-se agora contra o tempo. Setembro passou a ser uma espécie de prazo fatal, e tudo leva a crer que o governo pretende usar tal capitalização como um grande trunfo eleitoral.
É pena que decisões tão importantes para o futuro da indústria do petróleo no país estejam sendo tomadas dessa forma, contaminadas por ideologia e política eleitoral. O aumento de capital previsto para a Petrobras deverá mobilizar a maior soma de recursos, envolvendo uma única empresa, na história do mercado internacional de capitais. Se a capitalização não for conduzida da maneira mais técnica possível, os acionistas minoritários da companhia — entre eles centenas de milhares de pequenos poupadores — podem ficar à margem e ser prejudicados (o que pode motivar disputas judiciais desgastantes para ambas as partes). As autoridades governamentais não deveriam desprezar a reação do mercado em relação ao que vem acontecendo. Para muitos investidores, que apostaram na empresa e por algum motivo tiveram que vender suas ações nos últimos meses, a perda já se tornou realidade.
Política afeta ações da Petrobras - O Globo - 29/06/2010