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14 setembro 2024

Meritocracia e a utilidade contínua do dinheiro no tênis feminino

Das maiores tenistas do mundo, cinco são dos Estados Unidos. E, dessas cinco, duas são filhas de bilionários. Isso não parece ser um acaso, embora seja difícil explicar o motivo disso ocorrer. Penso que uma explicação seja o fato de que o tênis é um esporte que exige despesas geralmente inacessíveis aos menos favorecidos. Mas veja que o caso das irmãs Williams parece contradizer isso. Uma explicação adicional é que o número de pessoas que veem o tênis como uma opção de vida é reduzido, especialmente entre os mais pobres.


Uma possibilidade:

O que eu queria dizer é que essa questão do tênis é um ótimo exemplo da utilidade contínua do dinheiro. Se você quer que sua filha seja uma das 20 melhores jogadoras de tênis do mundo, há algo nesses zeros extras no final do seu patrimônio líquido que faz diferença. 2.000.000.000 realmente é melhor do que 20.000.000 — embora, de uma perspectiva instrumental, seja difícil ver a diferença. Como mencionado acima, eu não compreendo totalmente o mecanismo, mas é isso que os dados mostram.

26 março 2019

Meritocracia e Política


  • Apesar da maioria dos regimes políticos serem meritocráticos, as conexões familiares ainda são relevantes na política
  • 12% dos líderes mundiais possuem laços de sangue ou de casamento com um político relevante
  • A meritocracia não é o único critério no sucesso político

As dinastias ainda existem no mundo. Farida Jalalzai e Meg Rincker, professoras de ciência política nos Estados Unidos, usaram mais de mil políticos em todo o mundo e concluíram que 12% dos líderes mundiais tiveram origem em uma família de políticos. Isto inclui laços de sangue ou casamento. Entre os exemplos, George Bush, Justin Trudeau, Cristina Kirchner, entre outros.

O poder é, por natureza, herdado nas monarquias. Mas mesmo nas democracias - onde os cidadãos podem escolher seus líderes em eleições livres e justas - pertencer a uma família política é uma vantagem significativa. Ele dá aos candidatos o reconhecimento do nome, alguma experiência política e melhor acesso a aliados e recursos ao concorrer ao cargo.

Ao todo, 11 dos 88 líderes latino-americanos que ocuparam cargos de 2000 a 2017 estavam relacionados a outros presidentes. Jorge Luís Batlle, do Uruguai, tinha três parentes diferentes que ocupavam a presidência antes dele.

Como a política é dominada por homens, a presença de algumas mulheres é interessante. Dos nomes estudados, 66 eram mulheres.

As mulheres que atingem o mais alto cargo são muito mais propensas a pertencer a famílias políticas do que seus colegas do sexo masculino.

Dezenove das 66 mulheres executivas da nossa amostra tinham conexões familiares com a política - 29%. Cem dos 963 homens que estudamos - pouco mais de 10% - tinham laços familiares.

Isso sugere que os laços familiares são particularmente importantes para as mulheres entrarem na política.

Em nossa análise, o endosso de um poderoso parente do sexo masculino - ele próprio, de preferência, um ex-presidente ou primeiro-ministro - ajuda significativamente as mulheres a estabelecer sua credibilidade junto aos eleitores e membros de política interna.

A principal conclusão:

Este estudo certamente questiona a noção de que a política é apenas uma meritocracia.

Mas considere isto: 71% de todos os líderes mundiais femininos em nosso estudo alcançaram o mais alto cargo sem nenhuma conexão familiar com a política. Isso inclui a croata Kolinda Grabar-Kitarovic [foto] , que é filha de açougueiros. Ela é a primeira mulher a governar a Croácia

13 novembro 2013

A matemática faz cidadãos melhores

Veja - 11/11/2013
 
O criador da maior olimpíada de matemática do país diz que o Brasil precisa encarar de uma vez por todas a luta pela qualidade e começar a dar valor ao esforço e ao talento
Pergunte a um jovem brasileiro que disciplina lhe desperta os piores sentimentos e dificilmente ouvirá algo diferente de “a matemática". Foi para tentar reverter esse cenário que o peruano César Camacho, 70 anos, se lançou em uma cruzada que demandou andanças por todo o país e conversas nos mais altos gabinetes de Brasília. Em 2005, ele conseguiu pôr de pé a Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas (Obmep), que atrai 20 milhões de estudantes de 50000 colégios. Doutor pela Universidade da Califórnia em Berkeley, Camacho é um ferrenho defensor da meritocracia, princípio que norteia sua gestão de uma década à frente do Instituto Nacional de Matemática Pura e Aplicada (Impa), centro de pesquisas de reputação mundial. Ele resume: "A matemática faz cidadãos melhores”.


O senhor sofreu resistências quando lançou a ideia da olimpíada de matemática?

Uma ala dentro do próprio MEC era contra. Houve uma ocasião em que a secretária do ensino básico do ministério me chamou e disse: “Professor, o senhor vai me desculpar, mas não quero participar dessa atividade”. Perguntei por quê, e ela foi direta: “A olimpíada vai discriminar os estudantes e, na minha maneira de ver as coisas, na sala de aula são todos iguais”. A ideia só prosperou mesmo porque instâncias superiores gostaram do projeto. O primeiro a se manifestar a favor foi o Eduardo Campos (então ministro de Ciência e Tecnologia). Quando eu expliquei que custaria 5 milhões de reais para alcançar inicialmente 5 milhões de estudantes, ele logo se entusiasmou: “Um real por aluno? Vou falar com o Lula". Aí o presidente me pediu que fosse a Brasília e expôs suas preocupações.

O que exatamente preocupava o então presidente Lula?

Ele colocou duas questões na mesa. Primeiro, queria saber o que os pedagogos achavam da minha ideia. Eu disse que havia os bons pedagogos e os não tão bons — esses últimos é que eram contra. Contei a Lula que eles repudiavam justamente o princípio elementar da olimpíada: a competição. O presidente refletiu e disse: “Na Amazônia existem o capim, os arbustos, árvores maiores e menores brigando pela mesma luz solar. É da natureza competir”. O outro comentário de Lula foi sobre uma ideia que ele próprio lançou no encontro, a de uma olimpíada voltada para professores. “Por que não fazemos?”, indagou. E ele mesmo respondeu: "Deixa para lá. Os sindicatos seriam contra”.

Na recente greve de professores do Rio de Janeiro, os sindicalistas agitaram bandeiras de repúdio à meritocracia, como já aconteceu outras vezes. Qual é a raiz dessa resistência?

Tradicionalmente, os que gostam de sistemas que premiam o mérito são aqueles que veem aí uma chance de ter seu talento reconhecido, e não os que sabem de antemão que não reúnem as condições mínimas para ser bem avaliados — exatamente o caso de uma parcela dos docentes. No meu modo de ver, a questão salarial pode até ser posta à mesa, mas desse jeito, apoiada sobre a isonomia, não trará grandes avanços ao ensino, tampouco prestígio à carreira do professor.

Qual seria o caminho para a docência conquistar prestígio?

No mundo todo, em qualquer área, o prestígio só vem com uma formação de alto nível e junto a um sistema em que a ascensão profissional seja determinada por resultados, e não por conquistas sindicais. Antes que obtivessem a cátedra, aliás, os professores deveriam passar por uma prova como a que a OAB faz para os que querem atuar corno advogados: só seriam aprovados os que de fato sabem o que precisam ensinar. A alta qualidade está ligada à dura seleção, mas o Brasil não tem pendor para a competição. Repare que a isonomia não é bandeira histórica apenas dos sindicalistas, que sempre lutaram por salários iguais para todos: ela é também defendida por correntes que abominam o princípio de distinguir os alunos pelo mérito na sala de aula. Para mim, essa é uma visão oblíqua. Os talentos precisam, sim, ser incentivados.

O Impa é uma das poucas instituições brasileiras de relevo na comunidade acadêmica internacional. Quais as raízes da ainda modesta participação do Brasil na elite da pesquisa?

A pesquisa brasileira se desenvolve em um sistema estatal pesado, sob um excesso de normas que atravancam o trabalho do cientista e o processo de inovação. O labirinto burocrático do serviço público pesa, por exemplo, na hora de contratar cérebros e importar materiais. Mesmo atrair estrangeiros para nossos centros de pesquisa não é uma tarefa simples.

Há resistência por parte da academia a acolher estrangeiros?

Na verdade, nós os espantamos graças a um hábito cartorial brasileiro, que remete ao mais puro tradicionalismo: ainda que a situação esteja melhorando, a maioria das provas dos concursos é até hoje feita em português. Isso, claro, afasta pesquisadores de fora. É a burocracia agindo contra a qualidade. O Impa não tem essas amarras. Como organização social (OS), nosso orçamento é livre de carimbos e podemos contratar e demitir com base exclusivamente no mérito. Um terço de nossos professores são estrangeiros, e nós nos beneficiamos muito. Afinal, o país não precisou pagar pela boa educação deles, e pudemos fazer uma seleção mais qualificada, entre os melhores do mundo.

A academia brasileira ainda vê com desconfiança a aproximação com a indústria?

Essa distância vem encurtando gradativamente na área das ciências. A competição global ajuda a demolir o muro que separa esses dois mundos na medida em que torna a inovação uma questão de sobrevivência. Ou seja, as empresas têm e terão cada vez mais de ir atrás de cérebros na academia para equacionar seus problemas. O estreitamento do elo entre universidade e mercado também tem a ver com a sofisticação da indústria nacional: enquanto ela cresce, as questões por solucionar vão demandando mais e mais expertise. É essencial que se estabeleça essa ponte. Os países que conseguiram se despir de qualquer ideologia e fazer isso com pragmatismo são também os mais inovadores. O Brasil deveria refletir sobre o assunto de forma estratégica, como faz, por exemplo, Singapura, uma ilhota de 50 quilômetros de diâmetro que virou sinônimo de inventividade. É um exemplo em que o Brasil poderia mirar.

Quais são os aspectos que fazem de Singapura um país tão inovador?

Olhe como funciona o CNPq de lá. Esse órgão, que serve para fomentar a pesquisa, conta com um grupo de sábios que vive de mapear janelas de oportunidade para a investigação científica. Eles não limitam a procura apenas a Singapura, evidentemente, mas prospectam no mundo inteiro áreas que podem trazer inovação e dinheiro. Definido o foco, garimpam os melhores especialistas, dentro e fora do país, e põem de pé a estrutura necessária, seja um laboratório, seja até mesmo um novo instituto. Eles têm em caixa um orçamento gigantesco, para cinco anos de trabalho, e zero de burocracia. Se a pesquisa termina, desativam aquele instituto, ainda que centenas de cientistas precisem ir para casa, e partem para desbravar outras áreas. No passado, investiram pesado em eletroeletrônicos. Depois veio o petróleo. É difícil de acreditar, mas, sim, o Brasil compra plataformas submarinas de Singapura, que nem petróleo tem. Não dá para competir. Somos devorados no campo das inovações.

Como fazer com que os estudantes brasileiros deixem o grupo dos piores do mundo em matemática?

Antes de tudo, é preciso entender que, ao contrário do que ocorre em outras disciplinas, o aprendizado da matemática é sequencial. Se o aluno não firma bem determinado conceito, fica mais difícil absorver o seguinte e pior ainda o que vem depois, sedimentando-se assim as lacunas. O ensino da matéria requer, portanto, uma escola organizada e um professor muito bem preparado; alguém que goste de dar aula, tenha domínio do conteúdo e consiga adequar-se ao nível de conhecimento do aluno. A matemática remete a um princípio elementar do espírito humano: o prazer de ser desafiado. Como um bom matemático pensa a matemática? Solucionando problemas mais e mais complexos. É exatamente isso que atrai tantos jovens à olimpíada.

Onde estaria a solução para o desempenho sofrível nas salas de aula?

Nas faculdades que formam os professores. O nível geral é baixo. Certa vez, falava a um grupo de educadores sobre como preparar os alunos para a olimpíada quando fui surpreendido pela franqueza de uma diretora de escola. "Como o senhor espera que a gente faça tudo isso se nem a matéria sabemos direito?”, ela me perguntou. Olhe a situação: era uma diretora, alguém no auge da carreira, que reconhecia suas deficiências mais básicas. E não é um caso isolado. Depois de oferecer um curso a docentes de escolas públicas, um conjunto de instituições de ensino do Rio constatou que um terço deles eram profissionais irrecuperáveis. Eles deveriam voltar para a escola. O problema é que os pais simplesmente confiam os filhos a essas pessoas. Agindo assim, diminuem as chances de eles galgarem degraus e competirem para valer no tabuleiro global.

O que fazer para que as universidades formem professores mais capazes?

Elas já são avaliadas, mas precisam ser cobradas de verdade. O governo poderia pensar em uma certificação mais séria, só concedida às que cumprem o papel de formar bons profissionais. As outras, medianas e ruins, devem se guiar por meias e mostrar efetivamente progresso para continuar a funcionar. Na pós-graduação brasileira, as notas são o que define as verbas destinadas a cada programa por CNPq c Capes. É um sistema fincado na meritocracia. Pergunto-me por que esse valor tão caro não se dissemina na educação como um todo. A resistência à ideia de distinguir pessoas e instituições por esforço e produtividade é um obstáculo que precisamos vencer. As próximas eleições presidenciais são, aliás, uma boa oportunidade para começar a elevar o nível do debate sobre os rumos na sala de aula.

O senhor acha que os jovens enviados ao exterior pelo programa Ciência sem Fronteiras podem dar uma boa sacudida na universidade brasileira?

Expor-se a um ambiente estimulante e meritocrático tem tudo para ser intelectualmente interessante e bom para o Brasil. O grau de efetividade, porém, vai depender dos caminhos percorridos no exterior. Se o estudante envereda por uma área que não tem nada a ver com a sua ou faz algo muito parecido com o que teria aqui, pode ser até atraente para ele, mas não parece que trará grande impacto ao país. Gosto muito da outra mão do programa: aquela que incentiva a vinda de estrangeiros na condição de professores visitantes. Eles arejam a academia nacional, trazendo uma cultura diferente e novas áreas de pesquisa.

Na comparação com a China e a Índia, o Brasil forma poucos jovens em ciências exatas. Isso tem solução?

Sem dúvida é um entrave que o Brasil precisa superar, e com urgência. As órbitas superiores da ciência têm justamente discutido estratégias para atrair jovens para essas áreas que tanto repelem os estudantes. Não há mistério: o caminho passa pela oferta de um ensino vibrante, capaz de cativar e moldar cabeças para as ciências desde muito cedo. Nesse sentido, a olimpíada de matemática cumpre um bom papel — revelando e estimulando os bons professores e seus alunos — mas é preciso mais. Os países avançados estão riscando seus planos de desenvolvimento para daqui a vinte, trinta anos; a formação de engenheiros, físicos e matemáticos é prioridade absoluta. O Brasil não é muito afeito a planos de longo prazo, mas devemos romper com essa lógica para entrar no jogo.

Como a matemática pode ajudar?

Ela figura entre as quatro grandes áreas do conhecimento apontadas hoje como fundamentais; fica ao lado de nanotecnologia, tecnologia da informação e das pesquisas sobre cognição. São elas que vão puxar o desenvolvimento da humanidade daqui para a frente. A matemática dá o impulso às outras três, ao lhes proporcionar os modelos. É também ferramenta básica para que o cidadão comum conheça números, interprete gráficos e tenha discernimento das coisas. Assim participará mais da sociedade em que vive, contribuindo para a consolidação da própria democracia.