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15 maio 2024

J&J e os passivo do Talco

Já postamos anteriormente (aqui e aqui) que a empresa Johnson & Johnson vendia, no passado, um produto muito popular: o talco para bebês, que foi acusado de ser cancerígeno. Como a empresa conhecia o problema e não fez nada para retirar o produto do mercado, muitos clientes que sofreram as consequências acionaram a justiça.

 

O volume e o valor dos processos cresceram com o tempo, e a empresa, recentemente, fez uma tentativa astuta de resolver o problema. Quando existem processos judiciais contra uma empresa, estes podem implicar um desembolso futuro, caso a decisão não seja favorável. Assim, a contabilidade da empresa faz uma estimativa do sucesso ou fracasso dos processos judiciais, e o resultado é lançado como um passivo.

O problema da empresa de talco é que o valor estimado é muito elevado. Um maior passivo significará aumento dos níveis de endividamento e uma percepção de risco maior da empresa.

Para resolver o problema, a empresa tentou recentemente fazer o seguinte: criou uma nova empresa e transferiu o passivo para esta empresa. Com isso, a Johnson & Johnson se livra do passivo, que é assumido pela nova entidade. Porém, a nova entidade teria um passivo enorme e um patrimônio líquido mínimo, sem viabilidade para funcionar. Nessa situação, a nova entidade entra com um pedido de proteção permitido pela lei de falência. Uma jogada genial para a Johnson & Johnson, seus executivos e acionistas, mas péssima para as pessoas que processaram a empresa e sofreram problemas de saúde devido a um produto inadequado.

Se o sistema jurídico for minimamente sério, rejeitará a estratégia da empresa de talco. E foi o que aconteceu. Os advogados da empresa então voltaram à prancheta, tentando encontrar uma solução que fosse aceita nos tribunais e resolvesse o problema da Johnson & Johnson. A nova estratégia envolve um acordo de 6,5 bilhões de dólares e tenta fazer com que 75% dos reclamantes aceitem o acordo. Em seguida, leva o acordo para o tribunal, juntamente com a proposta de separação do passivo.

"Na prática, tudo o que o tribunal de falências está fazendo é carimbar um 'sim' em um acordo que já foi alcançado", disse Jared Ellias, professor da Faculdade de Direito de Harvard especializado em direito de falências corporativas, ao DealBook.

Ainda não está claro se o plano resistirá aos desafios legais. Críticos dizem que a abordagem abusa do sistema de falências ao permitir que empresas financeiramente solventes o usem para evitar responsabilidades, enquanto os defensores argumentam que resolve de maneira eficiente uma enxurrada de processos de uma só vez.

Em janeiro, um grupo de senadores dos EUA e procuradores-gerais estaduais instou a Suprema Corte a limitar o uso da tática.

As empresas estarão observando de perto. "Na medida em que isso for bem-sucedido, será uma nova ferramenta no kit de ferramentas corporativo", disse Ellias.

04 maio 2023

Lucro gigantesco do Credit Suisse por conta do valor justo do passivo

Da newsletter Semafor/Business: 

O Credit Suisse registrou o seu maior lucro trimestral da história - quase o maior lucro de qualquer banco na história - enquanto estava quase falindo.

O banco teve um lucro líquido de 13,9 bilhões de dólares durante o período de três meses em que quase faliu e foi fundido, pelo governo suíço, com o rival UBS, numa venda forçada.


O benefício veio do fato de o Credit Suisse ter reduzido 17 bilhões de dólares em obrigações, que foram "resgatadas" - talvez legalmente, talvez não; os detentores das obrigações estão agora processando na justiça - para cobrir as perdas. Isso mostra as peculiaridades da contabilidade financeira, que, na sequência do tumulto dos bancos regionais nos EUA no início deste ano, é interessante como não era desde 2008.

A VISÃO DE LIZ [HOFFMAN]

Quanto mais arriscada é uma empresa, mais baratas são as suas obrigações. Essa diferença entre o valor nominal da dívida e o valor de negociação é, pela magia da contabilidade, um impulso para a empresa, porque, em teoria, ela pode recomprar essas obrigações com desconto e anular um pagamento futuro.

Levado ao extremo, isso significa que o dia mais lucrativo de uma empresa é o dia anterior à sua falência.

Durante o colapso de 2008, os bancos fracos aumentaram seus lucros através desse truque. O inverso aconteceu na saída da crise, quando os bancos que se tornavam mais seguros a cada dia registraram grandes perdas contábeis. Não fazia sentido e tornou a vida dos jornalistas desagradável.

Isso era obviamente uma estupidez, e o organismo norte-americano que define as regras contábeis acabou por eliminá-las.

A sorte inesperada do Credit Suisse é ligeiramente diferente e mais defensável. Não é que o banco pudesse, teoricamente, ter comprado essas obrigações com desconto; ele as comprou de fato, e por 0 dólares, uma pechincha e tanto. (Entre os prejudicados, noticiámos no mês passado, estavam os empregados, que tinham sido pagos, em parte, com essas obrigações durante anos). Mas é um lembrete de que as regras contábeis são boas até certo ponto, mas muitas vezes isso não significa muito.

ESPAÇO PARA DISCORDÂNCIA

A conclusão é exatamente a oposta no caso de um dos maiores colapsos empresariais da história.

No início da década de 1990, a Enron fez lobby junto dos reguladores para ter o direito de abandonar os métodos contábeis tradicionais e, em vez disso, bater nos preços de mercado de seus investimentos. Quando a Comissão de Títulos e Câmbios deu o seu aval, o diretor executivo Jeff Skilling fez um brinde com champanhe para celebrar a mudança, que permitiu à Enron decidir o valor de seus investimentos e registrar ganhos antecipados sobre lucros futuros.

Voltando. No livro de Teoria da Contabilidade, quarta edição, de Niyama e Silva, no capítulo de passivo, esta mágica é explicada. A adoção de valor justo dos passivos conduz a este tipo de situação. Há explicações para isto, mas uma situação como esta parece algo surreal. Veja que a colunista, Liz Hoffmann, usa termos como "estupidez" para o uso do valor justo nestes casos. Particularmente gostei da frase "levada ao extremo, o dia mais lucrativo de uma empresa é aquele que antecede a falência". 

Sobre o Credit Suisse, o mesmo foi adquirido por 3,2 bilhões de dólares. No gráfico a seguir, a trajetória descendente do banco em termos de valor de mercado. 

03 julho 2022

Dia Bobby Bonilla (um bom problema de contabilidade)

Dia 1o. de julho foi comemorado do "Dia Bobby Bonilla". É uma história interessante sobre decisão financeira, Taxa Interna de Retorno, passivo de longo prazo, etc.


A história é a seguinte: Durante os anos 80 e 90 Bonilla tornou-se um dos grandes jogadores de beisebol. No final dos anos 90, o atleta foi contratado pelo Mets. Mas seu rendimento foi abaixo do esperado e em 1999 o clube devia US$5,9 milhões. Bonilla e seu representante propuseram um acordo para o clube. Ele adiaria o recebimento da dívida por uma década, mas o Mets pagaria um salário anual de US$1,19 milhão, começando em 2011 e terminando em 2035.

Ou seja, trocaria US$5,9 milhões em 1999 por recebimentos de 1,19 milhão, entre 2011 a 2015. Em uma planilha eletrônica seria:

Ou seja, uma TIR de 7,6%, sem correção pela inflação. A taxa de juros nos EUA na época estava entre 5 a 6% . Como o Mets estava investindo no fundo de Bernie Madoff, que oferecia 10% de retorno, anualmente, o acordo parecia vantajoso. O dinheiro, aplicado a 10%, seria suficiente para o pagamento futuro e sobraria algum dinheiro. Só que o investimento de Madoff foi uma furada. 

Agora vamos para a questão contábil. 

a) Como seria a contabilização do acordo nos livros da equipe de beisebol em 1999? A resposta deste item inclui uma discussão sobre a taxa de juros a ser usada. 
b) Como estaria o acordo hoje? Aqui você pode imaginar uma situação onde a taxa de 5,5% seria razoável para descontar o fluxo. Pode também supor uma taxa mais elevada, já que a equipe tem um risco maior. 
c) E na contabilidade de Bonilla? 

(Confesso que quando li os números eu achava que o acordo era bem pior do que parecia depois dos cálculos. Exceto, naturalmente, pelo investimento na pirâmide de Madoff.)