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11 dezembro 2024

Quem inventou as partidas dobradas - 5

Alan Sangster, em The Emergence of Double Entry Bookkeeping, analisa um livro-razão de cambistas-banqueiros de Florença, datado de 1211. Esse registro é anterior aos documentos comerciais também de Florença, como os de Rinieri Fini e irmãos (1296-1305) e de Giovanni Farolfi (1299-1300). Essa é uma das primeiras questões abordadas no texto. A análise do documento leva Sangster a concluir que ele representa um exemplo típico da aplicação do método das partidas dobradas.

Um dos argumentos apresentados no artigo é que o método empregado no documento de 1211 é semelhante ao encontrado em registros posteriores. Apesar de algumas contas não seguirem um formato rígido e da ausência de numeração nas páginas, Sangster conseguiu reorganizar o conteúdo em uma notação mais moderna, utilizando apenas os elementos presentes no pergaminho. Isso reforça a ideia de que o método das partidas dobradas já existia, no mínimo, desde 1211, provavelmente em Florença.

Outra questão importante discutida pelo autor é: por que o método das partidas dobradas surgiu justamente em Florença? Esse tema já foi amplamente debatido na literatura. Alguns autores sugerem que a adoção dos números hindus no comércio, após a aprovação do Papa Silvestre, foi um fator influente. Outros destacam os empreendimentos comerciais, como os narrados por Marco Polo. Entre os séculos IX e XI, as feiras se consolidaram como centros comerciais no norte da Itália. Para que essas feiras funcionassem, era necessária não apenas uma estrutura física, mas também um sistema jurídico que garantisse a segurança das transações.


O escambo, ou troca direta de mercadorias, era ineficiente para o desenvolvimento do comércio, pois exigia que ambas as partes tivessem algo de interesse mútuo. A moeda surgiu como solução, mas na época havia muitas variações de moedas em circulação, o que dificultava sua conversão e tornava seu uso incerto devido à qualidade e autenticidade inconsistentes. Nesse cenário, os banqueiros-cambistas desempenharam um papel central ao fornecer serviços de troca de moedas e registrar transações como depósitos. Esse sistema mitigava os problemas das moedas e oferecia um mecanismo de conversão confiável.

Conforme as feiras cresciam, os cambistas começaram a atuar como intermediários financeiros, oferecendo empréstimos e gerindo depósitos. No entanto, para que essas atividades prosperassem, era necessário um sistema jurídico que protegesse tanto os cambistas quanto os credores. É aqui que entra o direito consuetudinário, um conjunto de normas baseadas em costumes e práticas aceitas como obrigatórias por uma comunidade. Em cidades como Florença, esse arcabouço jurídico proporcionava proteção aos cambistas-banqueiros, garantindo a validade dos registros contábeis nos tribunais.


Sangster argumenta que os tribunais reconheceram os lançamentos contábeis dos cambistas-banqueiros como documentos probatórios de transações, mas isso só era possível quando os registros seguiam o padrão do método das partidas dobradas, que exigia contrapartidas para cada lançamento. Esse reconhecimento jurídico foi fundamental para a prevalência do método em cidades como Florença, onde o direito consuetudinário estava mais consolidado, em contraste com outras cidades, como Gênova.

A aceitação dos livros-razão bancários como prova em tribunais não apenas incentivou a uniformidade dos registros entre os cambistas, mas também explica a preservação desses documentos históricos. Em outras palavras, a confiança no sistema contábil dos cambistas foi essencial para o desenvolvimento e expansão do método das partidas dobradas no início do século XIII.

Dito de outra forma, o que no Brasil do século XIX ficou conhecido como escrituração mercantil teve origem na prática dos cambistas-banqueiros medievais. Esses profissionais eram confiáveis para os participantes do comércio, oferecendo serviços financeiros completos, que incluíam depósitos, empréstimos e a resolução de disputas. 


Em resumo, o registro mais antigo conhecido do método das partidas dobradas é de 1211. Florença, junto com outras cidades comerciais que se destacavam pelas feiras, foi o centro dessa inovação, que surgiu na contabilidade dos cambistas-banqueiros, e não nos registros de comerciantes ou do governo. O reconhecimento do direito consuetudinário foi um fator-chave para sua criação e disseminação.

18 novembro 2024

Quem inventou as partidas dobradas - 5


Sobre a educação e ensino de contabilidade na idade média:

O desenvolvimento de escolas de aritmética (e álgebra) desde o final do século XIII, e seu florescimento no século XV, está bem documentado, juntamente com o currículo dessas escolas e evidências da frequência quase universal entre jovens do sexo masculino (Baxandall, 1972; van Egmond, 1976). Contudo, os dois exemplos de um currículo que possuímos não mencionam métodos de contabilidade, e é necessário supor que esse treinamento, caso existisse, era realizado no local de trabalho, e o conhecimento que temos dos métodos de contabilidade mais antigos provém do estudo de exemplos reais e práticos, em registros contábeis que sobreviveram.

The influence of Amatino Manucci and Luca Pacioli - Fenny Smith - BSHM Bulletin - Volume 23 (2008), p. 144

 

Quem inventou as partidas dobradas - 4


Ainda sobre a evolução do método nas cidades italianas nos anos 1200 e utilizando informações do texto The Influence of Amatino Manucci and Luca Pacioli, de Fenny Smith, seguem alguns dos documentos contábeis mais antigos que sobreviveram, provenientes das cidades italianas, no período que antecedeu o surgimento das partidas dobradas:

  • Um documento de 1211, um dos mais antigos preservados, consiste em duas folhas de pergaminho que fazem parte do livro de clientes de uma firma bancária desconhecida, que operava em Florença, Bolonha e Pisa. O detalhe interessante é que todos os valores estão registrados em moeda de Pisa.
  • Extratos da conta de depósito (1259–1267) de Gualtieri dal Borgo, tutor dos filhos de Rinieri Ugelletti. Este documento contém a conta mais antiga sobrevivente de um credor ou depositante. Os juros estão incluídos no corpo da conta, e há referências a outros documentos contábeis, que infelizmente não existem mais. Há também uma tentativa de fechamento das contas, com o uso de uma unidade monetária única: a nova moeda de prata florentina.
  • O livro doméstico (1262–1275) de Bene Bencivenni, um rico florentino, que contém principalmente contas de devedores, mas inclui também um grande investimento em uma firma. O livro é menos sofisticado que os anteriores, indicando que nem todas as inovações eram rapidamente adotadas nos negócios.
  • Administração (1272–1278) do patrimônio de Baldovino (falecido em 1272), com o uso de uma unidade monetária única, o florim de prata, e o balanceamento anual sistemático das contas para calcular juros compostos.
  • Contas de Gentile de’ Sassetti e filhos (1274–1310), compostas majoritariamente por registros domésticos, mas incluindo também um grande investimento no negócio da família. O documento não utiliza uma unidade monetária única, mas possui uma conta de aluguel a receber.
  • Outro livro contábil (1277–1296) de Bene Bencivenni, que é uma continuação do primeiro. Este documento contém os primeiros casos inequívocos de cancelamento de dívidas incobráveis. A frase “Eu não acho que conseguirei algum dinheiro” aparece no final de várias contas de dívida.

21 dezembro 2023

Importância da Aula de Comércio

Eis o resumo: 

A determinação do Marquês de Pombal foi imprescindível para a inauguração da Aula do Comércio, em 1759, constituindo esta um marco na História da Contabilidade Portuguesa devido ao seu pioneirismo no ensino do método digráfico em Portugal. Em virtude da sua importância, o estudo deste estabelecimento de ensino público é o objectivo deste trabalho, mais concretamente a dissecação das razões e objectivos da sua criação, interligando estes com o ambiente sócio-económico da época de forma a tornar mais compreensível o contexto histórico que levou à sua fundação, bem como o aprofundamento de questões como as suas regras de funcionamento, os primeiros lentes, as disciplinas ali leccionadas ou a sua importância no desenvolvimento da Contabilidade em território português. Quanto a este último aspecto, iremos concluir que a Aula contribuiu para um melhor emprego da partida dobrada e para a sua divulgação em Portugal, sendo igualmente determinante para o surgimento de uma classe de contabilistas portugueses devidamente habilitados, acabando, desta forma, com o atraso existente em matéria de conhecimentos e técnicas comerciais. 


Tudo leva a crer que Pombal conhecia as partidas dobradas. Mas já comentamos aqui do atraso de Portugal, onde o método apareceu somente 450 anos depois de seu aparecimento na Itália. Para as colônias, o atraso foi ainda maior, já que era proibida a imprensa e as escolas superiores. 


Também é interessante notar que a adoção das partidas dobradas só ocorreu após a morte de João V, em 1750. E deixou um governo com sérios problemas financeiros, mesmo com a riqueza brasileira. O texto fala em

uma máquina administrativa totalmente inoperante; fraudes, usos e especulações de toda a espécie nas organizações dependentes do Estado; a estagnação da indústria em Portugal; e a decadência do comércio que, na sua maioria, estava em poder de mercadores estrangeiros (GOMES, 1999a, p. 550)

Eis outro trecho interessante do texto: 


A afluência de matrículas foi progredindo até ao 5.º curso. Assim, enquanto no 2.º curso se matricularam 163 discípulos, no 5.º, iniciado em Abril de 1777, matricularam-se 307. A partir desta data o número de alunos matriculados começou a decair ligeiramente, até às Invasões Francesas, em 1807, durante as quais se verificou uma forte redução na frequência do curso, o que se justifica pelo receio por parte dos naturais das províncias de se deslocarem à capital e pela ausência de alunos brasileiros. Como exemplo podemos apontar o número de alunos que frequentavam a Aula em 1809: 74 aulistas.

Não fica claro se esta ausência ocorria já antes da invasão francesa. Mas é preciso destacar que ocorreu uma transferência da Aula para o Brasil. 

Temos uma carência de estudos históricos de contabilidade no Brasil. Uma das questões pendentes é o uso das partidas dobradas no país na época da colônia. Aqui uma pista: 

Para além destes exemplos, Oliveira (2009) acrescenta outro: a Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro. Esta utilizava, desde o ano da sua criação – 1756 –, o método das partidas dobradas. Contudo, o mesmo autor também salienta o facto de o primeiro guarda-livros da Companhia, João Hecquenberg, pertencer a uma família alemã e de ter sido enviado para o Brasil para ter formação contabilística com o guarda-livros da Companhia Geral do Grão Pará e Maranhão, que já conhecia e utilizava a método digráfico. De acrescentar, que este também não era português mas sim francês. 

Pode ser que a Companhia Geral do Grão Pará e Maranhão seja pioneira. Em resumo:

Antes de finalizar temos de referir que tudo foi feito pelo Marquês de Pombal e pelo Rei D. José para defender a Aula do Comércio e os seus alunos. Nesta perspectiva, foram concedidas diversas regalias aos aulistas como a obrigação da contratação de pessoas formadas na Aula do Comércio para determinados cargos públicos; o estabelecimento dos ordenados dos Guarda-Livros diplomados; etc. Contudo, e a partir do momento em que as ideias mercantilistas deram lugar ao liberalismo, assistiu-se à lenta decadência desta escola até à sua extinção em 1844, altura que é integrada no Liceu Nacional de Lisboa. 

O artigo foi publicado há mais de 10 anos e traz bons ensinamentos: 

Revista Universo Contábil, ISSN 1809-3337 FURB, v. 7, n. 2, p. 97-113, abr./jun., 2011

22 outubro 2023

Contabilidade e os Incas

Os astecas e dos incas eram uma civilização importante quando da chegada dos espanhóis nas Américas. Pedro Demo escreve um longo texto sobre a razão do Estado não ter uma origem. Sobre os incas, existia uma estrutura de poder centralizada com um sistema administrativo com a presença de uma contabilidade rústica, baseada no khipu (ou Quipo ou Quipu) cujos nós correspondiam a contabilidade dos bens (prata, ouro, roupa, rebanho, entre outras coisas) (exemplo, na figura a seguir). 


Os espanhóis baniram o uso do khipu em 1583 e parece que seu uso não seria somente numérico. Feito de cordões, coloridos ou não, alguns com enfeites, em que cada nó dado em cada cordão tinha um significado distinto. Os cordões eram feitos de lã ou alpaca ou algodão. Os incas usavam o sistema decimal e o meio de comunicação era transportado por mensageiros com a informação. 

07 outubro 2023

Qualidade e Contabilidade: Citações históricas compiladas por Chambers

Na obra An Accounting Thesaurus, 500 Years of Accounting, R. J. Chambers apresenta um grande número de citações sobre a contabilidade. Quer encontrar uma frase inspiradora para citar no seu trabalho, eis uma boa fonte de pesquisa. Para que os leitores do blog tenham uma ideia, fiz uma seleção de citações sobre qualidade na contabilidade. Das quase mil páginas do livro, o que irei postar a seguir representa meras quatro páginas. 

Há pérolas por serem antigas (caso de uma citação do século XVIII). Mas também há citações memoráveis, como a que diz que “as cifras contábeis são as sombras de eventos reais”. Ou a frase que emula uma declaração de um celebração religiosa: a contabilidade tem a ver com a verdade, toda a verdade e nada além da verdade. 

330 Qualidade das Representações na Contabilidade

331 Contabilidade como descrição

Este método [partida dobrada] de manter registros é absolutamente necessário em um comércio extenso e complicado, para que os livros possam mostrar de maneira concisa e satisfatória quais dívidas o comerciante deve e quais estão sendo devidas a ele; quais propriedades ele possui; e quanto ele ganhou ou perdeu no comércio.

Morrison, 1849, 43

A própria palavra, "account" (conta), significa, tanto pelo uso atual quanto pela origem, uma narrativa, uma história, um registro. Deve lidar com o que aconteceu... . A contabilidade, eu acredito, deve ser objetiva.

Peloubet, 1935, 202

A seleção entre [métodos alternativos] ... deve ser tal que o indivíduo que usa as demonstrações contábeis como base para julgamento e ação legítimos chegaria ao mesmo julgamento e tomaria a mesma ação se pudesse estudar e interpretar os dados subjacentes a partir dos quais o contador fez a seleção.

Heaton, 1949, 471

A contabilidade não é um fim em si mesma, mas uma função de serviço, responsável por fornecer dados precisos e informativos à administração da empresa na forma de relatórios que descrevem a posição financeira e medem os resultados operacionais. É uma parte importante da linguagem dos negócios.

Easton & Newton, 1958, 11

As cifras contábeis são as sombras de eventos reais... .

Goetz & Klein, 1960, 385

Em um sentido muito importante, a contabilidade é passiva. Registramos o que aconteceu ou, pelo menos, o que pensamos que aconteceu. Não, apenas pelo simples processo de lançar, criamos algo que não existia antes. Se pudéssemos criar algo por esses meios... poderíamos criar uma posição financeira favorável a qualquer momento.

Moonitz & Jordan, 1963, 382 

A informação serve como uma representação dos princípios... a função principal da informação contábil não é fornecer respostas para problemas; é gerar representações relevantes de princípios relacionados aos problemas.

Chen & Summers, 1977, 114, 115

Contas esperadas para serem uma descrição verdadeira

Os livros de um comerciante devem exibir o verdadeiro estado de seus assuntos: …

Kelly, 1801, 1

Os assuntos e transações da empresa devem ser levados a um saldo justo e verdadeiro pelo conselho de administração [no final de cada semestre]... e um balanço patrimonial deve ser preparado contendo um relato verdadeiro dos assuntos e transações da empresa, bem como os lucros líquidos do banco durante o semestre imediatamente anterior... .

BNSW, Deed of Settlement, 1850

Um balanço patrimonial completo e justo deve ser um balanço patrimonial que transmita uma declaração verdadeira sobre a posição da empresa, [segundo o Juiz Rigby]

London and General Bank Ltd No. 2, 

Re, 1895, 961 

É um crime empresarial falsificar os livros de modo que a verdade não seja revelada ao público, cujo dinheiro está investido no negócio.

Bentley, 1911, 158

[O balanço patrimonial] deve ser um documento que apresenta a verdadeira situação do negócio.

Spicer & Pegler, 1914, 299 

A contabilidade tem a ver com a verdade, toda a verdade e nada além da verdade; e não deve ser afetada pelos desejos, preconceitos ou ideias de como as coisas teriam sido se fossem diferentes. O problema da contabilidade é mostrar como as coisas realmente são.

Cole, 1921, 278 

A declaração periódica da posição financeira e o relatório [dos números de resultados]... devem refletir consistentemente imagens verdadeiras das condições e tendências de negócios atuais... se essas declarações devem servir de base para julgamentos racionais.

Paton, 1922/1962, 425

O princípio subjacente relacionado à apresentação e classificação de itens e contas nas demonstrações financeiras dificilmente é um princípio contábil de fato, mas sim o princípio moral de que, com relação às demonstrações financeiras, o contador está obrigado a dizer a verdade completa.

Byrne, 1937, 376

[Contadores] são intérpretes... Se os intérpretes não dizem a verdade, ou não dizem a verdade completa, ou dizem verdades misturadas com meias-verdades, muitas pessoas podem ser enganadas, causando-lhes prejuízo.

MacNeal, 1939, 1

Qualquer impressão geral transmitida por [um relatório contábil] deve ser uma impressão verdadeira... Nenhuma informação deve ser omitida que, se divulgada, alteraria substancialmente as impressões dadas no relatório.

Rorem & Kerrigan, 1942, 556

Buscamos a verdade nas contas. Isso significa transações passadas. Nunca assumimos e nunca assumiremos saber se o nível de preços futuro, o dólar futuro, a demanda futura por inventários garantirão vendas ou uso lucrativo das instalações além ou igual às datas do balanço patrimonial.

Montgomery, 1947, 460 

Contas esperadas para não serem enganosas.

As contas devem mostrar a verdade e não serem enganosas ou fraudulentas, [conforme o Juiz Lindley].

Werner v General and Commercial 

Investment Trust, 1894

Este é um daqueles casos difíceis... em que um documento foi apresentado com a finalidade de ser usado (prospectos e outras coisas) e apresentado em tal forma, embora afirmasse cada fato corretamente, fato por fato, no entanto, o verdadeiro efeito do que foi dito era completamente falso e completamente enganador. [Juiz Wright, instrução ao júri; caso Royal Mail, Rex v Lord Kylsant & another, 1931]

Brooks (ed), 1933, 255

Todas as auditorias... fornecem uma examinação independente das contas com o objetivo de garantir que os diretores ou sócios não sejam eles próprios enganados e não enganem outros quanto à posição financeira do empreendimento e ao lucro ou prejuízo decorrente de suas operações.

Lawson, 1951, 305

Quando [as demonstrações financeiras] são publicadas... deve-se ter o cuidado de garantir que as demonstrações sejam compreensíveis para um leitor informado e que a impressão geral transmitida não seja enganadora... .

Moonitz & Staehling, 1952, 1:469

O que o contador nos diz pode não ser verdadeiro, mas se sabemos o que ele fez, temos uma ideia justa do que isso significa... a contabilidade pode não ser verdadeira, mas não são mentiras; ela não engana porque sabemos que não diz a verdade, e somos capazes de fazer nossos próprios ajustes em cada caso individual, usando os resultados do contador como evidência em vez de informação definitiva.

Boulding, 1962, 54 

Os relatórios contábeis devem divulgar o que é necessário para que não sejam enganosos.

Moonitz, 1961, 50

A profissão contábil tem a responsabilidade geral de garantir que as demonstrações financeiras publicadas forneçam informações que não sejam irrelevantes ou enganosas.

ASA, 1966, 7

O objetivo de uma auditoria é garantir que as contas sobre as quais o auditor está relatando apresentem uma visão verdadeira e justa e não sejam enganosas.

Cooper, 1966, 1

A seleção de um determinado princípio contábil só está errada quando tende a enganar.

Stewart, 1972, 103

Espera-se que as demonstrações financeiras sejam factuais.

Debitamos a conta que recebe;

E àquela que entrega, damos crédito.

Além disso, somos obrigados em cada transação

Que a ciência estabeleça claramente o certo e o fato.

Snell, 1710, 1

Os contadores devem lidar com números como fatos simples... Os contadores não têm absolutamente nada a ver com estimativas ou esperanças de lucro.

Worthington, 1895, 67

Um balanço patrimonial não deve ser uma fotografia da opinião de um contador, mas sim uma fotografia dos fatos com base nos quais sua opinião é fundamentada.

Bentley, 1912a, 161

Nada registrado nos livros contábeis ou publicado em relatórios pode alterar os fatos reais dos negócios... O simples fato de uma maneira alternativa de declarar algo converter um lucro em uma perda é uma prova positiva de que uma das alternativas está errada; pois os fatos não podem oferecer a alternativa de lucro ou perda.

Cole, 1933, 479

Nenhum obstáculo pode ser corretamente colocado entre lançamentos contábeis e fatos financeiros.

Dohr, 1941, 205

Se a contabilidade não é um dispositivo para refletir fatos, o que é então?

Accountant, editorial, 1945, 318

Não imagine que, ao alterar a forma da conta, você pode possivelmente alterar os fatos... o momento em que a verdade começa a ter que ser retida em um círculo interno é um momento de perigo... nenhuma simplificação excessiva ou alteração de forma pode possivelmente alterar os fatos.

fforde, 1950, 514, 515

[Na lei] Lançamentos contábeis não produzem lucro ou prejuízo; nem criam ou destroem fatos. Os fatos reais, como encontrados pelo tribunal, são controladores, e não os lançamentos contábeis adotados pelos contadores corporativos para refletir as transações sob escrutínio.

Hills, 1957/1982, 23

A contabilidade factual resulta em relatórios financeiros que refletem adequadamente a posição financeira e os resultados das operações, de forma comparável entre empresas dentro de uma indústria e entre empresas de diferentes setores. Esse é o tipo de contabilidade que melhor serve aos investidores. Todas as empresas seguem em certo grau a contabilidade factual.

Spacek, 1964b, 70

Aqueles não familiarizados com a contabilidade têm naturalmente a tendência de assumir que um balanço patrimonial é uma declaração factual que mostra o valor dos ativos... .

Myer, 1969, 24

Observadores e usuários [das demonstrações financeiras] (incluindo muitos analistas financeiros) que não estão familiarizados com os desenvolvimentos institucionais e históricos dos padrões de relatórios financeiros usam os números oferecidos para o total de ativos como se fossem descrições precisas dos recursos econômicos totais da empresa em relatório.

Abdel-khalik, 1992, 12 

30 setembro 2023

Histórico da criação das normas ambientais do ISSB

A cronologia a seguir apresenta um interessante histórico das normas de sustentabilidade do ISSB. Preparado pelo inglês AccountancyAge, há algumas ausências - como a constituição dos membros da entidade e o anúncio de abertura de representações em diferentes países - mas pode ajudar quem deseja fazer uma pesquisa retrospectiva. 


O lançamento das primeiras normas de divulgação relacionadas ao clima pelo Conselho Internacional de Normas de Sustentabilidade (ISSB, na sigla em inglês) foi celebrado pelos participantes do mercado como um momento crucial no âmbito das demonstrações empresariais.

Desde a criação do ISSB em 2021, o objetivo tem sido fornecer uma base mundial de alta qualidade para as divulgações de sustentabilidade, com ênfase inicial em requisitos detalhados relacionados ao clima.

Com a notícia de que o governo do Reino Unido adotará as normas do ISSB, a Accountancy Age compilou uma breve linha do tempo de todos os eventos-chave.

Dezembro de 2021

Durante a conferência sobre mudanças climáticas COP26 em novembro de 2021, Erkki Liikanen, presidente do Conselho de Curadores da Fundação IFRS, revelou a criação do ISSB.

O ISSB recebeu a tarefa de criar um conjunto abrangente e globalmente aceito de normas de divulgação de sustentabilidade de alta qualidade para atender às necessidades informativas dos investidores.

A Fundação IFRS também revelou planos para integrar o Climate Disclosure Standards Board (CDSB), que é uma iniciativa do Carbon Disclosure Project (CDP), e a Value Reporting Foundation (VRF).

Dezembro de 2021

Após a COP26, Emmanuel Faber foi anunciado como o primeiro presidente do ISSB pela Fundação IFRS. Faber anteriormente atuou como CEO da Danone e era conhecido por defender objetivos de ESG, mas foi polemicamente afastado de seu cargo em 2021.

Sue Lloyd também foi anunciada como vice-presidente. A jornada profissional de Lloyd envolveu diversos cargos em bancos de investimento no Reino Unido e na Austrália, além de seu mandato como membro do Conselho de Normas Contábeis da Austrália (AASB).

Março de 2022

Em março de 2022, o ISSB emitiu seus primeiros dois rascunhos de exposição, o IFRS S1 Requisitos Gerais para Divulgação de Informações Financeiras Relacionadas à Sustentabilidade e o IFRS S2 Divulgações Relacionadas ao Clima.

O IFRS S1 define as diretrizes que as empresas precisam seguir ao relatar os riscos e oportunidades relacionados à sustentabilidade que encontram. O IFRS S2 foca tanto nos riscos quanto nas oportunidades relacionadas ao clima, destinado a ser usado em conjunto com o IFRS S1.

Abril de 2022

O ISSB anunciou a criação de um grupo de trabalho composto por representantes de várias jurisdições. O grupo tinha como objetivo facilitar um intercâmbio construtivo, promovendo uma melhor alinhamento entre os rascunhos de exposição do ISSB.

O estabelecimento do grupo de trabalho fazia parte de uma iniciativa de alcance abrangente destinada a promover a contribuição e o envolvimento de todas as jurisdições e categorias de partes interessadas no processo de consulta do ISSB.

Maio de 2022

O ISSB e o Conselho de Normas Contábeis Internacionais (IASB) anunciaram suas intenções quanto às futuras responsabilidades, governança e evolução do Integrated Reporting Framework e dos Integrated Thinking Principles dentro da Value Reporting Foundation (VRF).

Isso significava que o Integrated Reporting Framework faria parte dos materiais da Fundação IFRS.

Junho de 2022

A Fundação IFRS e a VRF anunciaram a finalização de sua consolidação para melhor alinhar seus esforços de relatórios de sustentabilidade, com uma data efetiva em 1º de julho de 2022.

Abril de 2023

O ISSB revelou que oferecerá auxílio de transição às empresas à medida que implementa os dois conjuntos de normas de sustentabilidade. Esse suporte tinha como objetivo permitir que as empresas se concentrassem em divulgar detalhes sobre os riscos e oportunidades relacionados ao clima em seu primeiro ano de relatórios.

A partir do ano seguinte, as empresas serão obrigadas a apresentar relatórios abrangentes que englobam riscos e oportunidades relacionados à sustentabilidade que vão além das considerações apenas climáticas.

Junho de 2023

O ISSB emitiu formalmente suas duas primeiras normas, considerando isso como uma "nova era" para as divulgações relacionadas à sustentabilidade nos mercados de capitais em todo o mundo.

De acordo com o ISSB, as normas ajudarão a aumentar a confiança e a garantia nas divulgações de sustentabilidade corporativa, melhorando assim as escolhas de investimento.

As normas serão eficazes para períodos a partir de 1º de janeiro de 2024.

Julho de 2023

A Organização Internacional de Comissões de Valores (IOSCO) declarou sua aprovação das normas apresentadas pelo ISSB, após realizar uma extensa avaliação.

A IOSCO instou agora suas 130 jurisdições membros, que abrangem mercados de capitais e órgãos reguladores que supervisionam mais de 95% dos mercados globais de valores mobiliários, a considerar a integração das normas do ISSB em seus respectivos quadros regulatórios individuais. Essa integração tem como objetivo garantir consistência e a capacidade de comparar divulgações relacionadas à sustentabilidade em escala global.

Agosto de 2023

O governo do Reino Unido recentemente revelou sua decisão de adotar as normas de sustentabilidade do ISSB, à medida que busca atingir sua meta de zero emissões líquidas até 2050.

Em um comunicado, o Departamento de Negócios e Comércio anunciou que as normas de divulgação no Reino Unido estabelecerão diretrizes que governarão a forma como as empresas comunicam seus riscos e oportunidades relacionados à sustentabilidade e serão baseadas nas normas do ISSB.

24 agosto 2023

Mistério da Casa Queimada

A cultura neolítica de Cucuteni-Trypillia prosperou na região que abrange partes da Ucrânia, Moldávia e Romênia entre 5500 a.C. e 2750 a.C. Ela é nomeada após duas localidades onde seus vestígios foram primeiramente encontrados: Cucuteni, na Romênia, e Trypillia, na Ucrânia. Embora não seja tão renomada quanto a cultura suméria, pode ser considerada uma das sociedades mais antigas da Europa.


Um aspecto intrigante dessa cultura é o costume das "casas queimadas". Em intervalos regulares, os habitantes das cidades dessa região incendiavam suas próprias residências. A teoria de que os incêndios eram resultado de causas naturais ou de ataques inimigos já foi descartada como explicação plausível. Isso nos leva a questionar: qual seria então a razão por trás da destruição periódica das casas?


Um artigo no site do Jstor apresenta algumas explicações possíveis. Mirjana Stevanovic, uma arqueóloga da Sérvia, sugere que a queima das casas tinha um significado simbólico, ocorrendo após a morte dos habitantes de uma residência. Evgeniy Yuryevich Krichevski, um arqueólogo russo, propõe que o incêndio tinha a finalidade de fortalecer as estruturas das habitações. Outra perspectiva é que o fogo fosse usado para criar espaço para novas construções.

Agora, imagine um contador lidando com as finanças de uma casa, sabendo que ela seria consumida pelo fogo no futuro. Essa situação não seria tão complexa de gerenciar, já que a vida útil da propriedade poderia ser claramente determinada. Se a interpretação da arqueóloga Stevanovic estiver correta, onde a queima está associada a vida do proprietário, a duração deste ativo estaria vinculada à vida do proprietário, eliminando a questão de herança. Se a ideia de Krichevski, que considerava que a queima fortalecia os alicerces da residência, for a explicação correta, então a queima poderia ser vista como uma espécie de "manutenção", prolongando a vida útil do bem.

19 março 2023

Livro: Adeus, Senhor Portugal

 Há alguns anos, Jacob Soll lançava um livro chamado The Reckoning: Financial Accountability and the Rise and Fall of Nations. O autor mostrava que ferramentas como auditoria e as partidas dobradas permitiram construir impérios poderosos; e como a ausência desses instrumentos foram responsáveis pela queda de nações. O livro é muito forte em associar o destino das nações a boa ou má gestão das contas públicas. 

Existe um pouco desta noção na obra “Adeus, senhor Portugal”, de Rafael Criello e Thales Zamberlan Pereira. Suas quase quatrocentas páginas estão divididas em nove capítulos, com três partes principais e narra a história da independência brasileira. Na primeira parte, com quatro capítulos, é a descrição do processo de independência. O foco são os anos de 1822. A segunda parte recua no tempo, trazendo a história da fuga do rei João VI de Portugal. E a terceira parte é a consolidação do país, que levou a saída do rei Pedro I do país. 


Os autores mostram que a fuga de João VI significou a presença da corte no Rio de Janeiro. Com o tempo, a estrutura administrativa foi duplicada e isto significou um custo para os contribuintes. Era necessário sustentar a corte no Rio de Janeiro, a estrutura remanescente de Lisboa e a administração da província. Além disto, havia os encargos trazidos com a guerra contra a França e a redução da receita de alguns produtos que eram exportados pelo país. 

Há um ponto importante na obra que é o papel central do legislativo. Isto inclui os heróis da independência, Lino Coutinho e Cipriano Barata, mas não Pedro. Este papel fica muito claro ao longo da obra, mas o epílogo mostra isto de forma bem clara. A comemoração dos duzentos anos de independência brasileira também é festejar os representantes do legislativo. 

Em 1822 havia uma discussão nas Cortes Constitucionais, em Lisboa, que tinha por finalidade restabelecer os portos portugueses como parada obrigatória das cargas destinadas aos portos portugueses. Isto era uma regressão para o Brasil, pois reduziria os negócios na colônia. Do lado da despesa, o reino português apresentou um aumento substancial nos gastos, inclusive militares. Entre 1802 e 1812, as despesas militares saíram de 60% do gasto total para 78% e mantiveram elevados a partir de então. Isto só irá realmente diminuir no final dos anos de 20, do século XIX, quando o legislativo recusa a aumentar as fontes de receitas do governo, batendo de frente com o caudilho Pedro. 

O texto também segue a tendência de Jorge Caldeira e outros historiadores recentes que mostraram que existia um grande dinamismo das relações econômicas na colônia, que não dependia somente da exportação e importação. O perdulário João VI gostava de dar títulos e festas, mas isto aumentava os gastos: as despesas com a Casa Real chegaram a 29% das despesas do Estado na América portuguesa. Neste momento, os gastos militares representavam 45% . 

Um aspecto típico da época é que as finanças estatais eram tratadas como assunto secreto. Parte da história ainda está sendo reconstituída, como um quebra-cabeça, a partir de alguns documentos existentes. Assim, há lacunas e uma delas é a razão pela qual o Brasil tornou-se independente e manteve sua coesão. Uma das possíveis explicações é a universidade. Ao contrário das colônias espanholas, Portugal manteve o ensino superior centralizado, especialmente na Universidade de Coimba. As elites administrativas das diferentes partes do Brasil eram formadas em direito, em um mesmo local. Esta união pode, ironicamente, ter ajudado na homogeneidade ideológica das elites, que por sua vez explicaria o Brasil unido após a independência. 

As finanças públicas também será a principal explicação para a derrocada de Pedro. Ao insistir em manter uma guerra na província da Cisplatina, atual Uruguai, Pedro necessitava de recursos. A constituição que ele mesmo aprovara indicava que o aumento de gastos deveria ser feito pelo legislativo. Nos primeiros anos do seu governo, o país tinha obtido um grande empréstimo internacional e, por este motivo, Pedro não precisava do legislativo. Quando o dinheiro acabou, o imperador tentou usar o Banco do Brasil, através da emissão de moeda. Isto gerou inflação e descontentamento popular. O legislativo percebeu que a única maneira de manter sua vantagem na briga política era manter o governo insolvente. Em um determinado momento, o legislativo aprovou até o fechamento da instituição financeira, o que cortaria esta fonte de recurso do imperador. 

Eis um dado impressionante: entre o ano fiscal de 1830-1 e 1831-2 os gastos militares reduziram em 35% por conta da decisão parlamentar. Durante o reinado de Pedro, os recursos para a área militar era abundante e o parlamento teve o mérito de colocar as coisas no seu devido lugar. 

Enfim, a leitura de Adeus, senhor Portugal muda nossa percepção do que ocorreu ao longo da nossa história, destacando a relevância das contas públicas e do poder legislativo. 

10 agosto 2022

História usando jornais

Este blog já postou vários textos usando os jornais, especialmente brasileiros e digitalizados da hemeroteca da Biblioteca Nacional. Muitos dos textos são reveladores sobre a história da contabilidade. Agora um texto do NBER discute sobre o uso desta base de dados. Apesar da ferramente ser valiosa, o texto reconhece algumas limitações. 

Eis o abstract:

Digitized historical newspaper databases offer a valuable research tool. A rapidly expanding set of studies use these databases to address a wide range of topics. We review this literature and provide a toolkit for researchers interested in working with historical newspaper data. We provide a brief description of the evolution of historical newspapers, focusing on aspects that are likely to have implications for the design of empirical studies. We then review the main databases in use. We also discuss some key challenges in using these data, most importantly the fact that even the most extensive datasets contain only a selected sample of the universe of historical newspaper articles. We offer tools for evaluating the comprehensiveness of available newspaper datasets, show how to assess potential identification concerns, and suggest some solutions.

Há uma grande variedade de fontes citadas no texto como o British Newspaper Archive, entre outros e a quantidade de cada biblioteca encontra-se a seguir:
O fluxo a seguir mostra como o resultado da pesquisa histórica em jornais pode ser enviesado



02 agosto 2022

Congresso de História em Portugal

Irá realizar-se em Coimbra (26 Novembro, 2022 - Sábado) em regime híbrido uma jornada de história da contabilidade organizada pela Associação Portuguesa de Técnicos de Contabilidade (APOTEC) e pelo ISCAC-Coimbra Business School. Este congresso ocorre no âmbito das comemorações do 45.º aniversário da APOTEC.

A submissão de trabalhos está aberta, conforme o seguinte documento: https://www.apotec.pt/fotos/editor2/45_anos/programa_pt.pdf 

 Miguel Gonçalves, ISCAC | Coimbra Business School.

14 julho 2021

Desenvolvimento da numeração na pré-história


A Nature traz um artigo sobre a busca pela origem dos sistemas de numeração.  Parece que ainda existem lacunas que estão sendo investigadas. Mas eis um trecho importante:

Overmann analisou dados antropológicos relativos a 33 sociedades de caçadores-coletores contemporâneas em todo o mundo. Ela descobriu que aquelas com sistemas de número simples (um limite superior não muito superior a 'quatro') tinham frequentemente poucos bens materiais, tais como armas, ferramentas ou joias. Aqueles com sistemas elaborados (um limite superior de numeração muito superior a 'quatro') tinham sempre uma gama mais rica de posses. As evidências sugeriram a Overmann que as sociedades poderiam precisar de uma variedade de posses materiais se quisessem desenvolver tais sistemas de numeração.

Isto é relevante. Uma forma de tentar descobrir quando o homem (ou seus ancestrais) começou a contar, os pesquisadores estão buscando várias alternativas. Uma delas é a linguística, através do estudo da origem das palavras numéricas. 

O biólogo evolucionista Mark Pagel, da Universidade de Reading, Reino Unido, e seus colegas passaram muitos anos explorando a história das palavras em famílias de idiomas existentes, com a ajuda de ferramentas computacionais que eles desenvolveram inicialmente para estudar a evolução biológica. Essencialmente, as palavras são tratadas como entidades que permanecem estáveis ou são superadas e substituídas à medida que os idiomas se espalham e diversificam. Por exemplo, o inglês 'water' e o alemão 'wasser' estão claramente relacionados, tornando-os cognatos que derivam da mesma palavra antiga - um exemplo de estabilidade. Mas o "mão" em inglês é distinto do espanhol "mano" - evidência de substituição de palavras em algum momento no passado. Ao avaliar com que frequência esses eventos de substituição ocorrem por longos períodos, é possível estimar as taxas de mudança e inferir a idade das palavras. 

Usando essa abordagem, Pagel e Andrew Meade, da Reading, mostraram que palavras com números de baixo valor ('uma' a 'cinco') estão entre os recursos mais estáveis das línguas faladas. De fato, mudam tão pouco nas famílias linguísticas - como a família indo-europeia, que inclui muitas línguas modernas europeias e do sul da Ásia - que parecem ter estado estáveis entre 10.000 e 100.000 anos.

07 novembro 2020

Profissão Contábil em Portugal


Como residentes em um país colonizado por Portugal, sempre ficamos atento ao que está ocorrendo no país europeu. Uma surpresa em uma artigo de João Barros, para o Jornal Econômico, é saber que a profissão de contabilista foi regulada em 17 de outubro de 1995. Ou seja, recentemente completou 25 anos de regulamentação do exercício da profissão. 

O texto fala em "uma luta de muitas décadas" para obtenção da regulamentação. Eis um trecho interessante:

Num país que se pode orgulhar da primeira escola europeia – e, quiçá, mundial – dedicada exclusivamente ao ensino de matérias comerciais e contabilísticas, a Aula do Comércio, instituída em 1759 pelo Marquês de Pombal, a regulamentação da profissão foi o culminar de um longo processo. Desde os guarda-livros e as obrigações que lhes eram atribuídas na “Carta de Lei” de 1770 ou nos Códigos Comerciais do século XIX, só em 1995, e após vários avanços e recuos, é finalmente formalizada a profissão de Técnico Oficial de Contas, a designação utilizada à altura. 

Já comentamos aqui, entretanto, que Portugal foi um dos últimos países a traduzir a obra de Luca Pacioli. A escola de Pombal é tardia, quando o país já estava atrasado na guerra comercial, sendo um mero entreposto de mercadorias da colônia. Tanto é assim que as partidas dobradas não eram adotadas na contabilidade pública portuguesa. 

05 setembro 2020

As Universidades mais antigas do mundo


 Eis uma listagem das universidades que foram criadas antes de 1500, por ordem de antiguidade:

1088 - de Bolonha - Santo Império Romano - localizada em Bolonha, Itália
1096–1167 - Oxford - Inglaterra - localizada em Oxford (a data não é muito certa)
1134 - Salamanca - Reino de Leão - Salamanca, Espanha - foi a primeira a receber o título de Universidade
1209 - Cambridge - Inglaterra - localizada em Cambridge (nasceu de uma dissidência de Oxford)
1222 - Pádua - Comuna de Pádua - Pádua, Itália - nasceu de uma dissidência de Bolonha
1224 (1258) - Nápoles - Reino da Sicília - Nápoles, Itália - primeira universidade pública
1240–1357 - Siena - República de Siena - Siena, Itália
1290 - Coimbra - Reino de Portugal - Coimbra, Portugal
1290 - Macerata - Estados Papais - Macerata, Itália
1293 - Valladoid - Coroa de Castela - Valladoid, Espanha
1293 - Complutense - Coroa de Castela - Madrid, Espanha
1303 - Sapienza - Estados Papais - Roma, Itália
1308 - Perugia - Estados Papais - Perugia, Itália
1321 - Florença - República de Florença - Florença, Itália
1343 - Pisa - República de Pisa - Pisa, Itália
1348 - Charles - Reino da Boêmia e Santo Império Romano - Praga, República Tcheca
1361 - Pavia - Casa de Visconti - Pavia, Itália
1364 - Jagiellonion - Reino da Polônia - Cracóvia, Polônia
1365 - Viena - Santo Império Romano - Viena, Áustria
1386 - Ruprecht Karl - Santo Império Romano - Heidelberg, Alemanha
1391 - Ferrara - Casa do Este - Ferrara, Itália
1404 - Turim - Duque de Savoy - Turim, Itália
1409 - Leipzig - Santo Império Romano - Leipzig
1413 - St Andrews - Reino da Escócia - St. Andrews, Reino Unido
1419 - Rostock - Santo Império Romano - Rostock, Alemanha
1434 - Catania - Reino da Sicília - Catania, Itália
1450 - Barcelona - Coroa de Aragão - Barcelona, Espanha
1451 - Glasgow - Reino da Escócia - Glasgow, Escócia
1456 - Greifswald - Santo Império Romano - Greifswald
1457 - Freiburg - Santo Império Romano - Freiburg, Alemanha
1460 - Basiléia - Santo Império Romano - Basileia, Suiça
1472 - Munique - Santo Império Romano - Munique, Alemanha
1477 - Tubingen - Santo Império Romano - Tubingen , Alemanha
1477 - Uppsala - Reino da Suécia e União Kalmar - Uppsala, Suécia
1479 - Copenhague - Reino da Dinamarca e União Kalmar - Copenhague, Dinamarca
1481 - Genova - República de Genova - Genova, Itália
1495 - Aberdeen - Reino da Escócia - Aberdeen, Escócia
1495 - Santiago de Compustela - Reino da Galícia e Coroa de Castela - Santiago de Compustela, Espanha
1499 - Valência - Coroa de Aragão - Valência, Espanha

Fonte: aqui

10 agosto 2020

Escravos e a contabilidade

Em uma entrevista com a historiadora Caitlin Rosenthal, a discussão sobre o tratamento do ser humano como mercadoria. Eis um trecho: 

(...) o artigo explora quatro estudos de caso sobre como as pessoas escravizadas eram precificadas e avaliadas. Os três primeiros mostram o processo de comoditização, revelando como os proprietários de escravos viam os escravos não como indivíduos, mas como unidades fungíveis de capital e trabalho. Isto incluía (1) inventários de pessoas escravizadas, (2) listas de preços que classificavam os escravos em categorias comercializáveis e (3) um sistema que classificava as pessoas escravizadas como ¼, ½, ¾ ou inteiras (...) o que permitia aos proprietários de escravos fazer comparações entre diversos grupos de pessoas. A seção (4) do artigo explora a auto compra, examinando como funcionava a precificação quando as próprias pessoas escravizadas participavam de mercados para comprar sua liberdade. Este último gênero de negociação mostra que os proprietários transformaram seu poder sobre os escravos em poder de monopólio, usando-o para extrair preços acima do mercado daqueles que buscavam comprar sua liberdade.

É importante destacar que Rosenthal escreveu um livro com o título Accounting for Slavery: Masters and Management

Ainda sobre o mesmo assunto, a Slate publicou um texto onde analisou a estreita ligação do trono inglês com a escravidão. O texto mostra como os reis britânicos lucraram, na história, com o comércio de escravos. No final:

Nos últimos dias, o duque e a duquesa de Sussex [príncipe Harry e a atriz negra Meghan Markle] argumentaram que, à luz do movimento Black Lives Matter, é hora de a Grã-Bretanha lidar com seu passado “desconfortável”. Mas a monarquia britânica continua se recusando a reconhecer seus laços históricos com o comércio de escravos e a opressão racial.

24 julho 2018

Veneno oculto

Um texto muito interessante mostra como no passado a nobreza se preocupava com a possibilidade do envenenamento. Entretanto, certas crenças eram muito mais perigosas:

Ironicamente, aqueles nas cortes reais apavorados com o veneno estavam se envenenando sem saber diariamente com seus cosméticos e medicamentos. As nobres usavam maquiagem branca feita de mercúrio, chumbo, vinagre e uma pitada de arsênico. Eles coloriram suas bochechas e lábios com vermelhão - cinábrio em pó - que continha mercúrio. Como toque final, aplicaram uma fina camada de pó facial de arsênico.

Além do uso destes produtos, a higiene não era algo observado: aplicava-se fezes nas feridas, as pessoas urinavam em locais públicos, entre outras práticas. Isto na Europa, onde moravam os "civilizados".

14 julho 2018

Escrita é originária da contabilidade?

James Scott, em Against the Grain, levanta a hipótese de que a escrita foi originária da contabilidade. Assim, a escrita foi inventada para que os primeiros estados tivessem condição de rastrear pessoas, terras e produção. Inicialmente, a escrita era uma ferramenta da contabilidade e com o passar do tempo passou a ser usada para escrever poesia e narrativas. Parece que Scott defende a ideia que o estado é tirânico e as pessoas viviam melhor no passado.

Um texto no Aeon, de Michael Erard, critica esta "hipótese administrativa" e condena a visão de que a escrita é vilã. E a contabilidade, inventada para ajudar os governos da antiguidade (Mesopotâmia, China etc) teria um papel preponderante.

if writing is the offspring of accounting and keeps the powerful in power, then let’s unshackle ourselves and return to purity.

26 junho 2018

Diferença entre os países

Uma pergunta foi feita para 6.185 estudantes de 35 países:

Qual a contribuição - de 0 a 100% - que o seu país deu para a história?


Antes de prosseguir, pense esta pergunta para o Brasil. Lembre, qual seria a contribuição do Brasil, de 0 a 100%, na história da humanidade? Os pesquisadores não queriam medir o grau de importância de cada país. Ou mensurar o impacto de cada civilização na história da humanidade. Mas a pergunta tinha uma grande sutileza: apesar de ser impossível mensurar isto, a resposta dos estudantes revelam o grau de narcisismo dos habitantes.

O resultado para os estudantes dos Estados Unidos foi de 30%. Ou seja, eles consideram que quase um terço da história mundial teve a contribuição de um país fundado há menos de 500 anos. Conhecendo a autoestima deles, uma resposta já esperada. Mas a surpresa é que eles não foram os estudantes mais narcisistas. Os russos colocaram 61%, o percentual mais elevado. Os canadenses, um povo cordial e pacato, que a grande maioria das pessoas não sabe sequer o nome da sua capital, cravaram 40%. A Malásia - um pais da Ásia, cuja capital é Jacarta, teve uma média de 49%. E os portugueses? São modestos: acham que 38% da história mundial se deve a terrinha.

A soma da percentagem média dos 35 países foi de 1.156%, uma média de 33%. Estes valores foram maiores para os ex-comunistas, os islâmicos e sul da Ásia. A menor média: os protestantes europeus. Aproveitando, se você leu o texto e não percebeu de a capital da Malásia não Jacarta, mas Kuala Lampur, talvez seja um sintoma que talvez este país não seja tão relevante assim. Assim como os demais. E qual foi o seu percentual para o Brasil?