Alan Sangster, em The Emergence of Double Entry Bookkeeping, analisa um livro-razão de cambistas-banqueiros de Florença, datado de 1211. Esse registro é anterior aos documentos comerciais também de Florença, como os de Rinieri Fini e irmãos (1296-1305) e de Giovanni Farolfi (1299-1300). Essa é uma das primeiras questões abordadas no texto. A análise do documento leva Sangster a concluir que ele representa um exemplo típico da aplicação do método das partidas dobradas.
Um dos argumentos apresentados no artigo é que o método empregado no documento de 1211 é semelhante ao encontrado em registros posteriores. Apesar de algumas contas não seguirem um formato rígido e da ausência de numeração nas páginas, Sangster conseguiu reorganizar o conteúdo em uma notação mais moderna, utilizando apenas os elementos presentes no pergaminho. Isso reforça a ideia de que o método das partidas dobradas já existia, no mínimo, desde 1211, provavelmente em Florença.
Outra questão importante discutida pelo autor é: por que o método das partidas dobradas surgiu justamente em Florença? Esse tema já foi amplamente debatido na literatura. Alguns autores sugerem que a adoção dos números hindus no comércio, após a aprovação do Papa Silvestre, foi um fator influente. Outros destacam os empreendimentos comerciais, como os narrados por Marco Polo. Entre os séculos IX e XI, as feiras se consolidaram como centros comerciais no norte da Itália. Para que essas feiras funcionassem, era necessária não apenas uma estrutura física, mas também um sistema jurídico que garantisse a segurança das transações.
O escambo, ou troca direta de mercadorias, era ineficiente para o desenvolvimento do comércio, pois exigia que ambas as partes tivessem algo de interesse mútuo. A moeda surgiu como solução, mas na época havia muitas variações de moedas em circulação, o que dificultava sua conversão e tornava seu uso incerto devido à qualidade e autenticidade inconsistentes. Nesse cenário, os banqueiros-cambistas desempenharam um papel central ao fornecer serviços de troca de moedas e registrar transações como depósitos. Esse sistema mitigava os problemas das moedas e oferecia um mecanismo de conversão confiável.
Conforme as feiras cresciam, os cambistas começaram a atuar como intermediários financeiros, oferecendo empréstimos e gerindo depósitos. No entanto, para que essas atividades prosperassem, era necessário um sistema jurídico que protegesse tanto os cambistas quanto os credores. É aqui que entra o direito consuetudinário, um conjunto de normas baseadas em costumes e práticas aceitas como obrigatórias por uma comunidade. Em cidades como Florença, esse arcabouço jurídico proporcionava proteção aos cambistas-banqueiros, garantindo a validade dos registros contábeis nos tribunais.
Sangster argumenta que os tribunais reconheceram os lançamentos contábeis dos cambistas-banqueiros como documentos probatórios de transações, mas isso só era possível quando os registros seguiam o padrão do método das partidas dobradas, que exigia contrapartidas para cada lançamento. Esse reconhecimento jurídico foi fundamental para a prevalência do método em cidades como Florença, onde o direito consuetudinário estava mais consolidado, em contraste com outras cidades, como Gênova.
A aceitação dos livros-razão bancários como prova em tribunais não apenas incentivou a uniformidade dos registros entre os cambistas, mas também explica a preservação desses documentos históricos. Em outras palavras, a confiança no sistema contábil dos cambistas foi essencial para o desenvolvimento e expansão do método das partidas dobradas no início do século XIII.
Dito de outra forma, o que no Brasil do século XIX ficou conhecido como escrituração mercantil teve origem na prática dos cambistas-banqueiros medievais. Esses profissionais eram confiáveis para os participantes do comércio, oferecendo serviços financeiros completos, que incluíam depósitos, empréstimos e a resolução de disputas.
Em resumo, o registro mais antigo conhecido do método das partidas dobradas é de 1211. Florença, junto com outras cidades comerciais que se destacavam pelas feiras, foi o centro dessa inovação, que surgiu na contabilidade dos cambistas-banqueiros, e não nos registros de comerciantes ou do governo. O reconhecimento do direito consuetudinário foi um fator-chave para sua criação e disseminação.
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