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06 abril 2025

Grandes nomes da história da contabilidade dos EUA: Sprague


Charles Ezra Sprague (1842-1912) teve grande influência no desenvolvimento inicial da profissão contábil nos Estados Unidos. Era um homem de cultura e chegou a ser fluente em 16 idiomas. Formou-se em 1860, e serviu no Exército da União durante a Guerra Civil. Em 1870, começou a trabalhar como escriturário no Union Dime Savings Bank, em Nova York. Subiu rapidamente na hierarquia do banco e em 1892, foi eleito presidente do Union Dime Savings Bank, cargo que ocupou até sua morte. Durante sua gestão, introduziu diversas inovações bancárias, como cadernetas e talões de cheque pequenos, livros contábeis em fichas removíveis e uma máquina de lançamento de lançamentos contábeis.

Sprague viajava com frequência à Europa e nessas viagens conheceu práticas contábeis de outros países, como Inglaterra e Alemanha. No primeiro, aprendeu a importância de haver procedimentos formais para o reconhecimento de profissionais da contabilidade. Introduziu o sistema de um conselho de examinadores para contadores públicos e tornou-se um dos primeiros contadores públicos certificados no estado de Nova York. Na Alemanha, conheceu as abordagens contábeis do país, que influenciaram seus escritos posteriores.

Escreveu diversas obras, incluindo: The Accountancy of Investment (1904), Extended Bond Tables (1905), Problems and Studies in the Accountancy of Investment (1906), Tables of Compound Interest (1907), Amortization (1908), The Philosophy of Accounts (1908) e Logarithms to 12 Places (1910). Antes disso, envolveu-se com a publicação The Bookkeeper, para a qual escreveu e atuou como editor associado de 1880 a 1883.

Seu livro mais importante, The Philosophy of Accounts, teve enorme impacto sobre a prática contábil, passando por cinco edições em menos de 15 anos. Antes dessa obra, a maioria dos livros de contabilidade eram manuais práticos, com exemplos e exercícios. Sprague tentou explicar o "porquê", e não apenas o "como", da contabilidade, um afastamento da abordagem tradicional americana ou inglesa, aproximando-se do estilo alemão.

No livro citado (The Philosophy of Accounts) ele propôs uma nova classificação de contas. Antes, as contas eram divididas em pessoais e impessoais. Sprague propôs uma divisão mais simples: um grupo com ativos e passivos, e outro com capital e contas de lucros e perdas. Um conceito introduzido por ele em The Bookkeeper - ativos igualam passivos mais patrimônio (A = P + PL) - foi usado para representar a teoria das contas de forma algébrica. 

Adaptado do verbete escrito por Rodney Rogers, The History of Accounting. Foto: aqui

Grandes nomes da história da contabilidade dos EUA: Moonitz

Maurice Moonitz (1914-2009) começou os estudos como músico. Mas a crise de 1929 e a mudança para Califórnia levou a trabalhar como contador de banco. Conseguiu o bacharelado (1933), o mestrado (1936) e o doutorado (1941) pela Universidade da Califórnia em Berkeley, onde tornou-se professor associado efetivo (1947) e trabalhou até a aposentadoria (1978).

Além de pesquisador, tinha uma experiência prática resultante do trabalho, por oito anos, como contador e auditor. Atuou por três anos no Accounting Principles Board, responsável pelas normas contábeis dos EUA na década de 1960.

Sua obra mais reconhecida, The Entity Theory of Consolidated Statements (1944), apresentou uma abordagem conceitual para as demonstrações consolidadas, defendendo o tratamento de grupos de empresas interligadas como uma única entidade econômica e contábil. Essa perspectiva exige que todos os ativos e passivos, inclusive o ágio, reflitam 100% de seus valores de transação, e não apenas o percentual correspondente ao controle majoritário.


Outra contribuição importante foi o livro-texto em dois volumes Accounting: An Analysis of Its Problems, com Charles Staehling, que incluía um exemplo completo em que todos os elementos das demonstrações financeiras, inclusive o lucro líquido, eram mensurados a valor presente.

Em 1960, Moonitz foi nomeado o primeiro diretor de pesquisa contábil do AICPA. Suas publicações The Basic Postulates of Accounting (1961) e, com Robert T. Sprouse, A Tentative Set of Broad Accounting Principles for Business Enterprises (1962), foram os números 1 e 3 da série de Estudos de Pesquisa Contábil do AICPA. O primeiro estudo atendeu à demanda por uma investigação sobre os postulados fundamentais da contabilidade. No entanto, como a abordagem normativa levava à contabilidade a valor corrente, foi rejeitada pelo establishment contábil. Em 1962, o Accounting Principles Board declarou que os estudos, embora valiosos, diferiam demais dos princípios geralmente aceitos para serem adotados naquele momento. 

Moonitz também contribuiu para a contabilidade inflacionária, refinando e esclarecendo a abordagem de nível geral de preços, hoje amplamente aceita pelos estudiosos. Produziu ainda análises sobre o processo de definição de normas contábeis nos Estados Unidos. Todas as suas obras se destacaram pelo alto nível de rigor acadêmico e influenciaram profundamente o campo da contabilidade por meio de outros estudiosos.

Baseado no verbete escrito por George Staubus para The History of Accounting. 

Grandes nomes da história da contabilidade dos EUA: Devine


Carl Devine (1911-1998) é, na opinião de Arrington, o intelectual mais formidável da história do pensamento contábil. Sua principal obra, escrita ao longo de quatro décadas, Essays in Accounting Theory, aborda ideias que vão da matemática à poesia, dentro do contexto da contabilidade. Essa obra rendeu, em 1985, o prêmio de Contribuição Excepcional à Literatura Contábil, concedido pelo American Institute of Certified Public Accountants e pela American Accounting Association. A última edição do livro apareceu um ano após seu falecimento. 

Formado em matemática e ciências físicas, com MBA (1938) e doutorado em administração de empresas pela Universidade de Michigan (1940) teve como mentores William Andrew Paton e A.P. Ushenko, lógico da filosofia. Passou por diversas universidades como professor ao longo da sua vida profissional. 

Seu pensamento tem por característica uma fidelidade ao pragmatismo, sem nunca adotar posturas rígidas ou inequívocas. Esse tipo de flexibilidade intelectual pragmática nunca foi popular no pensamento contábil.  

Para Devine, a preferência por alternativas contábeis depende do contexto e da história, algo que ele ilustra em várias questões específicas da contabilidade prática, como avaliação de estoques, depreciação e mensuração do resultado. Nesse sentido, Devine adota uma atitude sobre a fragilidade de fundamentar a validade do conhecimento em um único paradigma ou metodologia. Ele valorizou um positivismo modestamente credível, mantendo com vigor o interesse dos pragmatistas por uma ciência da experiência. 

Devine confere tanta importância às questões morais quanto às epistemológicas. O conhecimento sobre o humano deve ser guiado por uma obsessão com as consequências do saber para a busca humana por uma vida boa e justa. Uma ciência indiferente - ou mesmo antagonista - a questões de valores, ética e virtudes, por mais que se interpretem esses termos, é uma ciência muito parcial, senão falsa. 

Do verbete de C. Edward Arrington, The History of Accounting. Imagem do livro Essays, nona edição, 

Grandes nomes da história da contabilidade dos EUA: Demski

Joel S. Demski (1940) é reconhecido por ser um dos principais expoentes da perspectiva da "economia da informação". Ele foi pioneiro na aplicação de técnicas dedutivas formais à teoria contábil, utilizando modelos matemáticos rigorosos, definições precisas e provas formais para investigar uma ampla gama de temas. Entre os tópicos que estudou estão o processamento de informações em mercados financeiros, o valor da informação em contextos competitivos, estruturas hierárquicas de incentivos, teoria da mensuração de custos, o conceito de income e o processo de elaboração de normas contábeis. Seu livro Information Analysis (1980) oferece uma introdução acessível à sua abordagem.


Demski via os sistemas contábeis como construções sociais e adotava uma postura de cientista social, interessado em explicar, e não necessariamente defender, as escolhas entre diferentes métodos contábeis. Para ele, essas escolhas refletem decisões sobre estruturas de informação que, por sua vez, só são valiosas se resultarem em melhores decisões. Assim, ele via a contabilidade como parte integrante de contextos decisórios mais amplos e utilizava a teoria da utilidade esperada para analisar escolhas contábeis e para estudar as decisões que essas escolhas visam melhorar.

Uma da suas principais ideias foi sobre a definição de critérios para boas práticas contábeis. Demski argumentava que listas de atributos como relevância, tempestividade e objetividade não conseguiam capturar, de fato, as preferências dos usuários da informação. Ele introduziu o conceito de fineness (finesse), uma medida da quantidade de informação contida em um sistema contábil. Mas mesmo esse critério é incompleto, pois diferentes sistemas podem transmitir informações distintas, impossibilitando a ordenação simples entre eles. Assim, não é possível definir a qualidade de um sistema contábil sem considerar os problemas de decisão específicos enfrentados pelos usuários da informação.

Em seus modelos, diferentes tomadores de decisão interagem com informações limitadas e objetivos divergentes, o que gera problemas de incentivos. A contabilidade, nesse contexto, pode ajudar a mitigar esses problemas ao fornecer informações estruturadas que alinhem melhor os interesses das partes envolvidas.

(Adaptado do verbete de Rick Antle para The History of Accounting). Veja também o verbete da Wikipedia, foto aqui

05 abril 2025

Grandes nomes da história da contabilidade dos EUA: Canning

John Bennett Canning (1884–1962) foi professor de economia e chefe da Divisão de Contabilidade da Universidade de Stanford. É autor do livro The Economics of Accountancy (1929), uma obra pioneira que procurou reinterpretar os conceitos contábeis a partir da teoria econômica. Seu objetivo era tornar a contabilidade mais compreensível para os economistas, mas acabou contribuindo de forma decisiva para o avanço conceitual da própria contabilidade.

Canning analisou com rigor os conceitos de ativos, passivos, capital e income, criticando a ausência de definições claras nos textos contábeis da época. Argumentou que a prática contábil era excessivamente legalista e carecia de uma teoria do valor. Propôs, então, que a avaliação de ativos fosse baseada nos fluxos de caixa futuros esperados, e que os aumentos de valor fossem reconhecidos como renda, desde que estimativas confiáveis pudessem ser feitas.

Para ele, o income era realizada quando três condições fossem cumpridas: alta probabilidade de recebimento em até um ano, valor conhecido ou estimável, e custos associados conhecidos ou estimáveis. Suas ideias de mensuração econômica e reconhecimento contábil estavam muito à frente de seu tempo e ainda são consideradas modernas e influentes.

Os conceitos modernos que usamos em documentos da Estrutura Conceitual tem sua origem na obra de Canning. 

(Fonte: verbete de Michael Chatfield, The history of accounting) (Não consegui obter uma fotografia do Canning na internet) 

Grandes nomes da contabilidade dos EUA: William Beaver


William Beaver (1940-2024) é um dos principais nomes da pesquisa contábil ligada aos mercados de capitais, tendo contribuído de forma contínua e significativa desde os anos 1960. Formado pela Universidade de Notre Dame e doutor pela Universidade de Chicago, esteve inserido em um ambiente acadêmico de destaque ao lado de nomes como Fama, Jensen e Scholes. Seu trabalho inicial, que investigou a capacidade de índices financeiros preverem falências, deu origem a uma ampla literatura sobre distress financeiro. Posteriormente, suas pesquisas sobre o impacto dos anúncios de resultados no comportamento das ações consolidaram a escola de pensamento que conecta contabilidade e mercados de capitais.

Beaver utilizou a teoria da eficiência de mercado como base para muitos de seus estudos e sempre procurou aplicar suas conclusões à prática contábil. Defendeu que a simples existência da divulgação de informações é mais relevante para o mercado do que sua forma ou posição nos demonstrativos contábeis. Participou de comitês da SEC e do FASB, influenciando debates importantes, como o sobre contabilidade para variações de preços nos anos 1980.

Foi também um dos principais articuladores da reforma na formação doutoral em contabilidade, introduzindo métodos analíticos e empíricos rigorosos e maior integração com áreas como economia e finanças. Lecionou durante anos na Universidade de Stanford. Recebeu diversos prêmios da AAA e do AICPA, além de ter presidido a American Accounting Association em 1988.

Faleceu em 2024. 

Beaver revolucionou a maneira como percebemos a pesquisa na contabilidade. 

(Fonte: verbete escrito por George Foster para The History of Accounting) (Foto: aqui)

Grandes nomes da história da contabilidade dos EUA: Arthur Andersen


Arthur E. Andersen (1885-1947) foi um dos nomes mais influentes da história da contabilidade nos Estados Unidos. De origem humilde, começou como assistente por 25 dólares semanais e se formou à noite na Universidade Northwestern, onde posteriormente tornou-se professor. Diante da falta de material didático, escreveu seu próprio livro, *Complete Accounting Course*, que serviu como base para o ensino contábil em várias instituições.

Em 1913, abandonou a academia para fundar sua própria firma de contabilidade no Meio-Oeste americano. Com uma postura visionária e inconformada, Andersen desafiou as práticas tradicionais da época. Insistia em contratar graduados universitários em tempo integral — o que era visto como radical — e buscava formar profissionais que soubessem pensar além dos números. Introduziu o conceito de especialização por setor e desenvolveu o primeiro programa de treinamento unificado da profissão, reunindo funcionários de diferentes localidades para formação em Chicago.

Para Andersen, a contabilidade deveria priorizar o bom senso e a realidade econômica dos negócios, em vez de apenas seguir normas e tradições. Ele acreditava que uma boa contabilidade ajudava não só no cumprimento da legislação, mas também na gestão eficiente das empresas.

Embora inicialmente combatido pelo establishment contábil, suas ideias tornaram-se, após sua morte em 1947, a base dos princípios de auditoria e das normas contábeis modernas. Sua firma, que começou pequena, cresceu e se tornou uma potência global, com centenas de escritórios em dezenas de países. A empresa quebrou em razão do escândalo da Enron, no final do século XX. 

(Baseado no verbete de John Ruane, The History of Accounting). Foto: wikipedia