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13 novembro 2022

Herança digital é ativo? Pode ser mensurado?

O texto a seguir trata da questão da herança digital. O assunto interessa para a contabilidade, pois há uma discussão se trata efetivamente de um ativo ou não. Isto talvez não seja difícil, já que pode ser sim um ativo. Mas e a mensuração? Em um processo de herança, a herança digital precisa ser mensurada, para eventualmente ser repartida entre os herdeiros. Dependendo do tipo de herança, medir seu valor pode ser fácil. 

A divisão dos bens de uma pessoa que faleceu é muitas vezes um momento de tensão em muitas famílias, em especial quando existe um patrimônio valioso a ser dividido entre os herdeiros. Se isso já é uma dor de cabeça quando a divisão envolve só imóveis e investimentos, o problema fica ainda mais delicado quando o que está em jogo são os ativos digitais. Nessa lista estão desde criptoativos, contas em redes sociais e até senhas de e-mail. Como a discussão ainda é muito nova, o Judiciário brasileiro ainda está longe de um consenso sobre o tema.

O assunto, que está movimentando os escritórios de advocacia pelo País, ganhou força em meio à discussão relativa ao espólio da cantora Marília Mendonça, que morreu há um ano em um acidente aéreo. No seu inventário estaria, por exemplo, um perfil do Instagram com mais de 40 milhões de seguidores, além de sua conta no YouTube, com centenas de milhões de visualizações, além dos direitos autorias das músicas da cantora. A ação corre sob sigilo de Justiça.



Sócia da SFCB advogados, Veridiana Fraga confirma o crescimento de questionamentos de clientes. Segundo ela, o caso de Marília Mendonça está sendo acompanhado com atenção. “Temos recebido consultas há cerca de um ano sobre herança digital, se faz parte do direito de sucessão ou não”, conta a especialista.

Um dos pontos que vem sendo analisado pela Justiça é a questão de privacidade da pessoa falecida – já que e-mail ou celular podem conter informações privadas de anos da vida da pessoa em questão. No entanto, a coisa muda de figura quando o histórico dessa pessoa em plataformas digitais tem um valor monetário claro, como é o caso da cantora sertaneja.

Segundo Fraga, as pessoas devem ficar atentas aos termos de uso das plataformas, já que as mesmas possuem a opção de extinguir a conta em caso de morte. “Isso ajudará o trabalho do Judiciário, que ainda não está maduro nessa questão”, explica. A especialista afirma que definir um valor para uma conta em rede social é difícil. Uma das alternativas seria a venda de contas para empresas que compram contas com milhares de seguidores – isto, é claro, se o herdeiro ganhar o direito sobre esse ativo.

Para Nathalie Fragoso, sócia do escritório VMCA, é preciso que as famílias estejam atentas ao que diz a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). “A lei de proteção aos dados se refere aos dados de pessoas naturais, conceito que abriga os vivos e se encerra com a morte”, explica. Especialistas lembram que a vida digital de uma pessoa pode não apenas conter informações sensíveis sobre a pessoas falecida, mas também para terceiros próximos a ela.

Segundo a advogada Ana Frazão, sócia da Ana Frazão Advogados e professora da faculdade de Direito da Universidade de Brasília, é necessário separar conteúdo de patrimônio. Tudo o que se encaixar no primeiro caso, segundo ela, não deveria virar herança. “Tudo que envolve dados pessoais e sensíveis não deveria, em princípio, ser suscetível à sucessão”, explica. No caso de algo que é notoriamente comercial, o entendimento que deve prevalecer, na sua opinião, é de que se trata de mais um bem passível de entrar no inventário.

Em se tratando de uma rede social de alguém famoso, como a de Marília Mendonça, a especialista faz sentido a conta passar aos herdeiros, até porque a mesma poderá ser utilizada para memória da artista entre seus fãs. Na falta de consenso, porém, o Judiciário tem analisado os processos caso a caso.

Para ativos cujo valor econômico é notório e reconhecido, tal como criptomoedas ou uma NFT, é natural que eles estejam dentro da gama de bens da sucessão. Frazão diz que, no caso de contas de redes sociais, a conta não é tão fácil. Por isso, uma das saídas possa ser a elaboração de um inventário digital prévio, em caso de pessoas que monetizem seus dados em redes sociais, por exemplo.

Milhas ficam de fora

Mesmo que o tema avance, ainda há muitas incertezas – e muitas vezes as decisões da Justiça não são a favor dos “candidatos” a herdeiros. Uma decisão recente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por exemplo, entendeu que as milhas de programas de fidelidade não podem ser consideradas dentro do acervo hereditário – pois são consideradas um item “personalíssimo”.

A leitura do STJ foi de que as milhas são um benefício e, por isso, não possuem uma natureza patrimonial. Para Ana Frazão, a decisão reforça a falta de consenso sobre o caso. Para ela, esse entendimento pode ser questionado.

Foto: Roman Kraft

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02 março 2022

Herança digital


Gomes, em Quem fica com meus dados e redes sociais quando eu morrer? Herança digital motiva ações na Justiça trata da chamada herança digital. O Brasil ainda não tem uma legislação acabada sobre o assunto e que desperta questões sobre quem pode ou não ficar com o conteúdo online do indivíduo que faleceu. Mas como o problema é recente, em outros países ainda existe uma discussão em andamento.

Este conteúdo pode ter um valor sentimental grande para os amigos e familiares. Por esta razão, envolve uma discussão sobre a vida privada do falecido. Mas há um caráter de privacidade da pessoa que faleceu. Gomes destaca que as opiniões estão entre o direito à personalidade, que inclui a privacidade, e o direito sucessório. Na Alemanha e Espanha prevalece os direitos sucessórios; nos Estados Unidos prevalece a privacidade.

Quando uma pessoa abre uma conta em uma rede social, o usuário concorda com as condições. E isto inclui este ponto. O Facebook transforma o perfil do falecido em um memorial e permite que um herdeiro possa gerenciar o perfil. O Instagram não tem a figura do herdeiro da conta.

Vamos voltar no tempo e retroceder ao ano de 1924. Neste ano, o escritor Franz Kafka faleceu, não sem antes pedir, em testamento, que seu amigo Max Brod, destruísse seus esboços ainda não publicados. O dilema de Brod foi satisfazer o desejo do amigo ou privar a humanidade de obras como O Processo e O Castelo. Venceu a segunda opção e Brod desrespeitou o desejo de Kafka.

Poderíamos imaginar alguém como Kafka nos tempos atuais, com uma conta em uma rede social. Sua partida física deixa as postagens que ele fez nos últimos anos e que podem ser importantes para a compreensão da sua obra. Deveríamos deixar o conteúdo ser apagado por uma empresa como o Facebook ou permitir que os herdeiros possam preservar este conteúdo? Parece que o pêndulo seria favorável para o direito hereditário aqui.

Mas vamos considerar outra situação. Uma pessoa produziu rascunhos que, pelo seu crivo, foi rejeitado. É justo tornar público uma obra de baixa qualidade, que pode ajudar a compreender o processo de produção do artista, mas que não condiz com a qualidade? A questão da privacidade aqui também deve ser levada em consideração. No passado, as pessoas escreviam e recebiam cartas de amor. Esta correspondência era algo pessoal; será ético entrar na vida de alguém que já faleceu?

E a Contabilidade - Há uma questão contábil interessante nesta discussão. Uma conta pode representar um ativo, na medida que há uma possível geração de riqueza com o seu conteúdo. Há uma interesse econômico em deter este conteúdo. Como a internet ainda é algo novo, a questão ainda é recente e não está na lei. Mas isto pode ser um “ativo” para a rede social, que pode explorar o conteúdo de alguém famoso postado por ele.