Sobre os agentes, vale dar a palavra a Iago, um dos mais odiosos vilões da galeria shakespeariana, o ajudante de ordens de Otelo, a quem traiu de todas as formas possíveis: “Eu só o sirvo para servir-me dele! Nem todos são senhores, nem são todos os senhores seguidos lealmente.” A fórmula, segundo ensina, consiste em manter-se entre os “outros”, que se disfarçam sob “o aspecto do dever” e “servindo a seus amos na aparência lucram com eles e, enchida a bolsa, saem honrados. Esses, sim, têm alma e proclamo-me um deles”. Será este o paradigma de lealdade dos agentes?
“Agente” e “principal”, designações dos participantes desse jogo, são termos da legislação dos Estados Unidos, onde os tribunais julgam regularmente inúmeros casos envolvendo divergências entre um indivíduo, o principal e o agente, a quem delegou uma tarefa. Dois tipos de arranjo fornecem soluções para as disputas entre esses personagens: de um lado, é preciso alinhar interesses do agente e seu patrão, em geral com esquemas de remuneração variável que os torne parceiros em determinado esforço; de outro, é necessário demarcar as responsabilidades em caso de insucesso. Se o agente não é responsabilizado em nenhum grau pelo fracasso, terá amplos incentivos para correr riscos excessivos, pois será sócio do principal na prosperidade, com bônus, mas não terá ônus na adversidade. Essa é a forma de o agente “colocar seu capital” junto com o de seu empregador. A variedade mais comum de problemas decorrentes do desalinhamento de interesses entre agente e principal é conhecida como “risco moral”, uma reconhecida má tradução para moral hazard, cuja expressão mais exata seria, talvez, “tentação do imoral”. Trata-se, afinal, de comportamento vicioso, porém racional, e os exemplos mais comuns são oferecidos pelos indivíduos que, ao contratarem um seguro, passam a ficar mais desleixados. Mas há coisas piores. O leitor estará correto se tiver percebido aqui um elemento importante para explicar a crise financeira de 2008: as empresas que compravam, empacotavam e vendiam as chamadas hipotecas subprime (ou de qualidade inferior) não corriam, junto com o comprador, o risco que estavam vendendo. Eram como corretores de carros usados por cuja qualidade não se responsabilizavam. O “risco moral” ou as tentações, como as descritas por Iago, não foram mitigados pela estruturação aparentemente sofisticada das operações, nem pelo veredicto das agências de risco. As operações desse tipo se avolumaram, e quando veio uma piora no mercado habitacional, que trouxe consigo um tsunami de inadimplência, os prejuízos ficaram com os compradores de papéis e não com os seus fabricantes. Os agentes apunhalaram impiedosamente seus parceiros, aqueles a quem representavam.
Franco, Gustavo H. B. (2012-12-10). As leis secretas da economia. Zahar-Brasil. Kindle Edition.