Miseráveis até há vinte anos, os índios americanos
fazem fortunas com cassinos e outros negócios
Denise Dweck
Os indígenas americanos, aqueles idealizados pelo cinema como guerreiros indômitos do oeste selvagem, chegaram aos tempos modernos em condições nada gloriosas. Pobres, habitando aldeias precárias ou a periferia de grandes cidades, ainda enfrentaram ao longo do século XX sucessivas quebras de acordos feitos com o governo sobre a delimitação de suas terras. Há vinte anos, a sorte dos peles-vermelhas começou a mudar. A Suprema Corte americana decidiu que os estados não poderiam proibir os jogos de azar nas reservas indígenas caso os permitissem no restante de seu território. A lei foi promulgada para proteger um dos negócios de fundo de quintal mantidos na época pelos índios: as casas de bingo. Livres para explorar a jogatina, os caciques transformaram os bingos em pequenos cassinos. O negócio se expandiu a tal ponto que hoje os indígenas são os reis do jogo nos Estados Unidos – têm nada menos que 391 cassinos, inclusive alguns dos maiores e mais suntuosos do mundo. Entre eles está o Morongo Casino Resort Spa, a 150 quilômetros de Los Angeles, erguido por 250 milhões de dólares pela tribo morongo. Juntos, os cassinos pertencentes a tribos indígenas faturam 22,6 bilhões de dólares por ano, mais do que Las Vegas e Atlantic City juntas.
Há quatro meses, a tribo dos seminoles, da Flórida, deu seu passo mais ambicioso: desembolsou 965 milhões de dólares pela rede de restaurantes, hotéis e cassinos temáticos Hard Rock. Ao anunciar a compra, numa cerimônia em Times Square, no coração de Nova York, o chefe da tribo fez blague referindo-se ao fato de que a Ilha de Manhattan foi comprada dos índios pelos colonizadores no século XVII. "Vamos comprar todas as terras de volta, um hambúrguer de cada vez", disparou. A riqueza ainda não chegou a todas as 561 tribos do país. Calcula-se que, do total de 1,8 milhão de índios americanos, 26% ainda vivam abaixo da linha de pobreza. Mas, para a maioria deles, os tempos mudaram. Além dos cassinos, seus negócios incluem redes de postos de gasolina, shopping centers e atrações turísticas. No mês passado, a tribo hualapai inaugurou uma passarela sobre uma parte do Grand Canyon que fica em sua reserva, e cobra 25 dólares pelo ingresso. A obra custou 40 milhões de dólares. Para tocar suas empresas, os índios lançam mão de recursos dos grandes bancos e fundos de investimento americanos. Parte do lucro dos negócios é dividida entre os membros das tribos e parte é gerenciada por administradores. Cada um dos 775 morongos adultos recebe hoje entre 15 000 e 20 000 dólares por mês.
O sucesso dos índios incomoda muita gente. Como as reservas são consideradas nações soberanas em muitos aspectos, os empreendimentos que estão dentro de seus limites não seguem as mesmas leis dos estados onde estão localizadas. Isso significa que os negócios indígenas pagam muito menos impostos, ou não pagam imposto algum, criando uma concorrência desleal com os caras-pálidas. Em cidades próximas às reservas, comerciantes vão à falência por cobrar preços mais altos que os dos estabelecimentos indígenas. Além disso, disseminou-se entre os índios enriquecidos a prática de comprar terras e requerer do governo que estenda a elas – e aos negócios que passarão a abrigar – os privilégios fiscais das reservas. Geralmente os pedidos são atendidos, já que os índios possuem um lobby forte em Washington. Nas últimas eleições legislativas americanas, eles doaram 7,6 milhões de dólares para campanhas de candidatos. A soma é o dobro do que foi doado pela indústria de tabaco, um dos setores que mais contribuem para campanhas eleitorais nos Estados Unidos. São freqüentes as denúncias de corrupção na concessão de privilégios aos índios. "O sistema que regula os cassinos indígenas está totalmente corrompido. Os índios já constroem cassinos em estados onde a lei os proíbe", disse a VEJA o advogado americano John Warren Kindt, professor de administração da Universidade de Illinois.
No caso da recém-adquirida rede Hard Rock, os seminoles terão de abrir mão de suas prerrogativas com relação aos impostos. Não seria possível transformar legalmente todas as filiais do complexo, a maioria delas fincada no centro de grandes metrópoles, em território indígena. Mas os seminoles, que compõem uma das tribos mais ricas dos Estados Unidos, não sentirão a mordida do Leão. Seus sete enormes cassinos instalados na Flórida geram capital suficiente – livre de impostos – para quitar as dívidas contraídas com bancos para a compra da rede. A prosperidade dos índios americanos é ainda mais surpreendente quando se considera que três décadas atrás eles ainda faziam invasões armadas em áreas que pertenceram a seus antepassados, como Wounded Knee, em Dakota do Sul, para exigir mais atenção do governo. Hoje, eles compram terras em lugar de invadi-las.
O IMPÉRIO PELE-VERMELHA
David W. Hamilton/Getty Images
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• Os Estados Unidos têm hoje 1,8 milhão de índios em 561 tribos
• Os indígenas são donos de 391 cassinos, que faturam 22,6 bilhões de dólares por ano, mais do que Las Vegas e Atlantic City juntas
• A tribo seminole, da Flórida, comprou recentemente a rede Hard Rock por 965 milhões de dólares
• Nas últimas eleições legislativas americanas, os índios doaram 7,6 milhões de dólares a campanhas de candidatos
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