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14 janeiro 2015

Por uma nova governança nas estatais brasileiras

Os escândalos recém-revelados pela Operação Lava-Jato suscitaram debates sobre temas tão diversos quanto interrelacionados. Aqui refletimos sobre três: procedimentos licitatórios (bastante explorado pelo relator da CPMI da Petrobras), governança de estatais (pouco abordado) e compliance antitruste (completamente ausente).

Sobre licitações, o relator destacou que: 1 - a Constituição Federal e a Lei de Licitações (8666/1993) criaram um mesmo regime licitatório para a administração direta e indireta e as estatais, 2 - a Emenda Constitucional 19/98 previu um regime específico para as estatais; 3 - antes da dita emenda, a Lei do Petróleo (Lei 9478/1997) previu um procedimento simplificado exclusivo para a Petrobras, regulamentado pelo decreto 2475/1998 - o que gerou uma batalha jurídica, pois a EC 19/98 deveria ter sido regulamentada por uma lei para todas as estatais antes.

O relator propôs então um projeto de lei (PL) para regulamentar as licitações das estatais adotando o RDC (regime diferenciado de contratações públicas) não só com sua contratação integrada como também com uma nova, a semi-integrada, para maior transparência e celeridade.

Programas de compliance seria um grande passo para a consolidação do antitruste no Brasil
A reforma da governança de estatais é tarefa urgente, mas o relatório da CPMI é tímido nessa direção: o PL apenas cria regras para nomeação do conselho de administração, garantindo participação dos acionistas minoritários, empregados e membros da sociedade civil. Não menciona nomeação de servidores. A partir das ideias discutidas na Jornada de Estudos de Regulação UERJ-Ipea-FGV-ProReg 2014 e de nossos estudos, propomos uma completa reforma na governança das estatais, não apenas a extensão do RDC a elas (que, aliás, ainda não tem comprovação empírica de seus resultados - o ganho é apenas teórico, com base na experiência internacional).

O que recomendamos é a adesão às diretrizes da OCDE, das quais destacamos: 1- a criação de um órgão ou comitê especializado de governança nas propriedades do Estado, com amplas competências; 2- nomeação dos membros do governo nos conselhos de administração segundo critérios de mérito e capacitação técnica, fixação e acompanhamento de metas de produtividade e rentabilidade; 3- separação entre as funções de propriedade (a cargo do dito comitê), regulação setorial e fiscalização/auditoria; 4- gestão diária das estatais autônoma e sem envolvimento do governo; 5- total transparência aos acionistas (em particular ao governo e seus órgãos de auditoria); 6- código de ética na relação com os stakeholders, incluindo os fornecedores; 7- auditoria externa independente segundo padrões internacionais, além da auditoria governamental.

No quadro atual, as nomeações respondem apenas a critérios políticos e ao loteamento partidário, ou visam complementar salários de ministros, e não são conhecidas metas de produtividade e rentabilidade; a gestão parece atender muito mais aos critérios políticos de ocasião. Também se confunde Estado acionista com Estado regulador. Ademais, decisões sobre parcerias entre estatais e empresas privadas são totalmente opacas, gestadas ora nos ministérios, ora no Planalto, ora nas próprias estatais, BNDES ou BNDES-Par; a lógica cartorial dessas parcerias não respeita o ordenamento de mercado, que requer transparência na seleção dos parceiros.

O que salta aos olhos, e que o PL da CPMIPETRO não resolve, é que as empresas estatais continuam sendo tuteladas por um Estado-babá, tanto nas licitações - a Lei foca no processo e não no resultado - como na proteção de seu poder de mercado. Um RDC transparente apenas enquadra a Petrobras de volta a este modelo de licitações tuteladas e não resolve o problema das estatais. Por um lado, compras de estatais deveriam ter maior flexibilidade e, por outro, seus gestores deveriam estar expostos a mais competição e sujeitos à maior responsabilização diante do comitê de governança, dos órgãos de fiscalização e auditoria e das autoridades de regulação.

Em particular, recomendamos que 1- as modalidades de compras incluam diálogos concorrenciais (usada para compras complexas na União Europeia); 2- parcerias de desenvolvimento de produtos e inovações possam ser negociadas com prazos compatíveis com a maturação dos investimentos e seguindo protocolos transparentes e regulamentados de antemão pelo Congresso; 3- estatais e órgãos de administração direta e indireta desenvolvam uma ferramenta de certificação única para padronizar e centralizar a habilitação dos fornecedores e seus cadastros; 4- todo o processo de compras, incluindo levantamento de requisitos, formatação do processo seletivo, pré-qualificação e gestão contratual, seja transparente para os auditores, mas não necessariamente para o grande público (que inclui concorrentes das estatais); 5- dos fornecedores com vendas totais ao governo acima de um limiar (a serem consolidadas por um sistema integrado de dados), seja exigida a adesão a programas de compliance antitruste (que educam e monitoram internamente os gerentes no respeito à concorrência no mercado), nos moldes do que foi criado pela antiga Secretaria de Direito Econômico, e cuja retomada pelo Cade é essencial.

Por fim, o formalismo das regras de licitação não é condição necessária nem suficiente para prevenir cartéis. O sucesso das auditorias externas e governamentais depende mais do emprego de filtros e outros monitoramentos dos procedimentos de compras. Um cartel bem-sucedido coordena seus lances para elevar o preço vencedor simulando competição.

A firma compradora pode implantar mecanismos de detecção dessas práticas - conhecidos como screening (triagem) - nos seus dados internos antes da ação das auditorias. O Departamento de Justiça dos Estados Unidos, por exemplo, documenta diversos padrões que constituem comportamento suspeito, tais como lances idênticos, grande diferença entre os lances vencedor e perdedores, ou queda de preços face à entrada de nova firma na licitação. A introdução dos programas de compliance e a rotinização desses "marcadores de colusão" nas auditorias seriam grandes passos para a consolidação do antitruste no Brasil.

Eduardo P.S. Fiuza e Rafael Mourão são do Ipea e Lucia Helena Salgado é do Ipea e Uerj.
Fonte: Valor Econômico/Eduardo P.S. Fiuza, Rafael Mourão e Lucia H. Salgado

05 agosto 2013

"Plano B" para as concessões

Nem bem conseguiu dar uma forma final ao seu ambicioso programa de concessões na área de infraestrutura, o governo federal já costura nos bastidores um plano alternativo para "remendar" o projeto de melhoria de rodovias, ferrovias, portos e aeroportos do País. [...]

Setores do governo admitem, de forma muito reservada, problemas já no primeiro leilão de rodovias, previsto para setembro. Depois desse "primeiro teste", que tem "grande chance" de resultar em um revés, segundo essa avaliação, o governo seria obrigado a revisar os editais, principalmente as taxas de retorno. Para as rodovias, esse índice foi estabelecido em 7,2%. Nas ferrovias, ficou entre 7,5% e 8,5%. [...]

O Ministério da Fazenda mantém a aposta no sucesso dos leilões para acelerar os investimentos e empurrar o crescimento da economia. Mas sabe-se do incômodo provocado pelas posições do secretário do Tesouro Nacional, Arno Augustin, sobretudo na decisão de reduzir a taxa de retorno dos investimentos.

Fontes graduadas apontam uma ação irredutível de Augustin como fator de desgaste e fonte permanente de tensão com executivos do setor. [...]

Lançado há um ano, o Programa de Investimentos em Logística, cujo valor global deve somar R$ 133 bilhões até 2037, prevê leilões para a concessão de 7,5 mil quilômetros de rodovias federais e a construção de 10 mil km de ferrovias. Pelo cronograma inicial, o primeiro edital de licitação, referente à BR-116, deveria ter saído em novembro de 2012. O pregão estava previsto para dezembro e a assinatura do contrato, para março.

Governo já estuda ‘plano B’, prevendo possível fracasso nas concessões. Mauro Zanatta, de O Estado de S. Paulo

14 setembro 2011

Leilões

O uso de softwares "robôs" para fraudar pregões eletrônicos do governo federal está levando empresas ao Judiciário. Uma liminar do Tribunal Regional Federal (TRF) da 1ª Região, em Brasília, suspendeu uma licitação do Ministério da Saúde em que a vencedora é acusada de burlar o sistema do Comprasnet - o site de compras do governo - usando um programa de computador capaz de cobrir, em frações de segundos, cada lance da concorrente. É a primeira decisão judicial de que se tem notícia sobre o uso desses softwares, disseminados principalmente no último ano nos pregões.


Fonte: aqui. Foto: aqui

30 junho 2011

Compra pública responsável

Ninguém tem dúvida sobre o impacto do consumo na sustentabilidade dos recursos naturais. Na prática a premissa está hoje restrita aos negócios do setor privado. Não é incorporada pelo governo por um motivo simples: a legislação impõe o menor preço como critério na compra pública de materiais ou contratação de obras, sem considerar os quesitos socioambientais. "A tendência é o cenário mudar com a Lei Federal 12.349, aprovada em dezembro do ano passado, definindo a licitação como ferramenta para o desenvolvimento sustentável", afirma Luciana Betiol, coordenadora do programa de consumo sustentável da Fundação Getúlio Vargas (FGV).


"Resta saber como isso será interpretado e aplicado na prática, mas há boas chances de emplacar, com reflexos positivos no mercado", ressalva Luciana. A nova legislação, que também permite o governo adquirir produtos nacionais por preço até 25% superior ao estrangeiro, protegendo o mercado interno, alterou o Artigo 3º da Lei 8666 sobre licitações, sancionada em 1993.


"Apesar de restritiva, a lei original dá brechas para preocupações socioambientais na licitação, mas o assunto tem esbarrado na resistência da área jurídica a mudanças", analisa Luciana. Ela lembra que o conceito econômico de "vantagem" é visto pelos conservadores sob o ângulo do preço e não do custo, que envolve longo prazo. A barreira impede o governo de exercer o poder de compra para a promoção da sustentabilidade. No Brasil as compras públicas representam 15% do PIB, totalizando R$ 60 bilhões no ano passado, segundo dados da FGV. Em São Paulo, o valor atingiu R$ 17 bilhões.


"Há um muro cultural: não adiantam novas leis, se os gestores públicos fecham os olhos para os produtos ambientalmente adequados, que são mais caros e acabam excluídos", explica Denize Coelho, coordenadora da comissão de compras públicas sustentáveis da Secretaria de Meio Ambiente do Estado de São Paulo. "Os servidores temem o controle por parte da Secretaria de Fazenda ou Tribunal de Contas", completa.


O governo estadual elaborou um catálogo de materiais e serviços que podem ser comprados pelos órgãos públicos, com 170 mil itens. Dos automóveis ao papel, há 360 produtos marcados no catálogo com um selo ambiental. "Mas apenas 3% das aquisições envolvem essa categoria", lamenta Denize.


"A lei de licitação é antiga e tende a se modernizar, inclusive prevendo benefícios para quem cumprir aspectos ambientais", prevê Marcelo Eira, secretário-adjunto do Tribunal de Contas da União (TCU). Ele cita o projeto de lei que regulamenta a Medida Provisória 521 com regras para as obras da Copa do Mundo e Olimpíadas, incluindo soluções ambientais. "Enquanto não houver mudanças, precisamos interpretar a lei das licitações ao pé da letra", justifica Eira.

Fonte: Valor Econômico - 20/06

07 junho 2011

Licitação

O Ministério Público Federal (MPF) está movendo ação contra o ex-prefeito do Rio de Janeiro em razão das obras do Pan. A questão está em torno da dispensa de licitação.
As obras custaram à União R$ 15,55 milhões. De acordo com o procurador da República responsável pela ação, Alexandre Chaves, o então prefeito, apesar de ter assumido as obras em novembro de 2004, só deu início ao processo de contratação em 2007, a cinco meses do início dos Jogos. A construção, então, foi caracterizada como emergencial, "uma emergência fabricada, já que não se tratava de uma situação decorrente de um imprevisto, mas de inércia administrativa, negligência", disse o procurador.

21 maio 2011

Certidão negativa trabalhista

A Comissão de Assuntos Sociais do Senado aprovou na terça-feira um projeto de lei que exige das empresas que participarem de licitações públicas a apresentação de uma certidão negativa de débitos trabalhistas. O documento seria emitido on-line pela Justiça do Trabalho, para comprovar a ausência de dívidas com os empregados – desde que estejam apuradas em decisões judiciais transitadas em julgado.

A proposta também condiciona o recebimento de benefícios fiscais à apresentação da certidão, que teria uma validade de 180 dias. O texto aprovado na comissão é um substituto da Câmara dos Deputados ao projeto de lei nº 77, proposto em 2002 pelo ex-senador Moreira Mendes. O projeto segue agora para votação em plenário. Caso aprovado, será encaminhado para sanção da presidente Dilma Rousseff.

A certidão trabalhista se somaria às atuais exigências de regularidade fiscal e previdenciária para participar de licitações. “Formou-se um tripé”, afirma o senador Casildo Maldaner (PMDB-SC), relator do projeto na Comissão de Assuntos Sociais. Ele aponta que, sem essa exigência, as empresas ficam livres para participar de licitações mesmo tendo questões trabalhistas pendentes. Muitas vezes, isso possibilita custos menores em relação às que estão em dia com os trabalhadores. A certidão negativa seria, portanto, um incentivo ao cumprimento dessas obrigações.

A certidão seria expedida em relação a processos em fase de execução, após o trânsito em julgado de sentença condenatória. Outra situação seria em decorrência de execução de termo de ajuste de conduta com o Ministério Público do Trabalho e de termo de acordo firmado perante comissão de conciliação prévia. Ou seja, a simples existência de ações trabalhistas não impediria a obtenção do documento. No caso de dívidas garantidas por penhora ou com a exigibilidade suspensa, será expedida uma certidão positiva, mas com os mesmos efeitos da negativa. A proposta altera dispositivos da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e da Lei de Licitações – nº 8.666, de 1993.

Em abril, o presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST), ministro João Oreste Dalazen, visitou a Comissão de Assuntos Sociais do Senado e apresentou uma nota técnica defendendo a certidão. Segundo Dalazen, de cada cem trabalhadores que ganham uma causa na Justiça do Trabalho, somente 31 recebem seu crédito. Um dos motivos seria a falta de um mecanismo de coerção na Justiça Trabalhista. A certidão negativa, segundo ele, contribuiria para o cumprimento das decisões.

Fonte: Maíra Magro, Valor Economico

23 junho 2009

Licitação

Governo quer impedir que empresas façam acordos prévios em licitações
Valor Econômico - 23/6/2009

O Ministério da Justiça pretende cobrar das empresas uma declaração de que as propostas que elas fazem em licitações são independentes. O objetivo é evitar acertos prévios entre companhias que disputam as mesmas licitações. O assunto preocupa o governo tanto com relação às grandes licitações, como a usina hidrelétrica de Belo Monte, quanto nas pequenas. (...)

A ideia é que essa garantia seja dada por escrito por cada empresa participante de concorrências públicas. Assim, antes de participar das licitações, as empresas se comprometeriam formalmente a não trocar nenhuma informação com seus concorrentes. Elas assinariam uma "declaração de propósito independente", explicou Ana Paula Martinez, diretora do Departamento Proteção e Defesa Econômica da SDE. "É um atestado de que a empresa não fez contatos com concorrentes, antes de participar da licitação." Se, depois da assinatura, um dirigente da empresa for pego trocando e-mails com concorrentes, ele poderá ser processado por informação falsa.

Segundo Ana Paula, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) recomenda que os órgãos públicos exijam essa declaração em suas licitações. Ela explicou que a ideia foi implementada em larga escala nos Estados Unidos, onde praticamente todas as empresas que disputam concorrências públicas são chamadas para assinar um documento desse tipo. Isso facilitou as condenações por cartel em licitações naquele país porque, uma vez assinada a declaração, basta haver qualquer tipo de contato entre concorrentes para condená-los. Não é necessário, como atualmente, que o governo descubra um acordo detalhado para a fixação de preços numa concorrência. Para que essa descoberta ocorra, o governo conta normalmente com a delação de uma das partes envolvidas. São casos raros, pois dificilmente um participante de cartel vai romper o acordo.

Agora, o Ministério da Justiça está levando a recomendação da OCDE aos pregoeiros no Brasil para que eles também passem a cobrar esse documento das empresas. "É um jeito de criar transparência", disse Ana Paula. Segundo ela, a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) deverá ser a primeira a adotar a ideia em suas licitações. A SDE vai levar a proposta a outras agências federais e a órgãos públicos de governos locais recomendando a adoção.

A Secretaria iniciou um cronograma de viagens às cinco regiões do país para treinar os pregoeiros locais sobre como evitar contatos entre concorrentes em licitações e convencê-los a aderir à exigência da declaração às empresas. Ontem, técnicos antitruste do Ministério da Justiça estiveram no Recife, onde entregaram a representantes de diversos órgãos públicos locais um guia no qual relataram as formas mais utilizadas pelas empresas para fazer acertos prévios em licitações. O documento se chama "Diretrizes para Combater o Conluio entre Concorrentes em Contratações Públicas".


A avaliação geral do Ministério da Justiça é que, em muitos casos, os governos locais tratam as licitações com um alto grau de ingenuidade. Numa licitação da Secretaria de Portos de Natal, por exemplo, cada empresa que retirava a proposta numa licitação tinha de deixar o nome e o telefone de contato de um representante numa lista. Essa lista era pública. Com isto, bastava consultar a lista para que uma empresa obtivesse, dentro da Secretaria de Portos, os contatos dos concorrentes. Isso facilita contatos prévios em licitações.

A Secretaria dos Portos foi contatada pela SDE e resolveu aderir à exigência de declaração das empresas. A expectativa do Ministério da Justiça é que centenas de órgãos públicos sigam essa nova exigência e, com ela, a SDE terá uma nova "arma" para investigar os acertos prévios feitos em licitações.