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08 junho 2009

Altura e Desempenho

Pessoas altas têm mais chance de sucesso
Marcelo Rehder
31 Maio 2009
O Estado de São Paulo

Foi preciso se esticar nas pontas dos pés para ganhar alguns centímetros e não ficar escondido atrás do púlpito durante os cinco minutos em que defendeu sua candidatura à presidência da Associação Mundial de Agências de Promoção de Investimentos (Waipa, na sigla em inglês). O esforço do presidente da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex), Alessandro Teixeira, foi recompensado. Ele bateu seu oponente da Grécia e foi eleito com 70% dos votos dos 157 países que integram a Waipa.

Baixinho assumido, com 1,59 metro de altura, Teixeira se diverte ao relembrar o episódio, ocorrido há um ano.

Não são muitas as histórias de baixinhos de tamanho sucesso. O assunto é polêmico, mas foi demonstrado estatisticamente. Um estudo inédito no Brasil, feito pelos professores Naércio Aquino Menezes Filho, do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper, ex-Ibmec São Paulo), e Andréa Zatune Couri, da Universidade de São Paulo (USP), revelou que pessoas altas têm maior probabilidade de concluir mais anos de estudo, ocupar cargos que exigem maior nível de qualificação e ganhar mais que as mais baixas.

De acordo com o estudo, mulheres com estatura entre 1,70 m de altura e 1,75 m, em média, recebem 20,4% mais e completam 15,6% mais anos de estudo do que mulheres com altura entre 1,50 m e 1,60 m.

Já os homens que têm entre 1,80 m e 2,10 m de altura ganham, em média, 70,2% mais e completam 46,7% mais anos de estudo do que aqueles com altura entre 1,60 m e 1,65 m.
A estatura média do brasileiro é de 1,71 m para homens e 1,60 m para mulheres.
Para chegar a essas conclusões, os professores cruzaram dados da Pesquisa de Padrão de Vida (PPV) e da Pesquisa de Orçamento Familiar (POF), ambas realizadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em cerca de 50 mil domicílios brasileiros.

Como em toda pesquisa, os resultados não podem ser generalizados. “A econometria trabalha com médias”, explica o professor Menezes Filho. “ Eu mesmo conheço várias pessoas que têm menos de 1,65 m de altura e são milionárias. Mas é importante notar que existe essa correlação”, frisa o professor, de 1,72 m de altura.

A principal premissa da pesquisa é relacionada a questões socioeconômicas e de saúde. “Pessoas que vivem num ambiente físico e social saudável na primeira infância, e até no útero materno, tendem a ser mais altas”, explica o professor.

A empresária Amália Sina é um bom exemplo disso. Com 1,70 m de altura, que sobe para 1,80 m com o sapato de salto que só tira para dormir, Amália é uma das mais importantes e bem-sucedidas executivas brasileiras de sua geração.

Com MBA em Marketing pela USP e pós graduada em Gestão pelo Triton College, Chicago, Amália já assumiu cargos como presidente da Philip Morris do Brasil e da Walita e sênior vice-presidente da Philips para a América Latina. Recentemente, ela partiu para um novo desafio e criou a Sina Cosméticos, empresa que aliou tecnologia e ativos da biodiversidade brasileira numa linha de tratamento para cabelo e corpo.
“Não é porque uma pessoa é mais alta ou mais bonita que ela terá mais oportunidades”, diz a empresária.

Em geral, acrescenta, pessoas mais altas vêm de famílias mais abastadas, que se alimentaram melhor, tomaram mais leite quando eram pequenas, comeram mais vegetais e praticaram mais esporte.

“É claro que isso se reflete no corpo e na capacidade da pessoa aprender, ter uma formação acadêmica maior e, por consequência, ganhar mais dinheiro”, conclui a empresária.

Justiça no Brasil

Walter Ceneviva
Jornal do Commércio do Rio de Janeiro - 8/6/2009

MUITOS MILHÕES de processos em andamento no Judiciário brasileiro (nesta semana falou-se em 40 milhões) não têm a menor possibilidade de julgamento a curto prazo. Para enfrentar o problema, surgiram propostas de solução, ainda que parcial, para a crise.

Breve diagnóstico mostra, ao menos em parte, a origem do problema: em 1950 o Brasil andava na casa dos 50 milhões de habitantes, com menos de 8 mil advogados em São Paulo. Em 2010/2020, a população do país poderá ultrapassar os 200 milhões, com 300 mil advogados no Estado e mais de 600 mil no Brasil.

O Judiciário enfrenta o dilema entre melhorar a qualidade e a velocidade de seus serviços ou perder espaço e respeito em sua missão de julgar. As causas da deficiência são conhecidas. O número de juízes não acompanhou o crescimento populacional ou dos advogados. Os aplicadores do direito não se ajustaram à maior quantidade e complexidade das leis, sem falar nas variáveis constitucionais, surgidas em muitas emendas.

Cresceu o número de tribunais do trabalho, de tribunais federais, nas áreas civis e criminais relacionadas com a União, mas o atraso continuou.

Foram convocados juízes de primeira instância para funcionarem na segunda, e, desta, foram deslocados outros para os tribunais superiores. Acrescentou-se ao diagnóstico pessimista a criação nos tribunais superiores, de cláusulas restritivas ou de barreira. Deram causa a que a parte não tivesse seu recurso julgado por motivos insignificantes. Exemplo: a data, na impressão do protocolo no tribunal de origem, saiu imperfeita. Ou porque, num processo demoradíssimo, faltou o carimbo de juntada de um subestabelecimento dado na origem remota. O diagnóstico é, embora correto, injusto. Faz parecer que só o Judiciário é culpado. Culpados são todos, em particular os advogados e o Ministério Público. Não deram atenção à avalanche de autos, não foram firmes na busca de soluções. Não se opuseram às pressões do Executivo, mesmo quando não providas da moralidade prevista no artigo 37 da Constituição, quando governos se recusaram a pagar seus débitos.

Algumas destas questões foram suscitadas esta semana, na AASP (Associação dos Advogados de São Paulo) em palestras ligadas com o lançamento da revista dessa entidade, festejando os 20 anos do STJ (Superior Tribunal de Justiça).

Participando delas, tive oportunidade de dizer que os advogados devem unir-se no trabalho de contribuir para o melhor da prestação jurisdicional.

Convém aos advogados e aos promotores que o Judiciário assegure o respeito da cidadania por suas qualidades, no julgamento rápido e qualificado dos processos. Todos os profissionais da área jurídica são irmãos do mesmo ofício. Precederam os tribunais no uso das técnicas eletrônicas para dar agilidade ao andamento processual. Essa, porém, é uma questão material. Os meios humanos definirão a qualidade da Justiça.

Em tempos mais recentes ampliou-se a convicção de que o Judiciário deve melhorar o cumprimento da missão de resolver dissidências jurídicas. A história das nações aponta nesse sentido. A solução da crise atual depende do trabalho conjunto de todos, sem o qual a Justiça oficial tenderá a ser substituída por outros modos, na composição dos conflitos.

China e as Normas Internacionais


Um texto da The Economist de 30 de maio de 2009 (Red flags) discute os números contábeis na China. A conclusão é que os investidores não confiam nos valores reportados, conforme estudo de TJ Wong e Danqing Young, da Universidade chinesa de Hong Kong, e Xianjie He, da Universidade de Xangai.

Para isto, os pesquisadores analisaram as demonstrações financeiras das empresas chinesas antes e depois da adoção das normas internacionais de contabilidade, que ocorreu em 2007. Apesar da adoção das normas, isto não melhorou a relação entre o desempenho contábil (lucro) e o preço das ações. Na realidade piorou.

Sobre o processo de harmonização contábil da China, clique aqui. Foto: Ffffound

Gol


Legislação & Tributos
Decisão do Supremo pode livrar Gol de assumir passivo da Varig
29 Maio 2009
Valor Econômico


Apesar de não ter julgado a responsabilidade da Gol Linhas Aéreas pelas dívidas trabalhistas cobradas na Justiça por ex-trabalhadores da antiga Varig, adquirida pela companhia em 2007, a decisão tomada ontem pelo Supremo Tribunal Federal (STF) deverá, na prática, livrar a empresa aérea de responder por aproximadamente quatro mil processos trabalhistas. O Supremo definiu que cabe à 1ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro, onde tramita o processo de recuperação judicial da antiga Varig, decidir se há ou não sucessão na venda de seus ativos à Gol. Os ministros também decidiram que é o juiz dessa vara o responsável pela habilitação dos créditos trabalhistas dos ex-funcionários da velha Varig no processo de recuperação judicial da empresa. Como a opinião do juiz Luiz Roberto Ayoub, titular da 1ª Vara Empresarial do Rio, já é conhecida no sentido de que não há sucessão no caso Varig/Gol, na prática o rumo dessas cobranças trabalhistas já fica, de antemão, conhecido.

(...) O entendimento do Supremo, para advogados especializados em falências e recuperações, foi considerado mais do que acertado. Para o advogado Julio Mandel, do escritório Mandel Advocacia, a decisão deve acabar ou ao menos reduzir a infinidade de conflitos de competência que cercam os processos de recuperação judicial atualmente - e, com isso, as diferentes decisões que poderiam ser dadas para cada trabalhador que entrasse na Justiça. "É necessário centralizar a habilitação desses créditos em um único juiz (no caso o da recuperação) para evitar que o comprador de boa-fé seja considerado sucessor por um juiz que não é do processo principal", afirma. Mandel, como advogado da Parmalat Alimentos, em processo de recuperação judicial, espera que as duas decisões do Supremo tomadas na quarta-feira e ontem (veja quadro ao lado) tenham reflexos sobre os processos que pedem a sucessão de dívidas sofridos pelas empresas que compram ativos das companhias em recuperação movidos por seus credores. (...)

O medo de empresas que adquiriram ativos de recuperandas era justamente o de que a questão da sucessão pudesse ser julgada pela Justiça do trabalho. Isso porque já é consolidado o entendimento dos juízes trabalhistas de que ocorre a sucessão quando há compra de uma empresa pela outra.

Apesar de o Supremo ter julgado os principais pontos de controvérsia da nova lei, ainda ficou em aberto a definição do que seria uma "unidade isolada produtiva". A questão, para alguns juristas, seria a única saída para que as empresas que adquirissem ativos fora desse perfil pudessem ser responsabilizadas pelos débitos trabalhistas.


(Gráfico, cotação da ação da Gol)

Entrevista com Shiller

Cultura
Exuberância irracional
29 Maio 2009
Valor Econômico

Estatísticas divulgadas no início desta semana mostraram que os preços dos imóveis não param de cair nos Estados Unidos. É preocupante, porque ninguém acredita que a economia americana voltará a crescer com vigor se o mercado imobiliário permanecer tão deprimido. No mesmo dia em que os números vieram à luz, outra pesquisa indicou que a confiança dos consumidores americanos aumentou muito desde o início do ano. O otimismo contagiou as bolsas de valores e o pregão fechou em alta. No dia seguinte, os investidores voltaram a ter dúvidas sobre a capacidade de recuperação da economia e as ações se desvalorizaram.

O noticiário dos últimos meses está repleto de sinais desorientadores para quem tenta entender o que está acontecendo com a economia mundial. Para o economista americano Robert Shiller, professor da Universidade Yale, isso mostra duas coisas: as pessoas não se comportam como a teoria econômica convencional sugere, e ainda parece cedo demais para comemorar o fim da crise. "Desconfio que a melhora observada nos últimos meses não é sustentável e ainda teremos muitas notícias ruins pela frente", disse Shiller ao Valor na terça-feira, numa entrevista concedida em seu escritório no campus de Yale, em New Haven.

Valor: O que há de errado com a teoria econômica convencional?

Robert Shiller: A noção de que as decisões das pessoas são essencialmente guiadas por escolhas racionais e elas só decidem depois de avaliações quantitativas cuidadosas. Sempre achamos que havia algo errado com isso. Na nossa visão, traços psicológicos evidentes no comportamento humano são mais importantes, e o que faz eles se manifestarem nessa ou naquela direção são as histórias que circulam em cada época. Se as histórias dominantes num determinado período sugerem que a economia está entrando numa boa fase, as pessoas tendem a acreditar nisso e esse otimismo orienta suas decisões econômicas.

Valor: Como o próprio livro reconhece, é muito difícil isolar e medir esses traços psicológicos. Isso prejudica a utilidade prática dos conceitos que o livro desenvolve?

Shiller: É muito difícil quantificar essas coisas com o rigor e a exatidão que seriam necessários para construir novos modelos. Mas é possível fazer muita coisa. Existem vários índices que tentam medir a confiança dos consumidores. O principal, publicado pela Universidade de Michigan, foi criado por um professor de psicologia, George Katona. Os economistas veem esses índices com ceticismo, mas os empresários prestam muita atenção neles, porque sabem que a confiança é um fator importante nas decisões dos consumidores.

Valor: Que reações o livro tem despertado no meio acadêmico?

Shiller: Recebi convites para falar do livro em algumas universidades, mas não sei se ele está recebendo atenção nos círculos acadêmicos mais tradicionais. Na verdade, fizemos com este livro um esforço para alcançar uma audiência mais ampla do que a representada pela nossa profissão. A pesquisa em economia segue o modelo consagrado pelas ciências exatas e acreditamos que isso limita nossa capacidade de compreender o mundo. Os economistas precisam ser mais humildes. Deveríamos reconhecer nossos limites e prestar mais atenção no que outras ciências sociais fazem, incorporando métodos de pesquisa que são muito utilizados por sociólogos e psicólogos mas são desprezados pela maioria dos economistas.

Valor: Por que seus colegas resistem tanto a essa ideia?

Shiller: Milton Friedman escreveu um ensaio na década de 1950 argumentando que os economistas não deviam perguntar nada para ninguém. Ele acreditava que as pessoas jamais seriam capazes de explicar suas motivações sem mentir, ou sem omitir alguma coisa. Se você quisesse entender o comportamento de um jogador de sinuca profissional, por exemplo, Friedman achava inútil perguntar qualquer coisa a ele. O melhor a fazer seria contratar um físico capaz de entender a mecânica do jogo, analisar a movimentação das bolas e construir um modelo matemático que explicasse tudo. Você não precisaria falar com nenhum jogador para tentar aprender algo com ele. Os economistas adoram esse tipo de coisa. Eu acho absurdo.

Valor: O que precisa ser feito?

Shiller: Precisamos repensar os fundamentos da macroeconomia. Muitos dos meus colegas estão atentos para esse problema e fazem pesquisas importantes. Mas é um espanto o fato de que tão poucos economistas tenham previsto a crise atual, e as dificuldades que a profissão tem encontrado para oferecer soluções agora são um sinal claro do fracasso da teoria convencional. Muita gente na academia vai tentar manter os modelos tradicionais fazendo pequenos ajustes, mas não é disso que precisamos. Precisamos de uma revolução na macroeconomia.

Valor: De que maneira isso poderia contribuir para tornar mais eficiente a regulação do sistema financeiro?

Shiller: O comportamento das pessoas precisa ser levado em conta pelos reguladores. Os seres humanos são propensos a cometer erros o tempo inteiro e isso tem que ser considerado. Os engenheiros pensam nesse tipo de coisa quando projetam um avião. Não é à toa que todo avião tem um assento para o piloto e outro para o co-piloto. Um deles pode falhar durante o voo e você precisa de um substituto ali. A regulação do sistema financeiro precisa ser repensada com esse mesmo espírito.

Valor: Dê um exemplo.

Shiller: Uma coisa importante seria aumentar a transparência do sistema e mudar a maneira como as informações circulam. As empresas são obrigadas a publicar inúmeros relatórios, mas pouca gente lê esses documentos. Há alguns anos houve um movimento para forçar as empresas americanas a usar uma linguagem mais simples em seus relatórios, para facilitar sua compreensão. Mas é preciso ir mais longe se quisermos democratizar o acesso das pessoas às finanças e protegê-las contra os malfeitores que existem na praça. Devemos reconhecer os limites das pessoas e ajudá-las a tomar decisões com assessoria especializada.

Valor: Como assim?

Shiller: Hoje em dia, serviços de assessoria em assuntos financeiros são oferecidos apenas por pessoas interessadas em vender produtos financeiros específicos. Corretores de ações e corretores de imóveis são recompensados por fazer recomendações que nem sempre são adequadas para as pessoas, e não há incentivos no sistema atual para corrigir isso. Minha sugestão é que o governo subsidie esse tipo de serviço, para estimular o nascimento de uma indústria de assessores financeiros que sejam desinteressados e deem segurança às pessoas. Na hora de planejar investimentos significativos e tomar decisões importantes como a compra do primeiro imóvel, as pessoas poderiam ter ajuda de um assessor especializado, com quem teriam o mesmo tipo de conexão pessoal que qualquer um tem com seu médico particular.

Valor: De que maneira isso evitaria a formação de bolhas como a que surgiu no mercado imobiliário americano?

Shiller: A crise atual é essencialmente o resultado de falhas na maneira como as pessoas e as empresas administraram os riscos a que estavam expostas. Havia uma enorme bolha se formando e praticamente ninguém aconselhando as pessoas a tomar cuidado. Pelo contrário, todo mundo dizia que o melhor a fazer era comprar o que aparecesse pela frente e se alavancar. As pessoas passaram a acreditar que os preços dos imóveis continuariam subindo para sempre e fizeram suas apostas com base nessa crença, embora os imóveis tivessem se desvalorizado em outros momentos no passado. A teoria financeira convencional diz que as pessoas devem diversificar seus investimentos e buscar proteção contra os riscos que correm. Ninguém seguiu esse conselho enquanto a bolha estava se formando e o resultado foi desastroso, como vimos depois.

Valor: Mas muita gente sabia que estava correndo riscos, não?

Shiller: Faz parte da natureza humana cometer erros desse tipo. Não há o que fazer para evitar que as pessoas cometam loucuras e haverá outras bolhas no futuro. Mas é possível evitar que os problemas criados por erros desse tipo tenham a intensidade da crise atual. É possível desenhar instituições financeiras em que as pessoas tenham mais proteção.

Valor: É função do governo proteger as pessoas contra seus próprios erros?

Shiller: Em qualquer esporte há juízes. Eles são necessários. Se eles não existissem, não saberíamos quem ganhou o jogo, os times iam brigar e as pessoas iam se machucar. O resultado disso não seria aceitável para ninguém. Os jogadores precisam de um juiz e o público também quer. É a mesma coisa com a regulação da economia. Se o governo não estabelecer as regras do jogo, os bancos e as empresas farão isso. Foi essencialmente o que eles fizeram nos últimos anos. Não é que o governo precisa proteger as pessoas contra sua própria natureza. Somos nós que decidimos que queremos um jogo com regras claras e um juiz para arbitrar conflitos, porque é do nosso interesse.

Valor: O governo tem condições de atuar como um árbitro isento numa situação como a dos Estados Unidos, em que o Estado passou a controlar uma fatia tão significativa do sistema financeiro?

Shiller: Todo mundo espera que os juízes sejam imparciais, mas às vezes eles podem ser subornados, ou fazem apostas por baixo do pano. Você pode concluir que a natureza humana é tão definitivamente corrompível que não resta nada a fazer. Mas nem todo mundo é corrompível, e é por isso que as sociedades em geral funcionam. Uma noção importante para a teoria econômica convencional é a ideia de que as pessoas são inexoravelmente egoistas, capazes de desrespeitar as leis e fazer qualquer coisa para maximizar seus lucros. Tem algo errado aí.

Valor: A crise fez os americanos parar de consumir e eles estão economizando mais. É apenas uma estratégia para enfrentar a recessão ou um sinal de transformações mais profundas no comportamento das pessoas?

Shiller: Não sei ao certo. Acabamos de ver um salto nos índices de confiança dos consumidores e muitas pessoas parecem acreditar que o pior da crise ficou para trás. Muita gente acha que os preços dos imóveis vão se recuperar em breve, embora continuem caindo. Como argumentamos no livro, os espíritos animais têm vida própria. Mas desconfio que a melhora observada nos últimos meses não é sustentável e ainda teremos muitas notícias ruins pela frente. A questão é saber se esta crise será mesmo um evento transformador. Acho que a recessão vai se prolongar por mais tempo. Isso levará a um aumento nas taxas de poupança dos Estados Unidos e a uma atitude menos especulativa.

Valor: A maior aversão das pessoas a riscos vai enfraquecer as fundações do capitalismo americano?

Shiller: Não vamos exagerar. Tivemos depressões e pânicos no passado. Depois esquecemos tudo, voltamos a cometer os mesmos erros e o capitalismo sobreviveu. Apesar de tudo que ocorreu nos últimos meses, existe atualmente um crescente reconhecimento do valor do capitalismo como um sistema capaz de produzir e distribuir riqueza. Não acredito que a atual recessão vá acabar com isso.

Valor: As medidas adotadas pelo governo americano para combater a crise estão na direção certa?

Shiller: Temos que dar tempo ao governo. Tem muita gente boa lá dentro e eles sabem o que é preciso fazer. Defendemos no livro a ideia de que os bancos centrais precisam ter como meta manter a oferta de crédito em condições que garantam pleno emprego e estabilidade econômica. A preocupação com a inflação não pode ser o único objetivo. O atual presidente do Federal Reserve, Ben Bernanke, sabe bem disso, porque discutiu essa ideia nos seus estudos sobre a Grande Depressão. E o Fed já está trabalhando nessa direção.

Valor: O aumento dos investimentos do governo ajuda?

Shiller: A maioria dos economistas acredita hoje em dia que o aumento dos gastos públicos provocado pela Segunda Guerra Mundial foi o que acabou com a Grande Depressão. Mas não acredito que os gastos do governo tenham sido o fator determinante. O que a guerra fez foi mudar a maneira como as pessoas viam a economia e o momento que o país estava atravessando. Durante a Grande Depressão, elas foram tomadas por expectativas ruins que se autoalimentavam e davam a impressão de que aquilo ia durar para sempre. Com o esforço coletivo em torno da guerra e a reunião das famílias depois que o conflito acabou, as pessoas abandonaram esse estado mental e passaram a se comportar de outra maneira, dando impulso à recuperação da economia.

Valor: Uma empresa que o senhor ajudou a fundar, a MacroMarkets, está lançando um fundo que permitirá aos investidores fazer apostas na evolução dos preços dos imóveis. Por quê?

Shiller: A crise atual mostrou que faltam instrumentos para proteger as pessoas contra os riscos do mercado imobiliário. Isso é fundamental. Construtoras, corretoras e pessoas que adquiriram imóveis antes que a bolha estourasse agora encontram enorme dificuldade para se ajustar. Queremos criar um mercado para produtos financeiros que reflitam a evolução dos preços dos imóveis. Tentamos fazer isso no mercado de futuros antes da crise, mas não houve interesse. Acho que os investidores não entendem bem como o mercado imobiliário funciona e por isso não compraram nossa ideia. Desta vez vamos lançar um fundo com ações negociadas na Bolsa de Valores de Nova York. Tivemos dificuldade para obter aprovação dos órgãos reguladores. Vamos ver agora se as pessoas terão interesse em participar.