No momento em que o Brasil enfrenta uma recessão na economia, com aumento no desemprego, redução na taxa de crescimento e perspectivas sombrias sobre sua nota de crédito seria bom verificar como isto está aparecendo nas demonstrações contábeis. É sabido que o ambiente econômico influencia pesadamente no desempenho das empresas. Como estas podem usar o relatório de administração para informar estes efeitos, fizemos uma breve pesquisa neste documento de diversas entidades que recentemente divulgaram seus resultados para saber como a crise chegou às empresas brasileiras.
A escolha do Relatório de Administração é proposital. Neste documento a gestão da empresa tem uma liberdade para expor suas opiniões e apresentar fatos que não estão contemplados nas informações trimestrais tradicionais. Na década de oitenta do século passado, Salvador Arena, um italiano que fundou e dirigiu a empresa Termomecânica, ficou conhecido pelos comentários que assinava e divulgava juntamente com as demonstrações da sua empresa. A sinceridade de Arena é uma grande exceção num mundo onde as empresas, e os gestores, preferem não adotar uma postura de pretensa neutralidade ou omissão.
Na pesquisa que fizemos muitas das empresas não apresentaram o relatório de administração. Isto, obviamente, é uma praxe do setor, já que as empresas preferem guardar seu fôlego para o relatório anual. Outras empresas também limitaram a divulgar os dados numéricos sobre a realidade da economia, como foi o caso do Laboratório Fleury. Esta empresa apresentou as projeções do PIB, baseada na pesquisa Focus do Banco Central, e uma projeção da inflação, tendo como base os valores acumulados de doze meses. Isto também foi a atitude do Santander, que desfilou diversos índices econômicos. Outras empresas foram sintéticas na análise, como foi o caso da Multiplan, que escreveu sobre o “frágil ambiente econômico”. A BRF associou o momento econômico ao desempenho da empresa, ao afirmar que terminou o primeiro semestre bem, mesmo com o “momento adverso e igualmente desafiador”. Mais adiante a empresa comentou sobre a desaceleração do consumo, aumento da taxa de juros, inflação e desemprego, sem entrar em detalhes. O mesmo cenário desafiador fazia parte das demonstrações da Ambev.
Mas existem as exceções. O Bradesco, depois de três parágrafos referentes à economia internacional, afirma, na demonstração recém-divulgada, que ocorreu “avanços na reorientação da política econômica”. Depois de diversas frases, o Bradesco mostra-se otimista ao afirmar que “mantém uma visão positiva em relação ao País, vislumbrando perspectivas favoráveis nos segmentos em que [o Bradesco] atua”. O otimismo do Bradesco inclui uma projeção de crescimento no crédito a taxas e risco sustentáveis, com inadimplência controlada. Para quem tem feito diversos empréstimos à Petrobras, a análise do Bradesco é até coerente.
Talvez a empresa mais pessimista seja a Souza Cruz. Diante da elevada carga tributária, redução do consumo do seu principal produto, o cigarro, e o elevado contrabando, a empresa aproveitou o Relatório de Administração para ressaltar o baixo desempenho da economia brasileira, informando que “o cenário econômico é mais negativo do que era esperado no início do ano”. Mesmo quando apresenta dados, a empresa é pessimista: “dados recentes do Instituto Nielsen apontam que o índice de confiança do consumidor brasileiro é o mais baixo desde 2009. Neste contexto, o cenário de negócio tem se mostrado extremamente desafiador para as indústrias de consumo no país.”
Mas será que devemos esperar de uma empresa uma posição sobre a crise econômica? Um argumento contra uma postura mais clara sobre a crise é que esta posição é do gestor, que não deve ser confundido com os outros participantes da empresa. Além disto, num ambiente de negócios, a ambiguidade, ou a imparcialidade, pode ser útil, numa economia onde o Estado possui uma grande participação no financiamento das empresas, por exemplo. Falar que o governo não consegue dar conta da economia pode despertar a ira de burocratas, mesmo numa democracia. Ou de parceiros, que podem não concordar com a posição da empresa. E como uma empresa é um conjunto de pessoas, talvez não exista um “consenso interno” na sua posição. Finalmente, a contabilidade sempre passou uma imagem de tecnicidade, que pode significar, para alguns, imparcialidade. Em outras palavras, a contabilidade deveria ficar longe do jogo da política.
Entretanto, o posicionamento da empresa diante do cenário da economia é uma informação útil. Saber que uma empresa está confiante no futuro, como é o caso do Bradesco, pode ser importante na projeção dos investimentos, por exemplo. Além disto, no jogo dos altos e baixos da economia, e da política também, saber a posição da empresa pode ser importante. Mesmo que a empresa apoie claramente, até com dinheiro, um governo, isto deveria ser evidenciado.
Os argumentos favoráveis e contrários ao posicionamento da empresa mostra que este é um assunto que merece mais reflexão. Vamos começar?