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07 novembro 2006

Bradesco

O lucro anunciado do Bradesco sofreu com a amortização do ágio, realizado integralmente neste período. Isto também foi feito pelo Itaú. Entretanto, a distribuição dos dividendos terá como base um lucro maior. Seria esta amortização interessante? A reportagem a seguir, do Estado de hoje, diz que sim.

Com aquisições, lucro do Bradesco cai para R$ 3,35 bi

Sem efeito das amortizações, lucro de janeiro a julho ultrapassou R$ 5 bilhões, 24% maior que o de 2005

Renée Pereira

O lucro líquido do Bradesco, maior banco privado do País, atingiu R$ 3,35 bilhões entre janeiro e setembro deste ano, resultado 17,27% inferior ao de igual período do ano passado. A redução, a exemplo do que ocorreu com o Itaú (que lucrou R$ 3 bilhões), foi provocada pela amortização integral do ágio referente a aquisições feitas no passado, como American Express (Amex) e Banco do Estado do Ceará (BEC). O retorno sobre o patrimônio ficou em 22%.

Sem o efeito das amortizações, o lucro do banco ultrapassou os R$ 5 bilhões, valor 24% superior ao do mesmo período de 2005. 'O resultado veio dentro das expectativas do mercado e foi considerado bastante satisfatório', disse o analista João Augusto Salles, da consultoria Lopes Filho. Com o anúncio do balanço, as ações preferenciais valorizaram 2,25% e as ordinárias, 1,65%. A amortização integral de ágio dá mais transparência aos números dos bancos.

O presidente do Bradesco, Márcio Cypriano, informou que a distribuição de dividendos será feita com base no valor de R$ 4,74 bilhões. Esse é o lucro líquido ajustado, com amortização do primeiro semestre. O executivo destacou ainda que 67% do ganho veio da atividade bancária e 33%, de seguros.

A carteira de crédito, incluindo avais e fianças, mais uma vez foi um dos destaques do balanço, com um avanço de 27,8%, somando R$ 110,30 bilhões. Entre essas operações, o maior crescimento, de 27%, foi detectado no portfólio para pessoa física, especialmente nas linhas de crédito pessoal e veículos. Na modalidade cartão de crédito, houve um salto na carteira de 76,6%, explicado pela aquisição da Amex, explicou Cypriano.

Na carteira para pessoa jurídica, os empréstimos para pequenas e médias empresas aumentaram 25,6%. Já a demanda das grandes empresas atingiu 13,1%, porcentual explicado pelo acesso à modalidades de financiamento no mercado de capitais, observa Cypriano. 'O crédito veio em linha com nossa expectativa de crescer entre 22% e 25% este ano. Para 2007, a previsão é de avanço de 20%.'

Ele destacou ainda que o crédito consignado com carteira adquirida - por meio de parcerias com bancos médios - cresceu bem menos que a carteira com recursos próprios - 7,5% ante 84,7%. 'Hoje esses bancos médios estão encontrando outras formas de se financiarem e não precisam tanto das parcerias com grandes bancos como no passado', explica Cypriano.

Em relação à inadimplência, o índice médio dos atrasos acima de 59 dias atingiu 4,2% em setembro, ante 3,1% em igual período do ano passado. O presidente do banco explicou que esse aumento é resultado do novo mix da carteira de crédito, com maior participação dos empréstimos para pessoa física. Nessas linhas, o risco é maior, mas o retorno compensa, já que os juros são extremamente elevados.

Por causa do aumento da inadimplência e do crescimento da carteira de crédito, o Bradesco elevou em 83% as despesas com Provisão para Devedores Duvidosos, de R$ 1,74 bilhões para R$ 3,22 bilhões. O valor excede em R$ 79 milhões o exigido pelo Banco Central (BC). A notícia positiva, segundo Cypriano, é que a inadimplência se estabilizou em agosto e já apresenta algum recuo.

O executivo também se mostrou otimista em relação ao crédito imobiliário. Ele afirmou que até setembro o volume de financiamento já tinha atingido R$ 1,6 bilhão, esbarrando na meta de R$ 2 bilhões estabelecida para o ano. 'Devemos chegar a esse valor até o fim de novembro.' Cerca de 83% dos empréstimos foram para construtoras e 17%, consumidor final.

Outra conta que teve resultado bastante positivo foi a receita de prestação de serviço, que subiu 21,3%, para R$ 6,47 bilhões. Neste ano, esse faturamento respondeu por 26% do resultado. Os ativos totais somaram R$ 243 bilhões e o patrimônio líquido, R$ 21,77 bilhões.

Vampiros, fantasmas e outros

O professor Costas Efthimiou, da Central Florida University, juntamente com Sohang Gandhi, publicaram um texto denominado "Ghots, Vampires and Zombies". O artigo, que poderia participar perfeitamente do próximo Ignobel, prova que vampiros, zumbis e fanstasmas não podem existir.

Considere o caso dos vampiros. Se cada vampiro mordesse um ser humano por mês, e este ser humano se transformasse em vampiro, basta aplicar um simples cálculo matemático para mostrar esta impossibilidade de existência do vampiro. Neste caso, o crescimento da população de vampiros seria exponencial. Considerando que o mito do vampiro nasceu no século XV, e considerando também o crescimento exponencial da população, em 30 meses toda população humana seria de vampiros.

Clique aqui para ler o texto da pesquisa (PDF e inglês)

O sucesso de Freakonomics

O livro Freaknomics é um sucesso mundial, com mais de 2 milhões de cópias vendidas só nos Estados Unidos e 30 edições estrangeiras. Qual a razão de tal sucesso? Segundo o sítio Economic Principals são diversas as explicações possíveis. O estilo do texto, os temas tratados, a redação da obra etc. Entretanto este sítio destaca a participação decisiva da The New York Times Sunday Magazine. Nesta revista Dubner contou a história de Levitt, que depois foi transformado em livro. Esta mesma revista promoveu, no passado, o também best-seller Chaos, de James Gleick (possui tradução para o português).

06 novembro 2006

Restaurantes brasileiros

Reportagem do Estado de S. Paulo de ontem mostra o bom desempenho das redes de fast-food nacionais. A soma do faturamento do Giraffas, Spoleto, Habib´s e Bob´s atingem a R$1,5 bilhão. Algumas destas redes tem como concorrentes diretos empresa multinacionais. Um ponto comum é a capacidade de adaptação das empresas para o gosto do brasileiro.

Entretanto, salta aos olhos a dificuldade de fazer uma análise maior das próprias empresas. O faturamento é estimado, não existem dados de lucro e investimento e não se percebe uma vontade de colocar para o público as demonstrações contábeis.

A proposta de lei societária exige a divulgação das demonstrações das grandes empresas. Está parada no Congresso e provavelmente não será votada tão cedo.

05 novembro 2006

Duas contabilidades?

O TCU descobriu que os balanços publicados de certas estatais não batem com as operações registradas no Siafi.

Estatais driblam controle com balanços que variam até 3.688%

TCU aponta divergências nos relatórios de 8 empresas federais em relação aos valores que elas registraram no Siafi

Rosa Costa, Adriana Fernandes, BRASÍLIA

Oito empresas estatais apresentam atualmente problemas nos dados financeiros que enviam ao Congresso. Relatório do Tribunal de Contas da União (TCU) aponta disparidades importantes entre os valores registrados pelas estatais federais no Sistema Integrado de Administração Financeira (Siafi) - banco eletrônico cujos dados podem ser livremente fiscalizados pelos parlamentares - e os números declarados pelas empresas em seus balanços. Em termos proporcionais, a maior distorção foi identificada na Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais (CPRM). Em 2005, a estatal registrou no Siafi que suas obrigações financeiras de longo prazo somavam R$ 2,326 milhões. Ao publicar o balanço, porém, a companhia declarou pendências num total bem superior: R$ 88,114 milhões. Uma diferença de 3.688%.

Os técnicos do TCU analisaram os dados fornecidos no ano passado por dez estatais. Quatro são do grupo das chamadas “dependentes” - aquelas que precisam do dinheiro da União para pagar o salário de seus funcionários e as despesas de manutenção. As outras seis não recorrem a recursos do Orçamento para sobreviver. Em oito delas, foram encontradas discrepâncias entre o registrado no Siafi e declarado nos balanços.

O TCU determinou à Secretaria do Tesouro Nacional, responsável pela contabilidade pública, que adote medidas “necessárias e urgentes” para eliminar as distorções. Estabeleceu como prazo o exercício de 2008. Até lá, o Tesouro terá de “reavaliar as rotinas contábeis atuais aplicáveis às empresas estatais no âmbito do Siafi, bem como na disseminação das informações”. O relatório, assinado pelo ministro Ubiratan Aguiar, foi aprovado por unanimidade na última quarta-feira.

Se nada for feito contra a disparidade de informações, o ministro avisa que o País continuará convivendo com “contabilidades paralelas que impossibilitam o controle real” das empresas. “Mantida a situação atual, não adianta a lei determinar e não haver suporte e controle adequado para a execução das determinações legais”, observa. Deixa ainda patente que as divergências de dados podem comprometer a credibilidade do Siafi.

DESCONTROLE

Já há algum tempo o TCU tinha suspeitas de descontrole contábil das estatais federais, confirmadas agora pelo relatório de Aguiar. Ele servirá de base para o parecer final que o TCU faz anualmente das contas do governo federal. A dúvida maior é se o problema se estende ao registro - e sobretudo à confiabilidade - das contas das estatais no Siafi.

A distorção nos dados foi identificada até mesmo em empresas do porte da Caixa Econômica Federal (CEF) e do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). O lucro líquido da Caixa, em 2005, de acordo com o Siafi, é de R$ 428 milhões. Já o balanço da empresa mostra um desempenho 384,3% maior, de R$ 2,073 bilhões. Os valores do caixa e receitas a receber a curto prazo (ativo circulante) do BNDES no Siafi são de R$ 15,185 bilhões, enquanto no balanço chegam a R$ 38,55 bilhões. A diferença é de 153,9%.

No caso da Empresa Gerencial de Projetos Navais (Emgepron), o lucro líquido declarado ao Siafi foi de R$ 6,14 milhões, mas o do balanço anual foi de R$ 9,8 milhões - diferença de 59,5%. Já a Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU) declarou ao Siafi ativo circulante de R$ 1,11 milhão e publicou balanço de ativos de R$ 830 mil, com diferença de 34,4%, só que negativa. Essas disparidades, afirmou Aguiar, abrem brechas no próprio controle dos recursos públicos e possibilitam a criação de passivos e gastos sem dotação orçamentária.

O ministro lembra que as dependentes, por determinação da Lei de Responsabilidade Fiscal, têm necessariamente de “processar toda sua execução financeira no Siafi”. As não-dependentes sem capital aberto - como a Caixa, o BNDES e os Correios -, embora não exista nenhuma lei que determine sua inclusão no Siafi, acabam tendo seus dados publicados no sistema na elaboração do Balanço Geral da União.

No relatório, Aguiar questiona a quem serviria a publicação de dados errados no Siafi e nos balanços das empresas. “Ou se negociam prazos ou formas alternativas para a integração ou perpetua-se a divulgação de dados de qualidade bastante questionável”, adverte .

No relatório, o TCU chama a atenção para o grupo hospitalar Conceição, estatal subordinada ao Ministério da Saúde, que administra os hospitais Cristo Redentor, Nossa Senhora da Conceição e Fêmina, todos no Rio Grande do Sul. Em documentação enviada ao TCU, a empresa admite que realizou “despesas orçamentárias fora do sistema Siafi”.

Como estatal dependente, o hospital não poderia adotar essa prática. Por isso, será punido, conforme determinam as normas de fiscalização pública. O Ministério da Saúde também reconhece em ofício enviado ao TCU que não há respaldo legal para a medida e promete correções no “outro exercício” financeiro, ou seja, em 2007.

REGISTROS

O TCU enfatiza no relatório que as empresas estatais acabam tendo de se submeter a dois tipos diferentes de registro contábil, regidos por leis diferentes: um público e outro comercial. Por isso, admite o tribunal, é natural a ocorrência de diferenças entre os números. Mas as discrepâncias, conforme lembra Aguiar, não podem ser inconciliáveis. Para o tribunal, os balanços devem apontar as razões das diferenças, o que não ocorre hoje. Da mesma forma, os números - pela diferença de legislação - não podem ser totalmente iguais, como foi identificado no caso das estatais Valec Engenharia, Construções e Ferrovias S.A. e a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep).


Fonte: Estado de S. Paulo, 05/11/2006

LRF sob perigo

A Lei de Responsabilidade Fiscal tem sido considerada um avanço na condução política do Estado. Notícia do jornal Estado de S. Paulo de hoje informa que o presidente reeleito "dá sinal verde para aliviar Estados com nova Lei Fiscal". O acordo interessa à oposição, que irá enfrentar o rigor da lei no RS, AL e PB.

Ainda Bolívia

O artigo a seguir, de Norman Gall, coloca que o acordo de nacionalização foi uma vitória política do presidente Morales. Fica claro que é um jogo entre as duas partes, onde a Bolívia precisa do dinheiro para financiar os gastos estatais e a Petrobrás, principalmente, precisa do gás para suprir as empresas brasileiras. As palavras de Ricupero parecem sensatas. Além disto, é interessante notar o índice de aprovação política do presidente boliviano, em queda.

Gás da Bolívia: conflitos e contratos

Norman Gall

O acordo de nacionalização das companhias petrolíferas que operam na Bolívia proporciona uma vitória política muito necessitada ao presidente Evo Morales, cujo governo vem se enfraquecendo com disputas locais e ideológicas que têm testado sua credibilidade. Agora, o foco estará nos investimentos futuros necessários para reverter os esperados declínios na produção e em como atender à crescente demanda doméstica e de exportações.

O acordo de última hora sobre o gás, assinado sob pressão por 10 empresas estrangeiras para cumprir o prazo de 28 de outubro imposto pelos bolivianos, proporciona benefícios de curto prazo a ambas as partes, mas não conseguiu pôr fim às pretensões de ambos os lados. Tanto o governo boliviano como as companhias, especialmente a Petrobrás, precisam muito da continuidade das operações. A Bolívia precisa do dinheiro das exportações de gás para financiar seu governo, ao passo que a Petrobrás precisa do gás boliviano, por enquanto, para alimentar as indústrias no Brasil. Com um peso menor na produção boliviana de gás, a British Gas (BG) tem um papel importante na economia de São Paulo via sua subsidiária Comgás, que depende das importações de gás boliviano.

Referindo-se aos novos contratos, o embaixador Rubens Ricupero, especialista em comércio que preside o Instituto Fernand Braudel de Economia Mundial, advertiu que “acordos firmados sob pressão contêm sempre os germes de futuros conflitos”.

Versões diferentes surgiram rapidamente sobre o que foi acordado em duas questões-chave: investimentos futuros das companhias, e se estas conservam o direito, tal como dispõem os contratos anteriores, de apelar para uma arbitragem internacional em qualquer disputa com o governo ou com sua companhia petrolífera estatal, Yacimientos Petrolíferos Fiscales Bolivianos (YPFB).

Autoridades da YPFB admitem livremente que a Bolívia não dispõe de capacidade técnica e financeira suficiente para desenvolver e operar sua própria indústria de petróleo e gás. Depois das tentativas anteriores de nacionalização em 1937 e 1969, seguidas por acusações de excesso de pessoal e corrupção na YPFB, o papel da companhia estatal, encolhida nos últimos anos, tem se limitado a supervisionar as atividades de operadores estrangeiros. Os novos contratos do gás estão sujeitos à aprovação do Congresso boliviano e às decisões de uma nova Assembléia Constituinte convocada por um referendo organizado por Evo para “refundar” a república.

Agora, os planos de novos investimentos das companhias precisam ser aprovados pela YPFB. Nos cinco meses desde que decretou a nacionalização, em 1º de maio, os índices de aprovação do presidente Evo caíram de 81% para 50% em cinco cidades importantes, segundo a Mori, uma empresa internacional de pesquisas de opinião, e as expectativas são de que ela caia ainda mais nos próximos meses. Enquanto isso, os que acham que a Bolívia avança na direção errada aumentaram de 19% para 59%.

O acordo do gás com 10 companhias estrangeiras pode ajudar a reverter essas tendências. Entretanto, Evo está envolvido em conflitos em várias frentes. Ele disse ao jornal francês Le Monde que “20 especialistas, veteranos militares”, vieram de Santa Cruz para matá-lo num comício político. Alguns dias antes, em meio a rumores de um golpe de Estado, o presidente Hugo Chávez da Venezuela advertiu que “a Venezuela não ficará de braços cruzados se o governo da Bolívia e o povo da Bolívia forem atacados de fora ou de dentro”.

As convulsões da política boliviana produziram seis presidentes desde 2001. A Bolívia vem enfrentando uma agitação quase contínua desde que a violência da rua forçou a renúncia do presidente Gonzalo Sánchez de Lozada em outubro de 2003, em meio a furiosos protestos nacionalistas contra seus planos de exportar gás pelo Porto de Arica, no Chile, um vizinho odiado desde que a Bolívia perdeu suas terras costeiras para o país na Guerra do Pacífico (1879-1984). Em Arica, os suprimentos bolivianos seriam transformados em gás natural liquefeito (GNL) e embarcados em navios especiais para ser entregue em portos do México e da Califórnia. Agora, esses mercados estão sendo abastecidos por GNL indonésio.

A queda de Sánchez de Lozada encerrou duas décadas de estabilidade para a Bolívia. Entre 1978 e 1982, sete presidentes governaram o país. Contudo, junto com o resto da América Latina, a Bolívia alcançou o governo por consentimento dos governados nos anos 80, uma herança preciosa da civilização ocidental, em contraste com os regimes militares que prevaleceram na maior parte da região nas décadas de 60 e 70. A Bolívia experimentou duas décadas de democracia constitucional desde 1982, que presenciaram seis sucessões ordeiras de presidentes livremente eleitos. Ela superou a hiperinflação, conquistando a estabilidade da sua moeda e dos preços. Nas duas últimas décadas, a mortalidade infantil caiu pela metade, a matrícula escolar cresceu de maneira acelerada e as redes de transportes, comunicações, eletricidade e saneamento básico se expandiram, melhorando o padrão de vida num país muito pobre.

Apesar das agitações políticas e mudanças de governo, o desempenho macroeconômico da Bolívia melhorou, influenciado, em grande parte, por um aumento de sete vezes nos volumes de gás exportados desde 2000. A inflação está baixa (3%), apesar dos percalços causados pelos freqüentes conflitos e bloqueios de estradas. A moeda está estável. Sem os impostos e royalties do petróleo e do gás, o déficit do setor público estaria em torno de 10% do PIB durante esses anos em vez de em 3,5% em 2005. Economistas do Banco Mundial prevêem um superávit fiscal de 6% em 2006.

No entanto, o governo de Evo tem sido acusado tanto por torcedores como por adversários de usar uma retórica incendiária enquanto parece incapaz de tomar medidas efetivas. Seu veículo eleitoral, o Movimento ao Socialismo (MAS), é menos um partido estruturado que uma coalizão desses grupos de interesses que já estão clamando por vantagens políticas:

1. Os plantadores de coca (cocaleiros) da região semitropical do Chapare que constituíram a base de sustentação política de Evo desde o início da década de 1990.

2. A Federación de Juntas Vecinales (Fejuve) de El Alto, o gigantesco subúrbio aimará de La Paz, cuja população passou de 11.000, em 1950, para aproximadamente 800.000 hoje, desenvolvendo uma máquina política na qual predominam os pobres cujas greves, marchas e bloqueios de estradas desempenharam um papel-chave para forçar as renúncias dos presidentes Sánchez de Lozada em 2003 e Carlos Mesa em 2005.

3. As cooperativas de mineiros que forneceram tropas de choque em sublevações políticas recentes e no mês passado provocaram choques com os empregados assalariados da Coimibol, a companhia mineradora estatal, sobre o acesso a ricos veios de estanho da mina Huanuni, resultando na morte de 16 trabalhadores e 67 feridos. Em resposta, Evo anunciou que renacionalizaria toda a indústria da mineração, medida que ele posteriormente adiou para o ano que vem.

4. Diversos sindicatos de camponeses e de professores.
Atualmente, o principal teatro dos conflitos é a Assembléia Constituinte, criada por um estatuto que requer maiorias de dois terços para promulgar provisões constitucionais. O MAS conquistou maioria simples na Assembléia, mas não conta com os dois terços necessários para impor sua vontade, paralisando os procedimentos nos últimos três meses. O MAS insiste em que a maioria simples é suficiente para aprovar provisões individuais e afirma que a Assembléia tem poderes transcendentes sobre todas as outras instituições governamentais.

Essas pretensões são contestadas por quatro Departamentos (Estados) das planícies - Santa Cruz, Tarija, Beni e Pando - onde está concentrada a maioria dos recursos naturais da Bolívia, incluindo petróleo e gás, que buscam uma “autonomia” regional para reduzir os poderes do governo central. Na última semana, o governo anunciou que proporia à Assembléia uma reorganização do território da Bolívia em 42 “regiões” de uma maneira que reduziria os poderes das administrações departamentais.

As táticas agressivas de Evo contra o Brasil, apesar da resposta conciliatória do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, mostram a vocação da coalizão do MAS mais para atacar que para construir relações e instituições estáveis. Antes de Lula e a Petrobrás começarem a receber um tratamento rude pelos bolivianos depois do decreto da nacionalização em 1º de maio, Marco Aurélio Garcia, principal assessor de Lula sobre política latino-americana, dizia a visitantes que Evo e o MAS eram a grande esperança de estabilidade na Bolívia.

As ameaças continuaram sobre o confisco forçado das refinarias adquiridas pela Petrobrás em 2000. “Se eu fosse o Brasil, daria as duas refinarias de presente (para a Bolívia) se estamos pensando em nos ajudar a reduzir as desigualdades sociais”, disse Evo numa coletiva à imprensa dois dias depois do anúncio do acordo. “Se alguma companhia não firmasse o contrato, as Forças Armadas estavam preparadas para exercer os (nossos) direitos de propriedade.” O Exército boliviano ocupou por um breve período as instalações da Petrobrás no campo de gás de San Alberto quando Evo decretou a nacionalização.

Nesse clima de incertezas, o novo acordo do gás oferece, a curto prazo, um aumento da receita do governo do MAS, mas deixa sem respostas questões importantes a serem acertadas para assegurar o abastecimento de gás da Bolívia e de seus vizinhos além dos próximos cinco anos. Fontes do setor insistem que os novos contratos não comprometem as companhias com investimentos futuros, concentrando-se no aumento da arrecadação fiscal para a Bolívia com base em volumes produzidos de petróleo e gás, taxas de recuperação de diferentes campos e compensação para as companhias por custos correntes e investimentos prévios. Todos os recursos obtidos com as vendas de gás são depositados numa conta fiduciária gerenciada pela YPFB, que assina os cheques de desembolso para as companhias.

O ministro dos Hidrocarbonetos, Carlos Villegas, disse que o novo acordo triplicará a receita de gás do governo, para U$ 1,1 bilhão, enquanto as companhias investiriam U$ 3,5 bilhões nos próximos três anos para aumentar a produção. Ele antecipou investimentos de U$ 900 milhões pela Repsol, BG e British Petroleum no campo de Margarita, e outros U$ 586 milhões por Total, Exxon-Mobil e BG no campo de Itaú, ambos no departamento meridional de Tarija.

Os investimentos em exploração e produção caíram drasticamente nos últimos anos, de aproximadamente U$ 600 milhões anualmente em 1998-1999 para U$ 200 milhões em 2005. Antes de assinar os novos contratos, a Petrobrás reduziu seus investimentos planejados na Bolívia para 2006-2010 de U$ 2 bilhões para apenas U$ 90 milhões. Das 38 plataformas de perfuração em operação em 2004, restam somente 3. As companhias só estão investindo o suficiente para manter a produção corrente e cumprir as obrigações contratuais.

Depois de uma revisão para baixo das reservas, a Bolívia logo poderá não estar produzindo gás suficiente para atender nem a demanda doméstica, nem os compromissos de exportação. Qualquer aumento da capacidade de produção e exportação da Bolívia demandará grandes investimentos em infra-estrutura, especialmente em poços e oleodutos, envolvendo períodos prolongados de planejamento e construção antes de sua entrada em operação.

“Há pouca ou nenhuma consciência pública na Bolívia sobre o desafio pendente da capacidade de entregar gás natural”, disse Carlos Alberto López, um veterano consultor. “O governo continuou insuflando as expectativas públicas de aumentar a produção de gás, anunciando quase semanalmente novas iniciativas de industrialização, novos projetos de exportação e assinando cartas de intenção com novos investidores e compradores. Todos esses pronunciamentos giram em torno da ilusão geral de que o país possui reservas quase inesgotáveis de gás.”

Os compromissos da Bolívia se expandiram rapidamente com um contrato assinado recentemente pelos presidentes Evo e Néstor Kirchner da Argentina que elevaria as exportações de gás da Bolívia para a Argentina, que precisa desesperadamente de novos suprimentos de gás, de 4,5 milhões de metros cúbicos (mm³) diários hoje para 27,7mm³ até 2010 a um preço de U$ 5 por milhão unidades térmicas britânicas (BTUs), cerca de 20% mais do que o Brasil está pagando hoje. Atualmente, a demanda por gás boliviano é cerca de 1,5mm³ superior a sua capacidade de produção e entrega de 37,5mm³, um déficit que experts independentes acreditam que aumentará para 8,2mm³ até 2010, mesmo sem a nova demanda acrescentada pelo recente acordo com a Argentina, já que sua participação de 30% do novo preço na boca de poço de U$ 4,75 seria quase o dobro do que receberam em 2002 de 68% do preço de boca de poço de U$ 1,17 nas exportações para o Brasil.

Pelos novos contratos e legislação, a YPFB controlará a comercialização de todo o gás boliviano, permitindo-lhe jogar Brasil e Argentina um contra o outro. Os 27,7mm³ prometidos à Argentina até 2010 são aproximadamente equivalentes ao que o Brasil importa hoje da Bolívia. “A competição entre Argentina e Brasil pelos escassos recursos bolivianos no médio e curto prazo poderia colocar a Bolívia numa posição mais forte para pedir novos reajustes de preços, na medida em que ela será incapaz de atender plenamente aos volumes dos dois contratos de exportação pelo menos até 2010”, segundo um novo relatório da Cambridge Energy Research Associates (Cera).

“Esse período infelizmente coincide com um situação de aperto nos mercados energéticos de Chile, Brasil e Argentina que já está compelindo esses governos a recorrerem a combustíveis mais caros, importações de GNL e medidas de administração de demanda.”

Respondendo a essas incertezas, o Brasil está planejando dois terminais de GNL para importar 20mm³ diários até 2008-2009 e está acelerando o desenvolvimento de grandes descobertas de petróleo e gás na Bacia de Santos. A Argentina importou gás boliviano e depois reexportou boa parte dele ao Chile até que os problemas de abastecimento da Argentina, agravados por preços domésticos artificialmente baixos e uma demanda em forte expansão, forçaram uma redução das exportações para o Chile. Agora, o Chile está construindo uma usina de regasificação de U$ 400 milhões para importar GNL, e manifestou interesse em comprar gás boliviano. Mas o ministro boliviano das Relações Exteriores, David Choquehuanca, disse que “primeiro precisamos resolver o problema marítimo”. Ultimamente tem ocorrido discussões discretas entre líderes bolivianos e chilenos sobre a hipótese do Chile ceder uma faixa da sua costa ao longo da fronteira com o Peru para atender à antiga reivindicação boliviana de uma saída soberana para o Pacífico.

Evo e o MAS estão na encruzilhada entre confronto e cooperação. Seus apoiadores mais radicais resistirão à cooperação, a menos que Evo consiga mostrar claramente as vantagens de desenvolver uma relação operacional viável com companhias e governos estrangeiros. Do contrário, os problemas da Bolívia se multiplicarão.

(1) Fundación Milenio, Boletín Mensual. La Paz, agosto-setembro 2006/p.8

(2) Fundación Milenio, Informe de Milenio sobre la Economia en el Primer Semestre de 2006, La Paz, setembro 2006/ p. 80.

(3) Dados do Banco Central da Bolívia, Sexta Revisão do Acordo de Standby do FMI (novembro de 2005), e Juana Patrícia Jiménez, Trayectoria Macroeconomica. La Paz: Fundación Milenio, maio 2006.

(4) “El Gobierno planea crear 42 regiones y otro nivel de poder”, La Nación. La Paz, 2 de novembro de 2006.

(5) “Bolívia recibirá U$ mil millones”, La Republica. Lima: 2 de novembro de 2006.

*Norman Gall é diretor-executivo do Instituto Fernand Braudel de Economia Mundial. Ele passou três semanas na Bolívia, onde faz pesquisas desde 1965.