Anteriormente mostramos
neste blog sobre a possibilidade da maior empresa de petróleo do mundo abrir parte de seu capital. A Aramco, empresa de propriedade do governo da Arábia Saudita, está planejando seriamente fazer uma oferta pública de ações. Tudo parece indicar que esta oferta ocorrerá no final de 2018 ou, se atrasar, em 2019. Um ponto crucial na oferta é a expectativa do valor da empresa. Recentemente outra questão foi colocada: qual será o mercado de capitais que irá receber a oferta de ações.
Começamos pelo primeiro ponto: o valor da empresa. Aqui o processo de oferta pública começa de maneira inusitada. O príncipe herdeiro indicou que o valor da empresa seria de US$2 trilhões. Isto faria a Aramco a empresa de maior valor do mundo: só para comparar, a segunda colocada, a Apple, tem um valor de 800 bilhões de dólares. Este número é razoável? Esta é uma discussão bastante polêmica. A Aramco é uma empresa com um grande volume de reservas de petróleo (vinte vezes as reservas da Petrobras), um produto de qualidade (sem o enxofre existente nas reservas da Venezuela) e de baixo custo. Além disto, possui uma grande rede de refinarias e uma boa infraestrutura.
Usando dados da
Reuters, a uma avaliação de 7 a 8 dólares por barril e 260 bilhões de barris de reservas, o valor da empresa seria próximo àquele previsto pelo príncipe. Mas geralmente uma empresa de petróleo não é avaliada somente pela quantidade das suas reservas. Se fosse assim, o valor de mercado da Petrobras ficaria entre 91 a 104 bilhões de dólares.
Outro cálculo da Reuters considerou a relação entre EV / EBITDA e chegou a um valor necessário de US130 bilhões de Ebitda por ano para que a empresa tivesse o valor de US2 trilhões. Uma comparação feita com a Exxon mostra que a empresa ocidental obteve um Ebitda de 23 bilhões em 2016 para um valor de mercado de US$365 bilhões. Ou seja, uma relação perto de 16 de EV / EBITDA. Assim, a Aramco deveria ter uma relação próxima a esta para atingir o valor alvo: 2000 /16 = 125 bilhões. Mas a Exxon é o parâmetro de eficiência financeira do setor e os investidores gostam da empresa. Em empresas como Shell, BP e Total o múltiplo é de seis vezes. Usando este parâmetro, isto elevaria o patamar do Ebitda para mais de 330 bilhões de dólares por ano.
Mas mesmo usar a Exxon pode ser inadequado, já que as reservas da empresa ocidental são menores (10% da empresa saudita), bem como sua produção (50%). De qualquer forma, o anúncio do príncipe pode ter sido uma decisão ruim. Afinal, se o valor da IPO não alcançar este montante, a operação poderá ser considerada um “fracasso”.
É preciso considerar que a avaliação da Aramco agora é muito difícil em razão da falta de transparência dos números. Alguns analistas utilizam os dados das contas nacionais da Arábia Saudita, já que a empresa é um monopólio. E por estes dados, um Ebitda acima de 100 bilhões não é impossível, segundo informa a
Reuters.
Onde – A segunda questão da oferta pública da Aramco é onde irá ocorrer. As autoridades pretendem lançar 5% das ações da empresa na oferta pública e parte deverá ficar na bolsa de valores da Arábia Saudita. Pelo gigantismo da empresa, o pequeno mercado de ações saudita ficará bastante concentrado nas ações da petrolífera. Mas deverá existir uma parcela de ações que a ser ofertada numa bolsa internacional. Os mercados que podem receber a oferta são New York e Londres,
os principais candidatos. Mas os mercados de Hong Kong, Tóquio, Cingapura e Toronto
não estão descartados.
Atualmente as relações entre a casa real saudita e o presidente Trump são as melhores possíveis, o que favorece o mercado acionário dos Estados Unidos. Mas, conforme já comentamos
aqui, há o risco de demandas judiciais contra a empresa. A decisão por Londres pode ser problemática, já que existem
regras de oferta mínima para o mercado britânico e a oferta de ações da Aramco não irá atingir.
Fasb versus Iasb – a decisão de “onde” tem uma implicação contábil importante. A escolha pelo mercado acionário dos Estados Unidos significa opção pelas regras do Fasb. Londres e os outros mercados citados adotam as normas do Iasb. Assim, o conjunto de padrões contábeis escolhido irá depender também da escolha do local onde parte da oferta de ações ocorrerá. Novamente é preciso destacar que até hoje os números contábeis da empresa nunca foram publicados.
Parece existir demonstrações contábeis de anos anteriores, que foram inclusive auditadas por algumas das maiores empresas mundiais de auditoria (PwC, EY e BCG). Entretanto, nada se sabe sobre os valores. Segundo a Reuters, a empresa está preparando as demonstrações pelas normas do IFRS, mas pode fazer uma mudança para US GAAP, se a decisão for usar a bolsa de Nova York.
Para complicar, o governo saudita está implantando um novo sistema de impostos que irá reduzir substancialmente a carga tributária. Isto poderá aumentar o volume de dividendos, o que melhora sua avaliação inicial. De qualquer forma, o prazo é curto para estruturar um sistema contábil: menos de um ano, se for seguido o cronograma original.
Questões que podem afetar a avaliação – além dos aspectos apresentados anteriormente, não é possível deixar de considerar outros aspectos que podem influenciar no valor da empresa. Um deles é o fato de que estão sendo lançadas ações minoritárias, sendo que o controle permanece em solo saudita. Se o ágio pelo controle for substancial, isto tende a diminuir o valor da IPO. Outro ponto relevante é a governança desconhecida da empresa. As garantias para o minoritário podem não ser atrativas o suficiente para atrair o investidor. O preço do petróleo é outra variável decisiva no valor. Um aumento nas cotações, num mercado tão volátil, pode fazer com que a oferta seja um sucesso. Mas a perspectiva de um excedente de combustível poderá reduzir o potencial de ganho futuro da empresa, influenciando no valor da ação. Finalmente, a qualidade da informação contábil e da evidenciação podem ajudar a trazer investidores ou a afastá-los.
Apesar das incógnitas apresentadas, tudo parece indicar que a Aramco será, a partir de 2019, a empresa de maior valor do mundo.