Era da Secretaria do Comércio e fazia relatórios. Arrastava pela vida um nome encaroçado: Juruberbal Calastra. Era um sujeito cheio de pormenores: sabia leis e regulamentos, desde a primeira portaria de um vago ministro imperial ao último ato publicado pelo Diário Oficial. Mas o forte de Calastra era o balancete. Diante de uma dessas peças papelosas, Calastra lambia os beiços e esfregava as mãos:
- Duzentas páginas! É como gosto, é como aprecio.
Era o terror em paletó de alpaca da Secretaria de Comércio. O olho de Calastra varria tudo. E era de longe, sem precisar de outro exame, que descobria erros:
- Seu Nogueira, cuidado com o Código de Contabilidade. O Penedo Alves pegou trinta anos de cadeia, Seu Nogueira! Trinta anos!
Ninguém queria história com Calastra. Nos processos mais em ordem, seu dedo metediço sempre encontrava um deslize:
- Veja esse selo! De cabeça para baixo. E logo quem! O marechal Floriano.
Adoeceu em definitivo. Veio o padre, um velhinho da paróquia do Encantado, para consolar o candidato a defunto. Falou das belezas do céu e garantiu que as suas portas seriam abertas a ele, Juruberbal Calastra. E fazendo o sinal da cruz:
- Como bom cristão sereis admitido no reino de Deus.
Calastra, já com o pé na eternidade e outro no seus quarenta anos leis e regulamentos, pergunto lá muito longo, em voz de encerramento de ponto:
- E a portaria de admissão já foi lavrada, Reverendo? Saiu no Diário Oficial, Reverendo?
E morreu
(O Cruzeiro, 3 jul 1974, ed 27 p. 88)
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