O texto a seguir foi originalmente publicado no New York Times (Citigroup Pays for a Rush to Risk, Eric Dash e Julie Creswell, 23/11/2008, Late Edition - Final, 1) e traduzido e publicado no Brasil pelo Estado de São Paulo. É um excelente estudo de caso sobre controladoria (ou talvez sobre auditoria).
Banco está pagando o preço por ter flertado com o risco
Eric Dash e Julie Creswell, The New York Times
O Estado de São Paulo - 24/11/2008
Em setembro de 2007, quando Wall Street enfrentava uma crise provocada pelas inadimplências hipotecárias, os executivos do Citigroup se reuniram para avaliar sua própria situação.
Velhas amizades impediram análise isenta de responsáveis por supervisão
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Ali, pela primeira vez, o presidente da instituição, Charles O. Prince III, soube que o banco tinha cerca de US$ 3 bilhões em ativos relacionados a hipotecas. E perguntou para Thomas G. Maheras, que supervisionava as operações do banco, se tudo estava correndo bem.
Maheras disse ao patrão que não existia nenhuma perspectiva de grandes perdas, de acordo com fontes presentes na reunião, que pediram para não ser identificadas.
Por meses, as garantias dadas por Maheras a outros executivos dentro do Citigroup acalmaram as preocupações internas sobre as vulnerabilidades do banco. Mas desta vez, uma equipe de administração de riscos foi criada para examinar com rigor os enormes ativos do banco vinculados a hipotecas.
Contudo, já era tarde; algumas semanas depois, o Citigroup anunciaria prejuízos de bilhões de dólares. Normalmente, um grande banco nunca permite que a palavra de um único executivo tenha tanto peso. Em vez disso, despacha seus gestores de risco para examinar ativamente tudo o que possa estar ocorrendo sorrateiramente e se proteger contra excessos no seu setor de empréstimos e operações no mercado financeiro.
Mas, segundo várias pessoas próximas do Citigroup, os administradores de risco nunca realizaram uma investigação com a profundidade necessária. Por causa das velhas amizades, fato que atrapalhou o seu julgamento, os encarregados de supervisionar as pessoas incumbidas dos negócios do banco, ávidas para aumentar os ganhos a curto prazo - e também as bonificações multimilionárias dos executivos -, não conseguiram pôr um freio em tudo isso.
Hoje, o Citigroup, que foi a maior e mais poderosa instituição financeira do país, se vê subjugado por US$ 65 bilhões em dívidas, baixas contábeis de ativos podres e provisões por conta de perdas futuras. Mais da metade desse valor provém de títulos lastreados por hipotecas criados pela equipe de Maheras - os mesmos produtos que inquietavam Prince, que chamou sua atenção na reunião de 2007.
As ações do Citigroup despencaram, atingindo seu preço mais baixo em mais de uma década, de US$ 3,77 na sexta-feira. A esse preço, a instituição vale hoje apenas US$ 20,5 bilhões, um queda significativa em comparação com os US$ 244 bilhões que ela valia há dois anos. Uma onda de demissões acompanharam esse mergulho, com 75.000 postos de trabalho já eliminados ou previstos para desaparecer, de um quadro de funcionários que chegava a 375.000 um ano atrás.
Sobrecarregado pelas perdas e pela crise de confiança, o futuro do Citigroup é tão incerto que as autoridades reguladoras em Nova York e Washington realizaram uma série de reuniões de emergência no fim da semana para discutir maneiras de ajudar o banco a se erguer.
E, como a crise de crédito parece entrar numa nova fase perigosa, apesar do pacote de US$700 bilhões, os problemas do Citigroup são emblemáticos da administração caótica e da pressa para ganhar dinheiro rápido, que tomou conta de Wall Street. Em todas as atividades bancárias, o lucro fácil e o mercado imobiliário em expansão levaram financistas conhecidos a negligenciar perigos a que se estavam se expondo.
Para os críticos, embora grande parte dos danos sofridos pelo Citigroup e pela economia de modo geral tenha sido provocada pela intensa atividade dentro do mercado financeiro e por uma supervisão negligente das operações , os membros do escalão mais alto do banco também são responsáveis. No início deste ano, num relatório enviado à instituição, o Federal Reserve (Fed) censurou o Citigroup por manter uma fiscalização das operações e controles de risco medíocres.
A ruína do banco já vinha sendo preparada há anos, e envolveu muita gente dentro da sua hierarquia, particularmente Prince e Robert E. Rubin, diretor e conselheiro sênior que tinham grande influência dentro da empresa. Segundo analistas, Prince e Rubin têm grande responsabilidade pelos problemas atuais da instituição, ao escolherem e favorecerem uma estratégia que levou o banco a assumir riscos financeiros muito maiores para expandir suas operações e lucrar ainda mais.