Li esta reportagem e pensei: onde estão os órgãos de controle?
Na semana do Natal e do Réveillon, os brasileiros que foram ao consulado de Florença, na Itália, em busca de uma solução para algum embaraço burocrático, foram informados de que as atividades da casa estavam suspensas pelo recesso de fim de ano. No dia 4 de janeiro, a psicóloga amazonense Jaqueline Lopes Marques morreu em um acidente de carro em Los Angeles, nos Estados Unidos, e sua família declarou que não recebeu nenhum suporte da representação consular brasileira. Graças à morosidade das autoridades, o corpo de Jaqueline demorou quase uma semana para ser liberado para o Brasil. Na semana passada, o jornal "Folha de S. Paulo" revelou que o embaixador Guilherme de Aguiar Patriota (irmão do ministro das Relações Exteriores, Antonio Patriota), número dois da missão do País na ONU, mora no Upper West Side, uma das regiões mais nobres de Nova York, em um imóvel alugado por US$ 23 mil mensais, o equivalente a cerca de R$ 54 mil. Detalhe importante: a conta é paga pelos cofres públicos. Em comum, todas as histórias apresentadas aqui revelam a ineficiência da bilionária máquina diplomática do Brasil.
LUXO
A embaixada brasileira na Piazza Navona tem obras de arte e teto banhado a ouro
Com um orçamento que ultrapassa os R$ 2,2 bilhões, o Ministério das Relações Exteriores gasta R$ 800 milhões apenas com servidores ativos, grande parte ganhando acima do teto constitucional, e outros R$ 400 milhões para manter a estrutura de embaixadas e consulados em 182 postos espalhados pelo mundo. Em Roma, na Itália, o Brasil mantém quatro representações diplomáticas. São duas embaixadas (uma delas no magnífico Palazzo Pamphili, na Piazza Navona, ornado com obras de arte e teto banhado a ouro, além de outra no Vaticano), um consulado-geral e um escritório junto à FAO, braço da ONU para alimentação e agricultura. Para que tudo isso? Procurado por ISTOÉ, o Itamaraty nada informou sobre o alto preço pago pelos brasileiros para sustentar seus tentáculos diplomáticos. Os gastos são bancados pelo contribuinte brasileiro, é claro, mas tratados com sigilo, o que é de estranhar em um País onde a transparência se tornou lei.
O órgão tem prometido ano após ano abrir sua caixa-preta de despesas e mostrar como os representantes brasileiros do alto escalão da diplomacia gastam o dinheiro público, mas os sistemas de controle de gastos do governo federal só alcançam um terço das despesas e não incluem detalhes das compras feitas por embaixadas, que são controladas pelo escritório financeiro de Nova York. Só em festas, jantares e recepções, serão mais de R$ 12 milhões para custear eventos no Exterior em 2014. A maioria deles ocorrerá nas residências oficiais dos embaixadores, com o argumento de que ajudam a azeitar as relações dos homens que representam o Brasil em solo estrangeiro com autoridades de outros países. Trata-se, porém, de estratégia questionável cujos resultados práticos nem mesmo diplomatas experientes conseguem listar. A divulgação de que o embaixador Guilherme de Aguiar Patriota mora em um imóvel cujo aluguel custa R$ 54 mil mensais escancarou as mordomias da cúpula diplomática que vive no Exterior. Legalmente, o auxílio-moradia varia de US$ 3,2 mil a US$ 6,6 mil por mês, mas esses valores podem ser driblados por servidores de alto escalão cuja moradia é classificada na categoria de "residência oficial." Na prática, isso permite o pagamento de aluguel de qualquer quantia. Dois diplomatas ouvidos por ISTOÉ afirmaram que a manobra é aceita pelo ministério apenas em alguns casos, mas sempre a partir de critérios que costumam ser justificados por apadrinhamentos.
Do lado de fora dos muros das embaixadas e dos consulados, brasileiros que buscam ajuda efetiva da diplomacia sofrem com a passividade do País diante de problemas que mereciam reações mais firmes e solidárias. A má qualidade dos serviços explica-se por uma prática cada vez mais frequente: a indicação de servidores sem experiência prévia e treinamento para funções de chefia, e até empregados terceirizados para exercer funções de vice-cônsul do Brasil."Isso foi um absurdo e relata os problemas administrativos que os consulados vivem", diz Soraya Castilho, presidente da Associação Nacional dos Oficiais de Chancelaria do Serviço Exterior Brasileiro.
A maioria dos cidadãos que já enfrentou um problema grave no Exterior descreve uma situação comum. No início, a reação é de passividade total – marasmo que só costuma ser rompido quando vem uma ameaça externa, em particular alguma reportagem em jornal ou tevê. Foi assim no caso dos torcedores corintianos presos na Bolívia sob a arbitrária acusação de assassinato. Graças à inoperância da diplomacia brasileira, foram necessários cinco meses para que todos saíssem da prisão. Os casos não são isolados.
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