O texto é um pouco antigo (para os tempos da internet), mas permanece válido:
(...) Pessoas que não veem trade-off nenhum podem começar apontando para um estudo sobre o surto de gripe espanhola nos Estados Unidos em 1918-20, de Sergio Correia, Stephan Luck e Emil Verner, o qual sugeriu que as cidades que decretaram distanciamento social mais cedo podem ter acabado com melhores resultados econômicos, talvez porque os negócios puderam ser retomados assim que a pandemia ficou sob controle. Mas outros economistas criticaram a metodologia do artigo. Cidades com economias que estavam indo melhor antes da pandemia, dizem eles, implementaram restrições mais cedo. Então, não é surpreendente que elas também tenham se saído melhor depois.
Muito por nada. Mas as correlações não dizem muito. O sucesso de tais países até agora pode ter mais a ver com boa sorte do que com uma política acertada.
O que estava disponível para ilhas como Austrália, Islândia e Nova Zelândia não era possível para a maioria dos países, que têm fronteiras terrestres (quando o vírus começava a se espalhar, a erradicação era quase impossível).
O Japão e a Coreia do Sul tiveram um número muito baixo de mortes por covid-19. Mas se o fizeram ou não, isso é questionável: nenhum dos países impôs lockdowns severos. Talvez sua experiência com a epidemia de SARS no início dos anos 2000 os tenha ajudado a escapar relativamente ilesos.
Quando você olha para casos mais comparáveis – países que estão próximos, digamos, ou regiões diferentes de um mesmo país – a noção de que não há trade-off entre vidas e meios de vida se faz menos crível. Uma pesquisa do banco Goldman Sachs mostra uma relação notavelmente consistente entre a severidade dos lockdowns e o impacto na produção: a passagem entre o pico de lockdown na França (estrito) e o pico na Itália (extremamente estrito) está associada a um declínio de cerca de 3% no PIB.
Os países da zona do euro com mais mortes em excesso, conforme medido pela The Economist, estão observando um impacto menor na produção: na Finlândia, que teve um dos menores aumentos nas mortes em excesso dentro do clube, o PIB por pessoa cairá 1%, de acordo com o FMI; mas na Lituânia, membro com pior desempenho em termos de excesso de mortes, o PIB por pessoa subirá mais de 2%.
E se todos esses custos econômicos forem resultado não das restrições governamentais, mas das escolhas pessoais? Este é o argumento daqueles que rejeitam a ideia de trade-off. Se eles estiverem corretos, a noção de que a simples suspensão das restrições possa impulsionar a economia se torna uma fantasia. As pessoas sairão de casa apenas quando os casos estiverem baixos; se as infecções começarem a aumentar, as pessoas voltarão a se fechar.
Vários artigos reforçaram esse argumento. O mais influente, dos economistas Austan Goolsbee e Chad Syverson, analisa a mobilidade ao longo das fronteiras administrativas dos Estados Unidos, em um período em que um governador impôs restrições, mas o outro não. O artigo revela que as pessoas em ambos os lados da fronteira se comportaram de maneira semelhante, sugerindo que é quase inteiramente a escolha pessoal, ao invés das ordens do governo, o que explica a decisão de limitar o contato social. A pesquisa do FMI chega a conclusões semelhantes.
No entanto, há razões para se pensar que essas descobertas exageram o poder do comportamento voluntário. A Suécia, que há muito resistia à imposição de lockdowns, acabou cedendo quando os casos explodiram – uma admissão de que os lockdowns de fato fazem a diferença. Pesquisas mais recentes de Laurence Boone, da OCDE, e Colombe Ladreit, da Bocconi University, usam medidas ligeiramente diferentes do FMI e revelam que as ordens do governo ajudam muito a explicar a mudança comportamental.
Juntando tudo isso, parece claro que as ações dos governos realmente fizeram com que as pessoas ficassem em casa, com consequências onerosas para a economia. Mas os benefícios compensaram os custos? A pesquisa econômica sobre essa questão tenta resolver três incertezas: sobre as estimativas dos custos dos lockdowns; sobre seus benefícios; e, ao pesar os custos e benefícios, sobre como colocar um preço na vida – fazer o que Cuomo se recusou a fazer.
Lockdown traz custos e também benefícios - The Economist, O Estado de S.Paulo - 03 de julho de 2021
Foto: Elena Mozhilo