17 fevereiro 2010
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Questões
Será que existe ligação entre o aumento da dívida dos brasileiros e o aumento da provisão? Será que o impacto da crise no Brasil foi reduzido em razão desta expansão do endividamento? Isto não mascara os problemas da economia brasileira?
Aumento na provisão
Bancos elevam valor de provisões anticalote
Fabio Graner – 15/2/2010 - O Estado de São Paulo
O aumento do risco e o crescimento dos índices de inadimplência nas operações de crédito, em decorrência da crise financeira, levou os bancos a aumentarem em 50% suas reservas para cobrir eventuais perdas com calote de clientes no ano passado. Segundo dados do Banco Central, as provisões encerraram 2009 com um volume de R$ 97,6 bilhões, o equivalente a 6,9% do total de crédito fornecido pelas instituições financeiras públicas e privadas. Em 2008, essa reserva era de R$ 65,2 bilhões e correspondia a 5,3% do total de crédito concedido.
De acordo com analistas consultados pela Agência Estado, as dificuldades financeiras enfrentadas por muitas empresas ao longo do ano - especialmente as indústrias e companhias exportadoras -, o aumento do desemprego no primeiro semestre e o impacto negativo na renda, fatores diretamente provocados pela crise, elevaram significativamente a chance de os clientes não honrarem seus compromissos com os bancos. E o volume de calotes efetivamente teve forte alta - de mais de 60% de 2008 para 2009. "A economia não estava favorável à qualidade creditícia", argumenta o analista de bancos da Austin Rating, Luís Miguel Santacreu.
Essa situação forçou os bancos a separarem recursos para cobrir o risco de perdas, o que na prática diminui a lucratividade das instituições e também reduziu a capacidade de as instituições fazerem empréstimos.
Uma medida adotada pelo Banco Central ao fim de 2008 também criou um incentivo para os bancos aumentarem suas reservas anticalote em 2009. A iniciativa, de caráter prudencial, permitiu que as instituições financeiras fizessem provisões adicionais ao que normalmente seria necessário para os créditos concedidos a pessoas e empresas sem que isso alterasse sua capacidade de financiar clientes.
Com isso, as instituições buscaram ampliar suas reservas, mas não perderam tanta musculatura para ofertar crédito, embora tenham mantido um ritmo lento de concessões em 2009. "O BC induziu os bancos a ampliarem o excesso de provisionamento, porque o risco era muito grande. Foi um incentivo a se provisionar mais", avalia o economista João Augusto Salles, da consultoria Lopes Filho, lembrando que esse mecanismo acabará em abril deste ano, o que deve levar a uma relativa "desmontagem" do excesso de provisionamento realizado pelas instituições.
Na comparação entre bancos públicos e privados, o ritmo de alta das provisões foi bem maior no segundo grupo. As instituições financeiras privadas elevaram suas reservas contra perdas em 65,2%, para R$ 46,6 bilhões, e acima do ritmo da inadimplência dos seus créditos. Enquanto isso, os bancos públicos subiram as provisões em 39,8%, para R$ 32,5 bilhões e abaixo do ritmo de alta no seu índice de calotes.
Para o analista Luis Miguel Santacreu, esse comportamento se deveu ao fato de que os bancos públicos avançaram muito em créditos para pessoa física com boas garantias - como consignado e de veículos -, enquanto as instituições privadas, que têm um relacionamento mais estreito com as empresas, ficaram expostas a um risco maior e tiveram de reforçar seu provisionamento.
Para 2010, com o cenário de recuperação econômica e o fim do incentivo do BC ao provisionamento extra, a tendência é que o crescimento dessas reservas seja bem mais comedido. Segundo Salles, normalmente as provisões crescem em um ritmo próximo ao do estoque de crédito, que ele estima que subirá 20% este ano. Mas ele pondera que os bancos podem usar as reservas extras e transformá-las em provisões normais ao longo do ano, à medida que a carteira de crédito dessas instituições for crescendo.
Dívida do Brasileiro
Endividamento dos brasileiros bate recorde e chega a R$ 555 bilhões
Márcia De Chiara – 15/2/2010 - O Estado de São Paulo
Nunca o brasileiro deveu tanto. Entre cartões de crédito, cheque especial, financiamento bancário, crédito consignado, empréstimos para compra de veículos, imóveis - incluindo os recursos do Sistema Financeiro da Habitação (SFH) -, a dívida das famílias atingiu no fim do ano passado R$ 555 bilhões. O valor é quase 40% da renda anual da população, que engloba a massa nacional de rendimentos do trabalho e os benefícios pagos pela Previdência Social.
"O endividamento do consumidor é recorde", afirma o economista chefe da LCA Consultores, Bráulio Borges. Ele fez um estudo, a pedido do Estado, para medir o grau de endividamento das famílias. Constatou que, se os bancos resolvessem cobrar toda a dívida, levando em conta o empréstimo principal e os juros, de uma só vez, cada brasileiro teria de entregar quase cinco meses de rendimentos.
Em 2008, eram necessários 4,3 meses de rendimentos (salários, aposentadorias e pensões) para quitar os empréstimos. Em dezembro do ano passado o índice subiu para 4,8 meses, a maior relação entre dívida e rendimentos da série histórica iniciada em 2001, quando eram precisos dois meses de rendimentos para pagar os empréstimos. Borges explica que o estudo levou em conta a estimativa da massa de rendimentos nacional, não apenas nas seis regiões metropolitanas, e os benefícios pagos pela Previdência Social.
"Os benefícios pagos pela Previdência respondem por um quarto do total da massa de rendimentos de R$ 1,4 trilhão em 2009", observa o economista, ressaltando a importância da inclusão das pensões e aposentadorias.
RECORDE
Outro estudo, feito pelo consultor Humberto Veiga, da Universidade de Brasília, confirma que o endividamento do brasileiro é recorde, mas com números diferentes. Ele considerou apenas o saldo de empréstimos com recursos livres, isto é, excluiu os empréstimos do SFH e levou em consideração somente a massa de salários das seis regiões metropolitanas do País, deixando de fora os benefícios da Previdência.
Como a base de rendimentos considerada no estudo de Veiga é menor, ou seja, é a massa de salários nas seis regiões metropolitanas, o economista concluiu que o brasileiro encerrou 2009 devendo o equivalente a 10 meses e 20 dias de salário, a maior marca da série iniciada em 2004. Em 2008, a dívida, nessa fórmula de cálculo, era menor: correspondia a 10 meses e 2 dias de salário.
O aumento do endividamento das famílias é apontado também por outro tipo de pesquisa. De acordo com a diretora da Kantar Worldpanel (ex-Latin Panel), Christine Pereira, 65% dos dois mil lares visitados na Grande São Paulo e na Grande Rio pela consultoria tinham algum tipo de financiamento em 2009. No ano anterior, esse índice estava em 60%. Ela observa que, no ano passado, o porcentual de famílias com financiamento era superior a 50% em todos os estratos de renda.
RISCOS
Apesar do endividamento recorde do consumidor, o estudo da LCA mostra que o comprometimento da renda mensal com financiamentos diminuiu nos últimos 12 meses. Em 2008, o gasto com prestações consumia 5,9% da renda mensal e, no fim do ano passado, 15%. O pico do comprometimento da renda com empréstimos foi atingido em 2006, quando as prestações respondiam por 18,2% do orçamento. "De lá para cá houve um alívio", observa Borges.
O economista diz que a chave dessa aparente contradição entre endividamento recorde e menor comprometimento da renda mensal do consumidor é o alongamento dos prazos de pagamento dos financiamentos. De 2006 a 2009, os prazos médios quase que dobraram, passando de 17,3 meses para 31,1 meses. Dois anos e meio é maior prazo médio da série histórica do crédito.
Com mais prazo, ressalta Borges, o consumidor gasta mais com encargos financeiros. "O montante que as famílias estão pagando hoje aos bancos é maior, mesmo com a queda nas taxas de juros ao consumidor nos últimos meses." Um dado que ratifica esse raciocínio é o lucro robusto dos bancos auferido em 2009.
EMPREGO
Para Borges, enquanto o brasileiro continuar empregado - o que, na opinião dele, é o cenário mais provável -, o aumento do grau de endividamento das famílias não necessariamente vai representar elevação da taxa de inadimplência.
Segundo o economista, o risco de alta da inadimplência fica adiado para 2011, quando o emprego e o ritmo de atividade devem crescer mais lentamente.
Mas o indicador antecedente do calote, o Indicador Serasa Experian de Perspectiva de Inadimplência do Consumidor, que aponta a tendência para os próximos seis meses, mostra outra realidade. Pelo quarto mês consecutivo, o indicador subiu em dezembro.
"A inadimplência hoje está em queda, mas vai parar de cair em seis meses", afirma o gerente de indicadores de mercado da Serasa Experian, Luiz Rabi, com base nos resultados do indicador que leva em conta cerca de uma centena de variáveis.
Ele aponta três razões que sustentam essa previsão de reversão de tendência da inadimplência. A primeira delas é o crescimento acelerado da tomada de crédito por parte das famílias num ritmo superior ao aumento da renda. Outra razão é a corrosão do poder de compra da renda do consumidor, com repique inflacionário neste início de ano.
Por último, Rabi ressalta a elevação do custo dos financiamentos em várias modalidades de crédito. Esse movimento já é nítido em vários estudos que pesquisam as taxas de juros ao consumidor. "O cenário para o segundo semestre deste ano é muito diferente do quadro do segundo semestre de 2009", alerta o economista.
Matemática e Mercado
Gênios matemáticos erram as contas em Wall Street
Renato Cruz - O Estado de São Paulo – 14/2/2010
A crise financeira que o mercado mundial enfrentou desde 2007 foi causada por modelos matemáticos falhos adotados pelos fundos de investimento, que levaram a uma avaliação irrealista de risco, combinados a níveis insustentáveis de endividamento. Tudo isso não seria possível sem sistemas complexos de computação, que permitiram analisar volumes imensos de dados em tempo real, e fazer apostas automáticas em alta velocidade, baseadas em modelos pré-programados.
Pelo menos essa é a visão trazida pelo livro The quants: How a new breed of math whizzes conquered Wall Street and nearly destroyed it (Crown Business). Em português: Os quants: Como uma nova raça de gênios da matemática conquistou Wall Street e quase a destruiu. O livro escrito por Scott Patterson, jornalista do Wall Street Journal, foi lançado no começo do mês nos Estados Unidos.
Os "quants" são os gênios da matemática que tomaram conta de Wall Street nos últimos anos. Eles baseiam suas apostas em análises quantitativas (daí seu nome), no lugar de análises fundamentalistas, como as que são feitas, por exemplo, por Warren Buffett, segundo homem mais rico do mundo.
Buffett analisa os fundamentos das empresas em que investe, verificando itens como taxa de crescimento, vendas e lucratividade. Na análise quantitativa, as apostas são feitas com base em estatísticas, que alimentam modelos matemáticos complexos, independentes do que cada papel representa fora do mundo financeiro.
CULPADOS
Os fundos de hedge, liderados pelos "quants" do título do livro, perderam bilhões de dólares a partir de meados de 2007, quando a crise americana das hipotecas atingiu os mercados. Não seria exagero, no entanto, dizer que eles foram os responsáveis pela crise? "Quando bancos e fundos de hedge começaram a quebrar em 2007 e 2008, eles criaram uma contração maciça de crédito por toda a economia global", afirmou Patterson, em entrevista por correio eletrônico.
O livro conta a história de investidores como Kenneth Griffin, fundador do fundo de hedge Citadel, em Chicago, que, antes da crise, chegou a pagar US$ 80 milhões por uma pintura de Jasper Johns e fazer sua festa de casamento no Palácio de Versalhes, em Paris.
O talento para tecnologia e finanças se manifestou cedo. Quando estava no colegial, Griffin fez trabalhos de programação para a IBM. Antes de completar 18 anos, criou uma empresa de software educacional com um amigo. Logo depois de ingressar em Harvard, criou seu primeiro fundo de investimento, batizado de Convertible Hedge Fund #1, em seu quarto de estudante, depois de levantar US$ 265 mil de amigos e parentes, incluindo a mãe e a avó. Para ter cotações em tempo real, instalou uma antena de satélite no telhado do alojamento, e criou um software para identificar bônus com preços baixos.
A tacada de sucesso veio em 1990, quando Griffin, aos 22 anos, criou o fundo Citadel, com capital de US$ 4,6 milhões. No fim de 2007, administrava US$ 20 bilhões em ativos. Ele quase quebrou com a crise. Em um ano, esse montante havia caído para US$ 10,5 bilhões.
Segundo Patterson, a culpa dos "quants" na crise do subprime não se resumiu à contração de crédito. A engenharia financeira sofisticada desenvolvida por esses gênios matemáticos permitiu agrupar hipotecas de alto risco em papéis financeiros (derivativos) classificados como grau de investimento, com chances remotas de não serem honrados.
Simplificadamente, a ideia por trás disso era que, mesmo se o risco individual de calote de cada hipoteca fosse grande, quando um volume muito grande desses empréstimos era agrupado em um só papel, o risco acabava diluído pois a probabilidade de um grande número de hipotecas deixar de ser pago ao mesmo tempo era remoto.
Mas a probabilidade era pequena somente num ambiente econômico estável, em que as pessoas deixam de pagar os empréstimos por motivos pessoais, como perda de emprego ou doença. Num momento de crise, muitas pessoas se tornam inadimplentes ao mesmo tempo, elevando o risco de uma forma que os modelos matemáticos não conseguiam prever.
Essa análise de risco falha, que não prevê eventos extremos, foi aplicada a todo tipo de investimento pelos "quants", e a situação foi agravada pela alavancagem. Em linguagem corrente, eles fizeram seus investimentos com dinheiro dos outros. Alguns chegavam a empenhar 30 vezes mais capital do que tinham, por acreditar que o risco era praticamente nulo. Quando o crédito secou com a crise das hipotecas, esses investimentos viraram pó.
Como pessoas tão espertas, com doutorado nas melhores faculdades americanas, conseguiram errar tanto? "A resposta mais provável é que, apesar de os 'quants' operarem num nível racional, eles não eram invulneráveis a uma emoção humana essencial: a ganância", afirmou Patterson. "Ao colocarem de lado a possibilidade de movimentos abruptos do mercado, eles eram capazes de fazer apostas maiores e usar mais alavancagem. O que pode ser muito lucrativo por um tempo - até o mercado alcançá-los."
HISTÓRIA
A crise de liquidez que tomou os mercados financeiros a partir de agosto de 2007 foi somente o capítulo mais recente de uma história de como a inovação pode trazer efeitos inesperados. O livro mostra como o mercado acionário americano caiu 23% em um único dia, na chamada "segunda-feira negra", em outubro de 1987, por causa de um contrato quantitativo chamado seguro de carteira.
Em 1998, o fundo de hedge Long Term Capital Management (LTCM) quebrou, ameaçando todo o sistema financeiro global. A atuação do LTCM tinha como base a análise quantitativa. Seu conselho diretor incluía Myron Scholes e Robert Merton, ganhadores do prêmio Nobel de Economia de 1997.
Na opinião de Patterson, isso indica que crises como essas vão ocorrer de novo. "Isso totalmente pode e possivelmente acontecerá novamente", disse. "Acho que os reguladores precisariam tornar o sistema bem mais transparente. Ainda hoje não sabemos o que se esconde nos balanços de vários bancos."
Em inglês, "geek" é uma pessoa obcecada por tecnologia e áreas correlatas. Sobre o papel dos gênios matemáticos na crise, o livro traz um aviso de Warren Buffett: "Cuidado com os 'geeks' que criam fórmulas".
Friboi
BNDES aposta R$ 7,5 bi no Friboi
Concorrentes foram ao banco reclamar de privilégios
Alexandre Rodrigues – Estado de São Paulo
Há duas semanas, o frigorífico brasileiro JBS Friboi, maior empresa de carnes do mundo, colocou à venda um pacote de dois milhões de debêntures no valor de R$ 3,48 bilhões. Sem o aparente interesse do mercado financeiro, a BNDESPar, empresa de participações do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, comprou 99,9% dos papéis. Os outros acionistas, entre eles a família Batista, dona de 59% do grupo JBS, adquiriram 0,05% da emissão e ainda restou uma sobrinha de 523 papéis que ninguém se interessou em comprar.
A operação foi feita para viabilizar o pagamento da última aquisição da companhia nos Estados Unidos: a Pilgrim"s Pride Corporation, destaque no mercado americano de frangos, que enfrentava dificuldades financeiras. A entrada no mercado americano foi o passo mais ousado de uma trajetória internacional iniciada em 2005, com a compra da Swift argentina, e que contou o tempo todo com o apoio do BNDES.
Ávido por viabilizar multinacionais brasileiras, tarefa que ganhou da política industrial traçada no governo Lula, o BNDES já colocou pelo menos R$ 7,5 bilhões no Friboi - de quem também é acionista, com uma participação de 22,36%. O apoio ao frigorífico supera outras operações emblemáticas, como os R$ 2,6 bilhões para o casamento Oi/Brasil Telecom.
Dono de um faturamento na casa dos R$ 30 bilhões, o Friboi tira hoje quase 80% de sua receita de operações nos Estados Unidos, Austrália, Itália e Argentina. Em apenas dois anos, multiplicou a receita líquida por dez. O BNDES vê nesse desempenho um exemplo do arrojo empresarial que gostaria de ver em outros setores diante das oportunidades potencializadas pela crise de compras de empresas no exterior por grupos brasileiros.
A aparente predileção do BNDES pelo Friboi levou o presidente da Associação Brasileira de Frigoríficos (Abrafrigo), Péricles Salazar, a endereçar uma carta ao presidente do banco, Luciano Coutinho. Ele diz reconhecer os méritos do Friboi - que também incorporou o segundo maior frigorífico nacional, o Bertin, em 2009, com a bênção do BNDES -, mas critica a intervenção do banco.
"O grande pecado do BNDES é o excesso. O País tem outras prioridades, por que jogar tanto dinheiro numa só empresa? Não há somente ela no mercado", reclama Salazar. Segundo ele, a concentração está impondo a rendição dos pequenos e médios frigoríficos à incorporação do Friboi e limitando as opções de venda dos criadores. "O BNDES pôs um volume colossal de dinheiro para criar uma multinacional sem diagnosticar bem a cadeia produtiva. E criou uma empresa assim, que pode fazer o preço do boi e da carne. Impossível competir."
Entre especialistas, a trajetória acelerada do Friboi também é vista com reservas. Analistas ouvidos pelo Estado afirmam que o compromisso do BNDES com a subscrição total das debêntures da última operação pode ter viabilizado um prêmio menor do que atrairia o mercado, amenizando o impacto no endividamento da empresa. Os títulos comprados pelo BNDES deverão se converter em 20% a 25% de ações da JBS USA, subsidiária americana do grupo em preparação para a abertura de capital.
Há reservas no mercado sobre o endividamento da empresa e sua alta exposição nos Estados Unidos, ainda às voltas com a crise. Além disso, há dúvidas sobre a capacidade da família Batista de administrar tantos e tão diversificados ativos acumulados em pouco tempo.
"A internacionalização foi muito rápida e a empresa está muito alavancada. A gestão dos novos negócios ainda vai ser testada. É um desafio para o JBS colocar essas atividades internacionais em ordem, melhores do que antes da aquisição", opina Eduardo Roche, da Modal Asset. "A ótica do BNDES é mais a de apoio à multinacional. Sem o BNDES, com certeza não teriam esse fôlego e ainda teriam se complicado muito."
Para outro analista, o fato de o Friboi ter comprado empresas já em dificuldades financeiras em mercados afetados pela crise num setor de margem baixa também afasta os investidores. "Ainda há muita interferência da família", critica.
Os dois preferem os papéis do rival Marfrig, que apontam como mais sólido. O frigorífico, que fez aquisições recentes na Argentina e no Brasil, e outras empresas do setor também receberam apoio do BNDES por meio de capitalização, mas em proporção bem menor.
A área de mercado de capitais do BNDES recusa entrevistas sobre o Friboi, mas o diretor de Planejamento, João Carlos Ferraz, aceitou definir para o Estado o que atrai tanto o banco na empresa. Ao contrário dos estereótipos que a origem do grupo goiano alimenta, para Ferraz os irmãos José Jr., Wesley e Joesley Batista, o presidente do grupo, dirigem hoje uma empresa "extremamente sofisticada", cujo apetite casou com a expectativa do BNDES de formar empresas brasileiras de peso global, seja em que setor for.
"Eles têm um gás, uma disposição de crescimento impressionante. Conhecem o negócio profundamente. Soube que a mesa de operações dele é maior que a de um banco médio. Fecham posição de compra e venda em grandes volumes em alta velocidade e sabem, online, o que está acontecendo em cada unidade", conta. "Têm enorme propensão ao crescimento e se montam para isso. E nas operações de aquisição, parecem ter um respeito muito grande pelas idiossincrasias locais, mantendo os dirigentes das adquiridas para aprender com eles."
Ferraz refuta a crítica de que o banco usa dinheiro público para subsidiar empresas como o Friboi, lembrando que o BNDES usa mecanismos de mercado, como participações acionárias e debêntures, para incentivar aquisições. É também um investimento para o banco, que não entraria num negócio para perder, segundo ele.
A mesma lógica vale para os grandes conglomerados que o banco tenta promover. Por isso, embora reconheça ser mais desejável múltis de produtos de maior valor agregado, o diretor do BNDES diz que o País ganha ao começar esse processo pelos setores onde é mais competitivo, como o de carnes. Para ele, a modernização do Friboi profissionaliza os fornecedores no Brasil, onde permanecem o centro de decisão da empresa e os empregos mais qualificados.
"Claro que produzir carne não é a mesma coisa que avião. Mas, se olharmos a trajetória do JBS, principalmente com a diversificação dessa última aquisição, vemos que estão indo pela cadeia da proteína, agregando por unidade de produto. Há um movimento de sofisticação, dentro da indústria deles", argumenta Ferraz. "Não dá para colocar o Joesley para produzir chips."
Nenhum dirigente do Friboi aceitou conversar sobre o assunto, mas, em nota enviada por sua assessoria, Jerry O" Callaghan, diretor de Relações com Investidores, reconheceu que o BNDES é fundamental para a experiência internacional do grupo. "Sozinho, não teria sido possível (para o JBS). O apoio consistente do BNDES era fundamental para fazer a empresa chegar a ser hoje a maior companhia produtora de proteína do mundo e um orgulho para o País."
À Venda
À venda, o lendário estúdio dos Beatles
O Globo - 16/2/2010
Fernando Duarte
LONDRES. Quando assumiu o controle da gravadora EMI, em 2007, o megainvestidor britânico Guy Hands prometeu uma política de austeridade, que mexeu com o ego de artistas consagrados e provocou uma debandada de talentos, como Paul McCartney. Talvez nem o ex-Beatle imaginasse que Hands chegaria ao ponto de se desfazer de uma relíquia, o Abbey Road. Só que, segundo o “Financial Times”, o lendário estúdio de gravação, no Norte de Londres, em que os Beatles revolucionaram a música pop, será posto à venda nos próximos dias. A negociação é para fazer caixa e permitir que Hands honre com os empréstimos feitos junto ao Citibank para adquirir a EMI.
O fundo de investimentos de Hands, Terra Firma, contraiu dívidas da ordem de US$5 bilhões na compra da EMI e o megainvestidor tem até julho para pagar uma das parcelas, de US$192 milhões. Num momento em que a indústria fonográfica vê as receitas com CDs despencarem e que o surgimento de novas técnicas de gravação baratearam os custos de produção — além de possibilitar uma simplificação do processo — Abbey Road transformou-se num elefante branco para a empresa.
São muitos os estúdios que têm fechado as portas em Londres nos últimos anos. Em 2009, saiu de cena o Olympic, estúdio onde foram gravados álbuns de Led Zeppelin, Rolling Stones e Jimi Hendrix. No resto do mundo também tem ocorrido o mesmo, como o Hit Factory, em Nova York, associado ao álbum de Stevie Wonder “Songs in the key of life”.
O destino do Abbey Road parece seguir a sina de outros estúdios que já fecharam a porta. Embora a Terra Firme pudesse explorar o passado glorioso da música, já que lá foram gravados álbuns memoráveis dos Beatles, como “Sargeant Pepper’s Lonely Hearts Club band”, além do clássico de Pink Floyd, “The Dark Side of the Moon”, há a tentação do valor imobiliário de um casarão num bairro chique de Londres. Segundo especialistas, o estúdio poderá render US$40 milhões.
Segundo a mídia britânica, o uso do Abbey Road como uma espécie de parque temático para os milhares de fãs dos Beatles que, anualmente, perambulam pelos arredores do estúdio, já foi estudado por Hands, mas parece não ter entusiasmado. Até porque uma das grandes atrações está do lado de fora — o cruzamento de pedestres em que o quarteto de Liverpool posou para as fotos da capa de seu último álbum, também batizado de Abbey Road.
Segundo uma reportagem da revista de música “Word’’, publicada este mês, a procura pelos serviços de Abbey Road caíram a um custo de US$400 por tempo de estúdio, um preço equivalente a um oitavo do que era cobrado em meados da década passada.
— Vivemos numa época em que, infelizmente, instrumentos importados da China e computadores poderosos fazem com que praticamente qualquer pessoa possa gravar álbuns inteiros num apartamento. Com a internet rápida, uma banda sequer precisa ter os músicos num mesmo recinto — explica Tom Whitwell, autor do blog Musicthing, sobre música e tecnologia.
Observe como o custo de produção da música fez perder o valor de Abbey Road.