Entre 1991 e 2011, o gasto primário do governo federal (exclusive transferências a Estados e municípios) saiu de 11,1% para 17,5% do Produto Interno Bruto (PIB). Apesar desse crescimento, o País passou, sistematicamente, a gerar superávits primários para pagar os juros da dívida interna e externa a partir de 1999. No entanto, essa maior responsabilidade fiscal foi baseada no crescimento da receita - a arrecadação quebrou a barreira dos 25% do PIB (1970-1994) e chegou a 35% do PIB, em 2011.
Nesse debate é bom ter claro que todos os presidentes brasileiros, desde 1990, terminaram os seus mandatos com a despesa primária como proporção do PIB maior do que aquela do seu antecessor. O crescimento do gasto foi mais intenso na primeira metade da década de 1990, quando em apenas três anos (1991 a 1994) a despesa primária cresceu quase três pontos porcentuais do PIB pelo "efeito Constituição". O crescimento foi particularmente concentrado no gasto com pessoal e nas despesas com INSS.
No período mais recente, desde 1999, o gasto público não financeiro do governo federal continuou sua trajetória de expansão. Mesmo com a aceleração do crescimento da economia entre 2004 e 2010, conseguimos a proeza de continuar elevando o gasto público não financeiro (% do PIB) sem aumentar o investimento público (que está por volta de 1% do PIB).
Por outro lado, quando se analisa o comportamento do gasto público, nota-se que as razões para o seu aumento são sempre meritórias.
Por exemplo, quando se olham os dados para 1999 a 2011, não há dúvida de que, como porcentagem do PIB, 87% do crescimento do gasto primário de 1999-2011 é explicado pelo aumento das despesas do INSS e gastos de custeio ligados a programas sociais (seguro-desemprego, abono salarial, Loas e Bolsa Família). Todas estas despesas são afetadas diretamente pelos reajustes reais do salário mínimo.
No período mais recente, de 2007 a 2011, se olharmos o gasto público não financeiro (custeio, pessoal e investimento) classificado por função, o maior crescimento da despesa pública do governo federal ocorreu com a função educação: crescimento nominal de 140% neste período. Até outubro de 2012, o investimento do Ministério da Educação foi de R$ 8,3 bilhões, com crescimento de 60% em relação ao mesmo período do ano passado.
Os gastos com saúde e educação têm regras constitucionais para o seu crescimento que tornam impossível qualquer economia com essas funções. O governo federal tem de gastar, no mínimo, 18% da sua arrecadação de impostos, líquida de transferências, com a manutenção e o desenvolvimento do ensino. Na média de 2002 a 2004, o governo federal gastava muito mais do que isso: 29,7%. No entanto, com o crescimento da carga tributária, o governo federal gastou com a manutenção e o desenvolvimento do ensino, em 2011, uma parcela de 19,3% da sua receita líquida de impostos. Não há mais quase nenhum "espaço legal" para economizar com essa despesa, a não ser que haja uma queda permanente da arrecadação.
Neste ano até outubro, a despesa não financeira do governo federal cresceu R$ 71 bilhões e, desse total, as despesas com investimento responderam apenas por R$ 9,4 bilhões, incluindo aqui os subsídios ao Minha Casa Minha Vida, que foram responsáveis por R$ 5,4 bilhões desse crescimento. Da mesma forma, em 2009 as despesas não financeiras do governo federal cresceram R$ 74,2 bilhões e o investimento público ficou com apenas R$ 5,9 bilhões. Assim, tanto em 2009 quanto em 2012, o setor público sai maior de anos de baixo crescimento.
Em 2009, a despesa primária aumentou 1,2 ponto porcentual do PIB e, com o crescimento excepcional do PIB de 7,5% em 2010, a despesa recuou apenas 0,2 ponto porcentual. No conjunto dos dois anos, portanto, o gasto primário ficou um ponto do PIB maior. Algo semelhante, mas não na mesma magnitude, deverá acontecer novamente em 2012 e 2013. De onde virá então o espaço fiscal para as fortes desonerações anunciadas pelo governo?
Muitos falam que a redução das taxas de juros para o atual nível de 7,25% ao ano criaria o espaço fiscal para a suposta diminuição planejada da carga tributária e, com juros menores, não seria necessária a geração de superávits primários de 3,1% do PIB. Há dois equívocos nessas afirmações. Primeiro, o que importa nesse debate são os juros (implícitos) da Dívida Líquida do Setor Público (DLSP), que continua elevada, perto de 15% ao ano. A magnitude de queda desta taxa não será a mesma observada para a taxa de juros Selic e, portanto, a economia fiscal será muito menor, inclusive porque o Tesouro continua aumentando sua dívida para emprestar ao BNDES e aumentando os subsídios do Programa de Sustentação do Investimento (PSI). Esse tipo de operação aumenta o custo da DLSP.
Segundo, o superávit primário do setor público em 12 meses até outubro já foi reduzido para 2,2% do PIB, apesar do fraco crescimento do investimento público do governo, como destacado acima. Assim, o superávit primário foi reduzido sem que tenha ocorrido ainda o forte crescimento esperado do investimento público.
Nas circunstâncias atuais, até mesmo alcançar um superávit primário entre 2% e 2,5% do PIB no próximo ano será um desafio. A redução das taxas de juros não será suficiente para criar espaço fiscal para desonerações e aumento do investimento público. E os novos programas de empréstimos de bancos públicos para investimento nos Estados contribuirão também para a redução do superávit primário.
Assim, em 2013, o maior desafio para o governo federal será desatar o nó fiscal que ele próprio criou ao priorizar o crescimento dos gastos que, anteriormente, conseguia acomodar com uma economia que crescia acima de 4% ao ano - e, mesmo assim, com crescimento da carga tributária. Sem um "boom" de commodities e com o crescimento menor do mundo, não há como fazer mais do mesmo. Em 2013, o Brasil precisará começar a fazer escolhas ou a tão sonhada redução de carga tributária não ocorrerá nos próximos anos.