O 'sonho americano' se tornou um mito, afirma economista Prêmio Nobel
Alexander Jung e Thomas Schulz
Der Spiegel
O setor financeiro é responsável pela crescente desigualdade entre ricos e pobres nos Estados Unidos, diz o professor de economia ganhador do Prêmio Nobel, Joseph Stiglitz. Em uma entrevista para a “Spiegel”, ele acusa o setor de rapinar os pobres e comprar políticas do governo que o ajuda a ficar mais rico. Na Universidade de Colúmbia, que fica localizada a apenas quadras do Harlem, no oeste de Manhattan, riqueza e pobreza estão mais próximas do que em muitos lugares em Nova York. Aqui é onde o economista americano e ganhador do Prêmio Nobel de 2001, Joseph Stiglitz, trabalha como professor.
Natural de Gary, Indiana, ele passou anos examinando a desigualdade social. Sua primeira experiência pessoal com a questão ocorreu na infância, quando perguntou por qual motivo sua babá não estava cuidando de seus próprios filhos. Posteriormente, como economista-chefe do Banco Mundial, ele estudou o fenômeno em um nível global. Em junho, ele publicou um livro sobre o assunto, intitulado “The Price of Inequality: How Today's Divided Society Endangers Our Future” (O preço da desigualdade: como a sociedade dividida de hoje coloca nosso futuro em risco, em tradução livre), que foi lançado recentemente em alemão. Em uma entrevista para a “Spiegel”, Stiglitz discute como a disparidade de renda está dividindo os Estados Unidos e como a Europa poderia superar a crise do euro.
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Spiegel: Os Estados Unidos sempre se viram como sendo uma terra de oportunidade, onde as pessoas podem sair da miséria para a riqueza. O que aconteceu ao sonho americano?
Stiglitz: Essa crença ainda é poderosa, mas o sonho americano se tornou um mito. As chances na vida de um cidadão americano jovem dependem mais da renda e da educação de seus pais do que em qualquer outro país industrializado avançado para o qual existem dados. A crença no sonho americano é reforçada por casos, por exemplos dramáticos de indivíduos que ascenderam do fundo ao topo –mas o que mais importa são as chances na vida do indivíduo. A crença no sonho americano não é apoiada por dados.
Spiegel: O que os números sugerem?
Stiglitz: Não houve nenhuma melhoria no bem-estar da família típica americana por 20 anos. Por outro lado, o 1% no topo da pirâmide da população ganha 40% mais em uma semana do que o quinto mais baixo recebe em todo um ano. Resumindo, nós nos transformamos em uma sociedade dividida. A América criou uma máquina econômica maravilhosa, mas a maioria dos benefícios vai para o topo.
Spiegel: Entretanto, restando mais cinco semanas de campanha presidencial, a desigualdade ainda não teve um papel sério.
Stiglitz: Ela é um assunto, mas geralmente apenas sob a superfície. Não se pode esperar um debate científico sobre o coeficiente Gini, a medição estatística de desigualdade. Mas quando os democratas dizem que apoiam a classe média, eles estão falando sobre a desigualdade. E eles acentuam o contraste com o candidato republicano, Mitt Romney, que é emblemático do 1% superior da população. O fato de Romney ter denegrido os 47% dos americanos que não pagam imposto de renda provocou uma reação enorme, em parte porque mostrou quão fora de contato as pessoas no topo estão do restante do país.
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Spiegel: O movimento Ocupe não conseguiu se tornar um fator poderoso. Por que ele fracassou?
Stiglitz: Ele se transformou em um movimento antiestablishment, e um aspecto de ser antiestablishment é ser antiorganização. Não é possível ter um movimento que não seja organizado. De qualquer modo, a frustração ainda está lá. Eu vou contar uma história: eu assisti recentemente “A Ópera dos Três Vinténs”, de Bertolt Brecht. Quando chegou a frase “O que é roubar um banco comparado a fundar um banco?”, a plateia inteira começou a aplaudir.
Spiegel: Quatro anos atrás, nós citamos essa frase em uma capa da “Spiegel”, sobre a crise bancária.
Stiglitz: É mesmo? Não era uma plateia demagoga naquela noite no teatro, mas para mim disse algo sobre até que ponto isso penetrou na psique dos americanos.
Spiegel: O que há na mente deles?
Stiglitz: As pessoas temem perder seu emprego. Mesmo as que estão empregadas, elas não sabem se o manterão. O que é certo é que se perderem o emprego, será difícil conseguir outro. Todo mundo conhece alguém que não consegue encontrar um emprego...
Spiegel: ...ou que perdeu sua casa.
Stiglitz: Essa é outra fonte de ansiedade. Mais de um quarto de todos os proprietários de imóveis residenciais deve mais do que o valor de suas casas. Nós precisamos de uma estratégia de crescimento para estimular a economia. Nós não investimos o suficiente por 30 anos –em infraestrutura, tecnologia, educação.
Spiegel: Com um fardo da dívida de US$ 16 trilhões, não há muito espaço para manobra.
Stiglitz: Os Estados Unidos podem tomar empréstimos com taxa de juro próxima de 0%, de modo que seríamos estúpidos se não investíssemos mais dinheiro e criar empregos. E também poderíamos fazer esforços para assegurar que os super-ricos paguem sua parcela justa. Nós poderíamos levantar mais dinheiro de uma série de formas. Olha para as empresas de mineração: o governo lhes concede o direito de extrair recursos por muito menos do que deveria, mas leilões poderiam assegurar que paguem o apropriado.
Spiegel: Então, sua resposta para o problema da desigualdade é transferir dinheiro do topo para a base?
Stiglitz: Primeiro, transferir dinheiro do topo para a base é apenas uma sugestão. Mais importante é ajudar a economia a crescer de modo que beneficie tanto as pessoas na base quanto no topo, e o fim dos “privilégios”, que transferem muito dinheiro dos cidadãos comuns para aqueles no topo.
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Spiegel: O senhor presume que o governo sabe melhor onde criar empregos. O senhor não está superestimando essa habilidade?
Stiglitz: Nós precisamos de estradas, pontes e aeroportos. Isso é óbvio. Os retornos do investimento público em tecnologia são, na média, muito altos –pense na Internet, no Projeto Genoma Humano e no telégrafo.
Spiegel: Também há muitos exemplos de dinheiro público desperdiçado. O programa espacial americano custa uma fortuna, e os resultados são questionáveis.
Stiglitz: Mas mesmo esses gastos ainda são menores do que o dinheiro desperdiçado pelo setor financeiro privado dos Estados Unidos, e os bilhões gastos para resgatar as empresas do setor financeiro. Apenas uma corporação, a AIG, recebeu mais de US$ 150 bilhões –mais do que foi gasto em bem-estar social para as famílias necessitadas de 1990 a 2006.
Spiegel: Mas o governo também se tornou proprietário dessas empresas e até mesmo conseguiu vender partes delas com lucro. O senhor não teme que essa estratégia de pacotes de estímulo cada vez maiores possa levar a inflação?
Stiglitz: Não necessariamente. O banco central tem a capacidade de tirar liquidez do sistema.
Spiegel: Mas é muito mais difícil diminuir a liquidez do que aumentá-la.
Stiglitz: Um banco central bem administrado conta com muitas ferramentas. Ele pode aumentar os juros ou as exigências de depósito compulsório para os bancos privados. Logo, acho que o risco é relativamente pequeno. A fraqueza na economia europeia apresenta um risco muito maior do que qualquer risco de inflação moderada. É melhor algum emprego onde o salário perde em termos reais em poucos pontos percentuais do que nenhum emprego.
Leia a entrevista completa aqui.
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