O jornal Folha de São Paulo traz reportagens sobre a questão tributária do ágio. Em "Mantega afirma que vai tornar regras tributárias mais rígidas" o destaque é para posição do governo sobre o assunto. A seguir, o texto mais completo, "Receita Federal quer cobrar R$ 5,5 bi da BM&FBovespa" (1/6/2010, Leonardo Souza). Finalizando, a posição das empresas em "Bolsa diz que agiu na lei; Natura e Santander recorrem de multa"
O fisco estima que o potencial de perda de arrecadação com essa prática seja da ordem de R$ 37 bilhões.
Na conta do fisco, o estoque de crédito tributário a partir do ágio em incorporações está em R$ 110 bilhões.
A redução no recolhimento de tributos é calculada aplicando as alíquotas conjuntas de IR (25%) e CSLL (9%) sobre o ágio -34% de R$ 110 bilhões.
Em 2009, a cúpula do fisco levou o tema para o ministro Guido Mantega (Fazenda), pedindo que a legislação fosse alterada de modo a vedar as brechas nas quais as empresas tentam se escorar para justificar o benefício fiscal.
Por meio de sua assessoria, o ministro confirmou à Folha que o governo estuda o assunto e que pretende ainda neste ano eliminar ou tornar as regras contra o ágio mais rígidas.
O atual comando da Receita também concorda que a legislação sobre o tema precisa ser modificada.
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A Receita Federal abriu uma investigação especial contra a BM&FBovespa pela suspeita de que a Bolsa paulista tenha criado benefícios fiscais fictícios para deixar de pagar mais de R$ 5,5 bilhões em tributos federais.
Por operações de mesma natureza, calcadas em reorganizações societárias, grandes grupos tomaram multas gigantescas do fisco, como o Santander (R$ 3,95 bilhões) e a Natura (R$ 544 milhões).
A BM&FBovespa nega irregularidades. Santander e Natura recorrem das multas.
Na origem da ação do fisco, está o que especialistas em tributação chamam de "indústria do ágio", um incentivo estabelecido no governo de Fernando Henrique Cardoso para estimular, na época, as privatizações.
O ágio é a diferença entre o valor de mercado da empresa adquirida e o preço efetivamente pago pelo comprador.
Em linhas gerais, esse custo adicional (calculado com base na expectativa dos lucros futuros a serem gerados pela companhia comprada) pode ser abatido pelo novo controlador da base de cálculo do Imposto de Renda e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido.
Nos últimos anos, contudo, grandes grupos passaram a realizar incorporações entre empresas do próprio conglomerado somente para gerar o ágio.
É essa a suspeita que os auditores do fisco lançam contra a BM&FBovespa. Em 2008, a Bolsa de Mercadorias & Futuros e a Bolsa de Valores de São Paulo se uniram. Os sócios eram basicamente os mesmos -corretoras.
ÁGIO
Com a decisão da fusão, o conglomerado fez uma série de incorporações entre suas empresas. Ao final do processo, chegaram a um ágio de R$ 16,3 bilhões. Isso significa deixar de pagar R$ 5,54 bilhões em IR e CSLL ao longo dos próximos anos. Esse valor é obtido ao aplicar a alíquota dos dois tributos (25% e 9%) sobre o ágio.
Equipe especial de quatro auditores já iniciou diligências na BM&FBovespa e solicitou diversos dados da contabilidade da companhia.
Segundo a Folha apurou, eles já constataram indícios de irregularidade na constituição do ágio. Se confirmarem a ilegalidade, devem lançar um auto de infração bilionário contra a Bolsa.
Sem mencionar casos específicos, o especialista em contabilidade societária Heraldo Oliveira, professor da Fipecafi, disse que, a partir da lei 11.638, de 2007, as operações de ágio interno não têm mais base na legislação.
"Entretanto, as operações passadas têm lá sua justificativa legal. É uma boa briga entre contribuintes e fisco."
Jorge Vieira, da UERJ, vai na mesma linha.
"As operações anteriores à 11.638 contam com o amparo da lei."
A Receita e o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, porém, têm mantido avaliação contrária. Entendem que as manobras societárias internas não têm fundamentação econômica, o que justifica a multa, independentemente da data.
Tanto a operação do Santander quanto a da Natura são anteriores a 2007.
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A BM&FBovespa informou, por meio de sua assessoria, que a constituição do ágio decorrente das incorporações entre empresas do grupo deu-se com base na legislação vigente.
A assessoria também disse não ter conhecimento de fiscalização da Receita.
O fisco, contudo, já iniciou diligências em relação à BM&FBovespa e solicitou informações à companhia.
Como a contabilidade das grandes empresas é processada em arquivos magnéticos, numa primeira fase da investigação os auditores não precisam estar fisicamente dentro da companhia.
O Santander informou que não iria se manifestar sobre o caso porque havia recorrido da multa aplicada pelo fisco.
O caso do banco espanhol remonta à privatização do Banespa, realizada em 2000. Para usufruir do benefício fiscal do ágio, o Santander criou uma empresa "veículo" no Brasil para receber o dinheiro que seria usado na compra do Banespa.
Essa empresa "veículo" (existente somente no papel) adquiriu o Banespa e depois foi incorporada pelo próprio banco, gerando o ágio. Se os espanhóis tivessem comprado diretamente o Banespa, sem a empresa "veículo" no Brasil, não teriam como usar o benefício fiscal.
O fisco considerou uma simulação a operação do Santander e multou o banco, em R$ 3,95 bilhões, em dezembro de 2008.
Em prospecto a investidores em outubro de 2009, o Santander admitiu que recebeu a multa, mas informou que tinha a convicção de que conseguiria derrubá-la.
Procurada pela Folha, a Natura não quis se manifestar sobre o auto de infração de R$ 544 milhões recebido em junho do ano passado.
A multa aplicada pelo fisco se deu por conta de uma reestruturação societária iniciada pela Natura em 2000 e que se estendeu até 2004.
A Natura recorreu da multa. Nos dois casos, ainda não houve uma decisão final na esfera administrativa.