Nas últimas semanas, foram
divulgados os resultados dos balanços dos bancos referentes a 2012. O que torna
esses números importantes é que estamos no meio de uma alteração na maneira de
funcionamento desse mercado.
O mercado de bancos comerciais
brasileiro é composto por cinco grandes instituições -além das pequenas e
médias-, duas delas públicas, Banco do Brasil e Caixa, e três privadas, Itaú
Unibanco, Bradesco e Santander.
Um dos elementos da política
econômica da presidente Dilma é reduzir os juros básicos da economia e reduzir
os juros cobrados pelos bancos comerciais na concessão de crédito. Para tal é
necessário reduzir o "spread" bancário, que é a diferença dada pela
taxa com que os bancos remuneram seus depositantes, conhecida por taxa de
captação e próxima da taxa básica de juros, e a taxa cobrada aos tomadores de
empréstimos.
O Banco Central promoveu de
agosto de 2011 até o segundo semestre de 2012 forte redução da taxa básica de
juros, a Selic, trazendo-a para 7,25% ao ano após reduzir 5,25 pontos
percentuais. Adicionalmente, instruiu a diretoria dos bancos públicos, BB e
CEF, a iniciar um forte processo de redução dos "spreads" com vistas
a reduzir o custo de crédito e estimular a demanda.
Subjacente a essa iniciativa
há uma particular interpretação dos motivos dos elevados "spreads"
observados em nossa economia. Normalmente, os economistas e os bancos atribuem
os elevados "spreads" aos altos custos da intermediação bancária. Os
"spreads" seriam elevados pois a carga tributária e os depósitos
compulsórios são muito altos no Brasil, além da inadimplência e, principalmente,
do custo jurídico de reaver um crédito não pago ser elevadíssimo no Brasil. Ou
seja, os elevados "spreads" seriam consequência do ambiente
institucional subjacente ao funcionamento do sistema financeiro nacional.
[ Meu comentário: no Brasil, os spreads bancários não são elevados. ]
Parece que a presidente,
quando estimula os bancos públicos a baixarem "na marra" os
"spreads", tem outro diagnóstico. Os "spreads" seriam
elevados porque os bancos explicitamente ou tacitamente-se comportam como um
cartel, reduzindo artificialmente a quantidade concedida de crédito e, consequentemente,
elevando artificialmente o custo do crédito.
Se o diagnóstico da presidente
estiver correto, o resultado será a forte elevação da participação dos bancos
públicos no mercado de intermediação bancária, elevação dos lucros totais dos
bancos públicos e redução da taxa de lucratividade dos bancos públicos e
privados, fruto da redução do "spread".
O risco da política do governo
é o primeiro diagnóstico ser o correto, e os bancos públicos, ao longo do
tempo, colherem fortíssima elevação da inadimplência, reduzindo muito os lucros
e, no limite, gerando forte prejuízo, que teria que ser coberto por recursos do
Tesouro.
Dirigentes dos bancos públicos
argumentam que a inadimplência é menor do que a dos bancos privados e,
portanto, não há esse risco. A dificuldade com o argumento
dos dirigentes dos bancos públicos é que em parte a inadimplência dessas
instituições é baixa pois a maior parte de sua intermediação ocorre no segmento
de crédito direcionado, principalmente crédito ao investimento, com o BNDES, crédito
agrícola, com o BB, e crédito imobiliário, com a CEF.
Como os recursos que lastreiam
créditos dessa natureza são compulsoriamente captados na sociedade, os bancos
públicos concedem essa modalidade de crédito a taxas muito menores. E, de fato,
as taxas de mercado são maiores devido em parte ao fato de essa
"captação" ser compulsória.
Com dados do BC (e fazendo
algumas hipóteses), calculamos a taxa de inadimplência dos bancos públicos no
crédito livre, aquele que é concedido em condições de mercado. Nossas
estimativas apontam para taxas de inadimplência nos créditos livres
significativamente maiores que as dos bancos privados.
Essa constatação sugere que a
forte elevação da participação da carteira de créditos livres nos créditos
totais dos bancos públicos deve elevar em alguns anos a inadimplência (que hoje
estaria artificialmente baixa pela elevada participação dos créditos
direcionados).
O temor é que o Tesouro
Nacional tenha que arcar com enormes prejuízos como foi o caso do empréstimo de
R$ 700 milhões do BNDES ao Lácteos Brasil. Por outro lado, se o diagnóstico da
presidente estiver correto, haverá queda permanente do custo do dinheiro no
Brasil. Temos que aguardar.
Fonte: Competição entre bancos -
SAMUEL PESSÔA é doutor em economia e pesquisador associado doInstituto Brasileiro de Economia da FGV. Escreve aos domingos nesta coluna.