Existe um ditado na área de linguística que associa tradução a traição.
No passado brincamos com os problemas de tradução do
Yahoo Finanças. A questão da tradução na contabilidade é um assunto sério. Apesar de a linguagem técnica ser facilmente absorvida e entendida por um leitor assíduo destes tipos de textos, os problemas de tradução são relevantes demais para serem ignorados.
Mas em geral os especialistas acreditam que as ciências sociais e humanas são mais susceptíveis aos problemas de tradução que as ciências exatas. Sendo a contabilidade uma ciência social aplicada, os problemas culturais terminam por influenciar o jargão.
Com o processo de convergência internacional a questão da tradução dos documentos técnicos produzidos pelo Iasb tornou-se um problema real. No Brasil isto aparentemente foi reduzido com a tradução “oficial” realizada pelo CPC. Mas isto não resolve o problema por vários motivos, entre os quais citaremos três. Primeiro, o processo de discussão e aprovação das normas contábeis no Iasb é todo realizado em língua inglesa. Segundo, o processo de tradução “oficial” não é totalmente uniforme, podendo variar no tempo. Assim, uma expressão que num CPC esteja traduzido de uma forma, pode estar sendo vertido para o português de outra maneira em outro pronunciamento. Terceiro, a língua é muito dinâmica: um termo técnico pode ser incorporado a área com o passador do tempo. Lembro bem o caso da tradução de driver na discussão inicial do ABC no Brasil e que hoje tem sido associado a “direcionador” na linguagem contábil.
Considere o caso da Comunidade Europeia, que adota as normas internacionais há tempos. São 27 países com 23 línguas oficiais. Pela definição de um bloco de países, as normas comuns devem estar traduzidas para cada uma destas 23 línguas. E como na Comunidade Europeia as normas de contabilidade são adotadas como se fosse lei, isto requer um grande esforço para fazer com que estas normas cheguem a cada um dos seus habitantes. Um dado de 2008 informava que a Comunidade Europeia empregava 2300 tradutores.
O problema com a contabilidade é que a Fundação IFRS usa somente uma língua. Mas mesmo o inglês – esta língua oficial das normas internacionais – possui variações. O termo harmonização, por exemplo, é escrito de maneira distinta na Inglaterra e nos EUA: neste caso as IFRS usam a forma britânica.
Outros exemplos poderiam ser lembrados, como a questão da tradução do “valor justo”, “impairment”, termos associados a probabilidade, entre outros.
Para ler mais:
Doupnik, T.S; Riccio, E. L. The influence of conservatism and secrecy on the interpretation of verbal probability in the Anglo and Latin cultural areas. The International Journal of Accounting. Vol. 41, n. 3, p. 237-261, 2006.
Evans, L; Baskerville, R., Nara, K. Colliding worlds. Ssrn.com/abstract=1623310