A revista Época publicou um texto sobre a lavagem de dinheiro em Londres. O texto completo pode ser encontrado
aqui, mas destaco alguns pontos:
Todos os anos, US$ 1 bilhão (cerca de R$ 5,3 bilhões) é roubado das nações em desenvolvimento, e uma parcela significativa deste valor passa por Londres ou seus paraísos fiscais satélites — a "lavagem offshore".
O Banco Midland era um dos bancos da City de Londres. Era pequeno e queria crescer, mas as regras impediam que os bancos concorressem entre si em busca de clientes. Precisava de mais dinheiro.
Em 1955, o Midland teve uma ideia brilhante, mas dependia de outro banco, não muito distante, que tinha o problema oposto. O Narodny de Moscou tinha sede na City, mas era de propriedade da União Soviética. E seu cofre estava abarrotado de dólares.
"Eles temiam que os fundos fossem expropriados e confiscados se fossem colocados nos Estados Unidos, dado o crescente antagonismo da Guerra Fria. Por isso, o dinheiro acabou em Londres", explica Ogle.
Havia então um banco que tinha muito pouco dinheiro, e outro que tinha dinheiro demais... só o que faltava era encontrar uma forma de "driblar" as regulamentações.
Foi quando alguém dentro do Midland percebeu que o banco não precisaria comprar os dólares. Bastava apenas pedi-los emprestados, evitando as restrições britânicas à compra de moeda estrangeira.
Com estes dólares, o banco inglês poderia comprar libras esterlinas e emprestar em troca de juros. Já o Narodny não apenas deixaria seu dinheiro fora do alcance dos Estados Unidos, como ainda teria lucro.
Os detalhes da operação são inacreditavelmente complexos, mas sua essência era muito simples. O acordo permitiu que o Banco Narodny ganhasse dinheiro se esquivando das restrições americanas, e que o Banco Midland ganhasse dinheiro se esquivando das restrições britânicas.
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Se os financistas britânicos realmente quisessem ajudar seus clientes, precisariam de mais do que uma brecha legal; precisariam de lugares onde este dinheiro ficasse a salvo. Para a sorte deles, não foi preciso procurar muito para encontrá-los.
Perto de Londres, no Canal da Mancha, fica a ilha de Jersey — que, por quase mil anos, foi mais ou menos britânica: é governada pela monarquia britânica, mas não faz parte do Reino Unido; e usa a libra esterlina, mas estabelece seus próprios impostos. Esta combinação era potencialmente bastante rentável.
"Até o final da década de 1950, havia uma cláusula na constituição restringindo os pagamentos de juros, o que, de forma geral, limitava o uso da ilha como paraíso fiscal às pessoas que realmente viviam ali", afirma John Christensen, que ocupou altos cargos administrativos em Jersey e depois se tornou um ativista de destaque contra os paraísos fiscais.
Os lucros poderiam ser enormes, se a ilha se dispusesse a ser um pouco menos exigente. E foi o que aconteceu. Os políticos da ilha de Jersey eliminaram os incômodos obstáculos.
(...)Não existem muitos dados, especialmente de antes da década de 1980, sobre o que os ultrarricos de todos os tipos ocultavam nos paraísos fiscais.
Mas, de vez em quando, uma porta se abre — e é possível observar o que há por trás dela.
"Em duas ocasiões, nas décadas de 1960 e 1970, depois de grandes crises, foram revelados vínculos com o crime organizado, particularmente com a lavagem de dinheiro", conta Ogle.
"Mas são casos raros e, depois do fato, é feita uma investigação, e fica claro que isso sempre foi parte do que levou à expansão das jurisdições offshore."
"É extremamente difícil saber com precisão porque o segredo e o anonimato são o principal ativo vendido por essas jurisdições."
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Mas por que exatamente os britânicos são tão úteis para a lavagem de dinheiro?
"O Reino Unido é considerado, quase universalmente, uma jurisdição de baixo risco em termos de criminalidade", explica Barrow.
Se forem estabelecidas muitas empresas e muitas contas bancárias para estas empresas em diferentes jurisdições com normas flexíveis, é possível mover o dinheiro por meio delas.
E, se forem empresas britânicas, com diretores britânicos, tudo parece ser legítimo para o próximo país de destino.
"Estas empresas são criadas com facilidade", diz Barrow.
"Você pode pagar 12 libras (cerca de R$ 77) a partir de um computador em qualquer parte do mundo, dizendo que você se chama Darth Vader e mora na Lua, e criar uma empresa com estas informações."
(...)Falsificar deliberadamente as informações de uma empresa é ilegal, mas é um delito de baixo risco.
Aqueles que querem esconder seu dinheiro e movimentá-lo como quiser não enfrentaram obstáculos ao usar as estruturas corporativas do Reino Unido para ocultar sua identidade.
"Você se assustaria com a quantidade de casos na Companies House [o órgão governamental responsável pelo registro de companhias no Reino Unido], em que a empresa A é propriedade da empresa B, que é propriedade da empresa A... você pode ficar louco pesquisando isso!", exclama Barrow.
A Companies House enfrenta diariamente uma avalanche de fundações de novas empresas — e não tem poder nem recursos para verificar todas as informações fornecidas.
"Em um dia comum, cerca de 3,5 mil empresas se apresentam para registro. Cada uma fornece cerca de 15-20 pontos de dados separados. Assim, diariamente, isso representa cerca de 100 mil dados", diz Barrow.
"Como se pode monitorar tudo isso com recursos limitados e tecnologia antiquada? É impossível, e os criminosos sabem disso."(...)