O que faz a contabilidade ser de boa qualidade? Um possível resposta a seguir:
Em 1939 a Revista Cruzeiro publicou um conto de Bernard Gervaise denominado "O bilhete 77.372". A história é a seguinte: em uma repartição, os funcionários se unem para comprar um bilhete de loteria. O responsável por arrecadar o dinheiro é Martin, o caixa-contador. Com o tempo, as pessoas deixam de comprar sua parcela e Martin termina por assumir a parte da cota do desistente. Até que todos deixam de apostar e o Martin tem que pagar o bilhete.
Um dia, Martin chega ao escritório e anuncia que o bilhete 77.372 tinha vencido o prêmio de 1 milhão de francos. A notícia espalha e vários tentam ficar com uma parte da sorte de Martin.
Nesta occasião, ai!, a conducta de Martin, o caixa-contador, foi motivo de grande assombro para todos aqueles que julgavam conhecer a fundo o caracter desse excellente companheiro. O que se viu foi elle rechassar com igual firmeza todas as solicitações, inclusive a da encantadora dactylographa.
Martin solicita uma entrevista com o patrão. Na entrevista, Martin supreende e afirma que irá reembolsar seu chefe. O chefe fica pasmo, pois Martin não lhe devia nenhum dinheiro.
- Mas ... o senhor me deve alguma coisa?
- Sim, senhor; devo-lhe uma centena de milhar de francos, pouco mais ou menos
O patrão cravou um olhar inquieto no seu fiel collaborador.
- O senhor está louco, meu caro amigo - lhe disse - Esta sorte inesperada transtornou-lhe a cabeça... Cem mil francos! Donde os teria tirado?
- Da caixa, meu caro senhor, da caixa - respondeu Martin serenamente
O senho Mercerelle esteve a ponto de estourar.
- O senhor tirou cem mil francos da caixa do meu estabelecimento? O senhor?
- Oh! Não de uma só vez, é claro. Aos poucos fui retirando o dinheiro. Em dez annos consegui arrancar essa quantia. Foi uma media de dez mil francos por anno.
- E eu que nada percebera de anormal! - gemeu o patrão.
- Isso demonstra, senhor, que minha contabilidade foi executada com perceição. A característica de uma contabilidade bem feita é que ninguem pode entende-la, salvo o seu executor, e ainda assim ! ...